A canoa solar na Amazônia que ajuda comunidades a navegar sem gasolina pela selva:bwin instagram
- Laura Plitt
- BBC Mundo, enviada especial à Amazônia equatoriana
Sob a pálida luzbwin instagramuma lâmpada que pendura do tetobwin instagramum abrigobwin instagrammadeira, um círculobwin instagramhomens bebe litros e litrosbwin instagramuma infusãobwin instagramfolhas preparada na noite anterior pelas mulheres da casa.
São quatro da manhã e ainda falta um parbwin instagramhoras para que amanheçabwin instagramKapawi, uma pequena comunidade indígena achuarbwin instagramum canto remoto da Amazônia equatoriana.
Os homens bebem e bebem até que o corpo lhes diz que basta.
E, um a um, desaparecem na escuridão desta noite sem lua para esvaziar o conteúdobwin instagramseus estômagos com ruidosos vômitos.
Na volta, mais acordados e energizados pela limpeza, começam a relatar e interpretar os sonhos da véspera.
O mundo onírico tem um papel central na vida dos achuar: não só guia suas ações do dia, mas também seus planos a longo prazo, o futuro da comunidade.
E foi justamentebwin instagramuma dessas cerimônias, um ritual ancestral conhecido como "guayusada", que os anciãos compartilharam, há maisbwin instagrammeio século, um sonho que acabou sendo premonitório: pelas águas marrons do rio, viram descer "um barcobwin instagramfogo".
Mito ou história genuína, o certo é que essa visão se transformou recentementebwin instagramuma realidade para um grupobwin instagramcomunidades achuar.
Desde abrilbwin instagram2017, uma canoa alimentada por energia solar percorre 67 km pelos rios Capahuari e Pastaza e liga cercabwin instagrammil pessoas divididasbwin instagramnove assentamentos isolados que vivembwin instagramsuas margens.
"Meus pais, meus avós sonharam com isso. O sonho é uma mensagem. Os achuar conhecem pelos sonhos. O sonho não é mentira, é a verdade", diz Hilario Saant, um anciãobwin instagramKapawi.
A canoa se chama Tapiatpiabwin instagramhomenagem a um lendário peixe-elétrico da área, e é o primeiro sistema fluvial comunitário solar nesta parte da Amazônia.
Esse modelobwin instagramtransporte sustentável que percorre o território por suas rotas ancestrais, os rios, não só materializa um antigo sonho: também responde ao desejo profundo dessa culturabwin instagramviverbwin instagramharmonia com o meio ambiente.
O projeto ainda está embwin instagrametapa inicial. Mas se for bem-sucedido, tem o potencialbwin instagramser implementadobwin instagramoutros rios da bacia amazônica, um ecossistema ameaçado pelo desmatamento e pela exploração petroleira ebwin instagramcujo futuro o clima do planeta depende.
Tecnologiabwin instagramponta, desenho ancestral
"A canoa solar é uma solução ideal para esse lugar porque aqui não há redebwin instagramrios navegáveis, interconectados e há uma grande necessidadebwin instagramtransporte alternativo", explica à BBC Mundo Oliver Utne, o americano que deu vida ao projeto Kara Solar (Kara significa "sonho"bwin instagramachuar), depoisbwin instagramconviver com a comunidade durante anos.
"Como a gasolina só pode chegar aqui por avião, custa cinco vezes mais que no resto do país", explica. É um luxo que não se podem dar.
"Por outro lado, a ameaçabwin instagramchegadabwin instagramestradas a esse território, um dos lugares com maior biodiversidade do mundo, está muito presente."
"Trazê-las até aqui significaria a destruição dessa biodiversidade e produziria um impacto muito forte nessas culturas", argumenta o jovembwin instagrampouco maisbwin instagram30 anos, cabelos loiros e olhos azuis que os achuar tratam como mais um da família.
Com um tetobwin instagram32 painéis solares sobre uma canoa tradicionalbwin instagram16 metrosbwin instagramcomprimento e doisbwin instagramlargura, Tapiatpia encarna a fusão da tecnologia moderna com o conhecimento ancestral.
Feita com fibrabwin instagramvidrobwin instagramvezbwin instagrammadeira para estenderbwin instagramvida útil, a canoa tomou emprestado o desenhobwin instagramembarcação típica dos indígenas cofanes do norte do Equador.
