Como ser transgênero foivbet bônus $50'aberração' e 'doença' a questãovbet bônus $50identidade:vbet bônus $50

Gisele Alessandra Schmidt e Silva, advogada

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, A advogada paranaense Gisele Alessandra Schmidt e Silva diz que os primeiros sinaisvbet bônus $50que era transgênero vieram aos 5 anosvbet bônus $50idade

A novidade acompanha uma evolução da ciência sobre a questão, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

A nova Classificação Internacionalvbet bônus $50Doenças (CID) será apresentada na assembleia da OMSvbet bônus $502019 e entrarávbet bônus $50vigor nos países-membros, entre eles o Brasil,vbet bônus $502022.

"É a comprovaçãovbet bônus $50tudo o que eu defendo", diz Gisele à BBC News Brasil. "Nunca me considerei doente."

O que são pessoas transgênero

Transgêneros são pessoas que não se identificam com seu sexo biológico. Pode ser um homem que se enxerga como mulher, uma mulher que entende como homem ou ainda alguém que acredita não se encaixar perfeitamentevbet bônus $50nenhuma destas possibilidades.

O termo foi cunhadovbet bônus $501965 pelo psiquiatra americano John Oliven, da Universidadevbet bônus $50Columbia, no livro Higiene Sexual e Patologia, e se popularizou nas décadas seguintes.

Pessoas transgênero

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Quem se identifica como transgênero não tem um problema mental, disse a OMS

Alexandre Saadeh, coordenador do ambulatóriovbet bônus $50transtornovbet bônus $50identidadevbet bônus $50gênero do Institutovbet bônus $50Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC), explica que as pessoas transgênero são menosvbet bônus $501% da população e estão presentesvbet bônus $50"todas as culturas" e ao longovbet bônus $50toda a história.

A ciência ainda não sabe explicar ao certo o que faz uma pessoa ser transgênero, mas Sadeeh diz que os estudos feitos até hoje apontam para uma "base biológica" para essa condição.

"Há quem defenda que isso é apenas frutovbet bônus $50influências socioculturais, mas recebo pacientesvbet bônus $504 ou 5 anos que afirmam que o sexo biológico não diz respeito a eles. É algo que acontece muito cedo para falar que é apenas sociocultural", diz ele.

"Pesquisas mostram que existe uma base biológica na origem da transexualidade, questões genéticas e hormonais."

A experiênciavbet bônus $50Carmita Abdo, professora da Faculdadevbet bônus $50Medicina da Universidadevbet bônus $50São Paulo (USP) e presidente da Associação Brasileiravbet bônus $50Psiquiatria (ABP), também aponta para sinais precocesvbet bônus $50transgeneridade.

"Em muitos casos, é uma reflexão que surge desde a primeira infância. Há influênciasvbet bônus $50ordem genética, mas precisamosvbet bônus $50mais estudos para entendervbet bônus $50que momento do desenvolvimento isso se apresenta", diz a médica.

"Muitas dessas crianças descobrirão que não são trans, outras se identificarão como homossexuais e outrasvbet bônus $50fato serão transgênero. Cabe a nós ouvir o que têm a dizer, dar apoio e acompanhar."

Ela explica não haver dados precisos sobre a proporçãovbet bônus $50transgêneros na população, porque muitas estimativas se baseiamvbet bônus $50quem deseja uma cirurgia e, hoje, se entende que essa condição vai além.

Há quem se identifique com o gênero oposto, mas não quer ser operado. Alguns desejam só tomar hormônios ou modificar características externas. E há quem não se identifique com nenhum gênero.

"Existe hoje um leque mais amplo do que os gêneros binários, e ainda vão surgir muitas nomenclaturas para contemplar possibilidades que não eram estudadas", diz Abdo.

"Não quer dizer que temosvbet bônus $50ir para o extremo oposto e que todos devam questionarvbet bônus $50identidadevbet bônus $50gênero. É algo que surge naturalmente."

'Uma ferida na alma que não cicatriza'

A advogada Gisele Alessandra diz ter sentido que havia algo diferentevbet bônus $50torno dos 5 anosvbet bônus $50idade. Ela conta nunca ter se identificado com nada do universo masculino.

"Eu me recusava a usar o uniforme dos meninos. Gritava e dizia que não queria ir pra escola. Sentia um grande desconforto e não entendia o que era, mas percebia que, se fizesse modificações para deixar a roupa mais feminina, me sentia melhor", diz a advogada.

"Minha vida escolar foi muito difícil. Sofri muito bullying. Fui chamadavbet bônus $50todas as palavras pejorativas: traveco, florzinha, aberração."

Quando Gisele tinha 15 anos, uma prima perguntou por que pessoas a estavam ridicularizando. "Respondi que era mulher. Minha prima me falou que eu não era, que estava doente e me levou para um psiquiatra que fazia cura gay. Minha família é religiosa, e fui levada para uma sessãovbet bônus $50exorcismo", conta Gisele.

"Tudo isso criou um trauma inenarrável, uma ferida na alma que não cicatriza. Fiquei com tanto medo que apaguei a Gisele da minha vida por muitos anos."

Pessoa com símbolo da transexualidade na palma da mão

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Mudança acompanha evolução da visão sobre essa condição, dizem especialistas

A advogada passou então a "representar o papel"vbet bônus $50Marcus, seu nomevbet bônus $50nascimento, e só deixouvbet bônus $50fazer isso há cercavbet bônus $50oito anos, quando percebeu que "usar essa máscara" estava gerando problemas como ansiedade, depressão e psoríase. Foi quando começou uma transição gradual paravbet bônus $50nova identidade.

Há cinco anos, não existe mais qualquer sinalvbet bônus $50Marcus. Ele deu lugarvbet bônus $50vez à advogada transgênero que hoje trabalha no Grupo Dignidade, uma ONG dedicada à defesavbet bônus $50direitos LGBT, e na área criminal.

Ela diz ter recebido a mudança da OMS com uma "grande felicidade". "É importante esse reconhecimentovbet bônus $50que não se tratavbet bônus $50uma doença mental, para que não tentem nos tratar. Acompanhei o casovbet bônus $50uma menina transvbet bônus $50que a família a internou compulsoriamentevbet bônus $50uma clínica. Isso é um perigo."

Por que ser transgênero não é doença

A nova definição da OMS enterra na prática uma noção que se tinha a respeitovbet bônus $50pessoas transgênero.

Ser transgênero constava até então no capítulo do sobre problemas mentais do código da organização, como "distúrbiovbet bônus $50identidadevbet bônus $50gênero".

Agora, mudavbet bônus $50nome, para "incongruênciavbet bônus $50gênero", e passa a integrar um novo capítulo sobre condições relacionadas à saúde sexual.

A edição anterior do guia falavavbet bônus $50"transexualismo" - o sufixo "ismo" vem do grego e atribui à condição um carátervbet bônus $50patologia.

Tratava-sevbet bônus $50"um desejovbet bônus $50viver e ser aceito como um membro do sexo oposto", normalmente acompanhado por "desconforto" com o órgão genital e vontadevbet bônus $50se submeter a cirurgia ou tratamento hormonal para adequar o corpo à percepção pessoal.

Ao deixarvbet bônus $50ser doença, a formavbet bônus $50se referir a isso também mudou, como ocorreu com "homossexualismo", que deu lugar a "homossexualidade", quando a OMS tirouvbet bônus $50seu guiavbet bônus $50doenças a atração por pessoas do mesmo sexo.

O correto é usar transexualidade ou transgeneridade. "O sufixo 'dade' se refere a uma característica. A mudança despatologiza a condição", diz Abdo.