Depoisbwin instagramvários estudosbwin instagramnavegabilidade, foi o modelo que melhor se adaptou às condições amazônicas.
As rotas, os horários, o porto central e outros assuntos relativos a seu funcionamento foram decididos pelas próprias comunidades com ajuda da "Plan Junto", uma organização que se encarrega do aspecto comunitário do empreendimento.
"De nada serve o barco se não houver um grupobwin instagramgente pensandobwin instagramcomo usá-lo e como aproveitá-lo", explica Celia Salazar, gerentebwin instagramoperaçõesbwin instagramcampobwin instagramPlan Junto.
Mais alunos nas classes
De pé na popa do Tapiaptia, com os olhos direcionados à rota, Saant me conta orgulhoso como pouco a pouco a canoa está mudando a vida da comunidade.
"Estamos ajudando a comunidade quando há crianças doentes. Me chamam por rádio e levamos as crianças ao centrobwin instagramsaúde. Tapiaptia ajuda a salvar vidas", me diz, emocionado.
É quebwin instagramrelação com o barco se remonta aos diasbwin instagramque era só uma ideia.
Além disso, ele foi um dos quatro tripulantes que fizeram a viagem épicabwin instagram1,8 mil km durante 25 dias para trazer a canoa do longínquo portobwin instagramIquitos, no Peru, até o território achuar.
Sem deixarbwin instagramolhar para frente, indica com sinais a rota ao capitão sentado na parte traseira da embarcação.
"Agora as crianças podem fazer passeios escolares", continua. "E, se moram longe, podem ir à escola e voltar no fimbwin instagramsemana e ajudar seus pais."
Mateo Tseremp é testemunha disso. Professor da única escola secundária para 15 comunidades da área, viu um incremento no númerobwin instagramalunos.
"Nos ajuda a trazer mais estudantes à unidade educativa Tuna. É muito mais econômico", me diz durante uma pausa depois da aula.
A canoa também ajuda os jovens a praticar esporte. Além disso, diz Sant, "na canoa podemos conversar". O ruídobwin instagramum motor elétrico é quase um sussurro comparado com o ensurdecedor ruído do barco típico da Amazônia que funciona a gasolina. Outro ponto a favor: como o barco é silencioso, não espanta os animais -bwin instagramum das viagens, a reportagem viu um boto-cor-de-rosa a poucos metros do barco.
Contra as estradas
Mais além das vantagens econômicasbwin instagramum transportebwin instagramcusto baixo para essas comunidades que vivem principalmente da caça, a agriculturabwin instagramsubsistência e a pesca, um benefício que eles consideram crucial é que não destrói nem polui o meio ambiente.
"Queremos que as crianças conheçam a mesma selva que eu conheço", diz Saant com firmeza.
A ameaça dos caminhos que vêm da indústria petroleira e madeireira, contudo, está cada vez mais próxima.
Em janeiro desse ano, por exemplo, o governo começou a perfurar a primeirabwin instagramuma centenabwin instagrampoços petroleiros dentro do Parque Nacional Yasuní, no nordeste do país,bwin instagramplena Amazônia equatoriana.
Essa área abriga nacionalidades indígenas que vivembwin instagramisolamento voluntário.
Impacto
Mas que impacto pode ter um projeto tão pequeno como esse na luta global contra a mudança climática?
Na Amazônia, uma região que perdeu cercabwin instagram17%bwin instagramseus bosques nos últimos 50 anos, segundo o Fundo Mundial para a Natureza, ebwin instagramque o desmatamento continua crescendo a um ritmo alarmente, o que pode fazer uma pequena canoa?
E mesmo se se multiplicarem, que impacto real podem ter duas, três, dez canoas solares diante do avanço incessante da mineração e da indústria madeireira e petroleira?
Para Utne, "a ideia fundamental é que se possa servir como exemplobwin instagramum projeto que funciona para uma economia amazônica".
"E, se não, ao menos pode ter impacto na vida das pessoas daqui", diz, com humildade.
bwin instagram *Kara Solar é um projeto conjunto dos achuar, a Fundação ALDEA (siglabwin instagramespanhol para Associação Latino-americana para o Desenvolvimento Alternativo) e Plan Junto.
Esta série da BBC foi produzida com financiamento da Fundação Skoll.