O novo CID abre mão por completo desses termos e trata a transgeneridade como uma "persistente incompatibilidade na percepçãovbet bônus $50um indivíduovbet bônus $50seu próprio gênero e o sexo designado" ao nascer.

Pessoas com bandeira do arco-íris na mãovbet bônus $50parada LGBT

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, 'Não há por que tratar um transexual para acabar com a incongruência entre sexo biológico e psicológico', diz presidente da ABP

A OMS explica que isso deve se manifestar por vários meses ao menos. O diagnóstico não pode ser feito antes da puberdade, e preferências e comportamentos que destoam do esperado para o sexo biológico não servemvbet bônus $50base para isso.

"Uma doença é algo que afeta negativamente o corpo, e a incongruênciavbet bônus $50gênero não é isso", diz Lale Say, coordenadora do departamentovbet bônus $50pesquisa e saúde reprodutiva da OMS.

Ela explica que essa condição, mesmo que não seja uma patologia, ainda consta no guiavbet bônus $50doenças porque é algo que demanda serviçosvbet bônus $50saúde, como cirurgias, tratamento hormonal e apoio psicológico. "Mas não precisa prevenir ou curar. Não é algo que se deve lutar contra, mas que merece suporte."

Mudança 'reflete a visão científica atual'

A versão anterior do CID,vbet bônus $501990, começou a ser revista há dez anos. Grupos analisaram a literatura científica e consultaram profissionais e pessoas interessadasvbet bônus $50cada especialidade.

"O resultado reflete a visão científica atual. Ser transgênero não é uma questão médica, é uma questão pessoal", diz Say.

A OMS levou um tempo para formalizar a mudançavbet bônus $50entendimento, diz Saadeh. "A transexualidade não é considerada uma doença mental há 15 ou 20 anos. Demanda um diagnóstico para justificar os tratamentos necessários, senão vira só intervenção estética. E não é o caso, porque a pessoa sofre com a condição", afirma.

"Mas diagnóstico não é sinônimovbet bônus $50doença. Por exemplo, gravidezvbet bônus $50risco é um diagnóstico, mas não é doença."

O psiquiatra diz que ainda recebe muitos transgênerosvbet bônus $50seu consultório que se consideram uma "aberração". "Chegamvbet bônus $50todo o Brasil se achando doentes, um errovbet bônus $50Deus, e mostramos que não é errado ou uma escolha", diz.

Say diz que a mudança no código da OMS ajuda a "aprimorar o conhecimento e a compreensãovbet bônus $50profissionaisvbet bônus $50saúde e a evitar comportamentos com um viés", influenciados por crenças pessoais.

Abdo, da ABP, avalia que isso muda o alvo dos cuidadosvbet bônus $50saúde, que se voltam para o sofrimento gerado pela condição, e não para a incompatibilidadevbet bônus $50gênerovbet bônus $50si. "Da mesma forma que não se pode tratar um homossexual para mudarvbet bônus $50orientação sexual, não há por que tratar um transgênero para acabar com a incongruência entre sexo biológico e psicológico", afirma Abdo.

"O acompanhamento será feito para adaptar o sexo biológico ao desejado ou percebido como próprio, um processo que é longo e demanda acompanhamento por uma equipe capacitada."

'É um primeiro passo', diz ativista

Cianán Russell, da Transgender Europe, uma das principais ONGs do mundovbet bônus $50defesa dos direitosvbet bônus $50transgêneros, diz que a mudança é um "bom primeiro passo". "Não é apenas simbólica, mas prática. É fantástica e deve ser celebrada. É o resultadovbet bônus $50anosvbet bônus $50ativismo e um sinalvbet bônus $50que a OMS está respondendo às nossas críticas", afirma.

Ativistas transgênero

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Para a Transgender Europe, nova classificação deve ser celebrada, mas não basta

Mas Russell faz ressalvas, por considerar a terminologia ainda "pouco clara", e diz que há um "longo caminho" a percorrer. "A forma usada hoje ainda patologizavbet bônus $50certa forma a condição, porque, por mais que não precisevbet bônus $50diagnóstico psiquiátrico, ainda exige algum diagnóstico."

Russell acha improvável que a transgeneridade saia por completo do CID, porque é um mecanismo que dá acesso à coberturavbet bônus $50serviços por planosvbet bônus $50saúde. Mas gostariavbet bônus $50ver a condiçãovbet bônus $50uma categoria que não demande diagnósticos atrelados à identidadevbet bônus $50gênero.

"Todos os procedimentos médicos que uma pessoa trans precisa, pessoas que não são trans também precisam. Não há nada que seja exclusivo. Mas essa mudança é passo que a OMS não parece estar pronta para dar."

Russell ressalta que a OMS deve se esforçar para implementar as novas diretrizes mais rápido do que no guia anterior. "Mesmo ratificada nos anos 1990, a outra edição foi implementada nos Estados Unidos sóvbet bônus $502015, por exemplo. Enquanto não forem aplicadas na prática, transgêneros continuarão a serem considerados doentes", afirma.

Para combater o estigma

A OMS afirma ainda que não classificar a transgeneridade como uma doença mental pode reduzir o preconceito.

Espera-se que, com o tempo, isso ajude na aceitação social e promova um melhor acesso a serviçosvbet bônus $50saúde. "A pessoa vai se sentir mais confortável para pedir ajuda", diz Say.

Abdo acredita que isso pode contribuir, mas não serávbet bônus $50imediato. Ela cita o exemplo da homossexualidade, que saiu do guia da OMS na edição anterior e, ainda hoje, há um estigma atrelado a essa orientação sexual.

"Os homossexuais se apresentam hojevbet bônus $50forma mais confortável na sociedade, são mais respeitados, considerados indivíduos que existem e que não devem ser submetidos a tratamentos para mudar quem são", afirma a psiquiatra.

"Mas ainda existe quem tente fazer isso, fique deprimido ou tente se matar. As novas gerações serão as responsáveis pela desestigmatização da transgeneridade."

Saadeh faz a mesma avaliação. "Ainda hoje há quem considere homossexualidade uma doença e que tem cura. Para muitas pessoas, ter uma identidadevbet bônus $50gênero diferente do sexo biológico é algo maluco", afirma ele. "Conforme as pessoas se tornem menos ignorantesvbet bônus $50relação a isso, as atitudes podem mudar, mas levará tempo."

Preconceito velado

Gisele Alessandra diz que declarar-se transgênero foi uma realização pessoal, mas que isso lhe custou o contato com a família.

Mulher transgênero

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Transgêneros são menosvbet bônus $501% da população e estão presentesvbet bônus $50'todas as culturas', diz psiquiatra

"Passei dois anos cuidando da minha mãe, que tinha câncer. Depois que ela morreu, viraram as costas para mim. Recebi uma cartavbet bônus $50que diziam 'essa coisavbet bônus $50que me transformei' não significava nada para eles. Entraram com uma ação na Justiça para me obrigar a sair do apartamento dela", diz a advogada.

"Em meio ao traumavbet bônus $50tudo que havia acontecido e à dor do luto, eu ainda por cima não tinha mais onde morar."

Ao mesmo tempo, ela diz que hoje, após ter assumido uma aparência feminina, ela sente-se mais aceita socialmente, mesmo que não totalmente. "Ninguém mais me xinga no meio da rua nem sou alvovbet bônus $50qualquer outro atovbet bônus $50violência. Pelo contrário, me elogiam."

Mas ela acredita que o preconceito, antes explícito, agora se manifestavbet bônus $50forma velada. "Talvez seja ainda pior. Posso revidar uma agressão, mas como posso reagir à faltavbet bônus $50convites para sair ouvbet bônus $50propostasvbet bônus $50trabalho? Não há defesa para isso."