É preciso questionar as regras que me fizeram ser reconhecida apenas aos 71 anos, diz escritora:jogo da blaze das cores
- Júlia Dias Carneiro
- Da BBC Brasil no Riojogo da blaze das coresJaneiro

jogo da blaze das cores A escritora Conceição Evaristo mal se lembrajogo da blaze das corester referências masculinas ao seu redorjogo da blaze das coresseus anosjogo da blaze das coresformação, crescendo cercadajogo da blaze das coresmulheres negras que trabalhavam como cozinheiras, lavadeiras e empregadas, profissões tão humildes como a casa pobrejogo da blaze das coresque vivia com a mãe e os nove irmãos e irmãs na favela do Pendura Saia,jogo da blaze das coresBelo Horizonte.
Foi com essas mulheres, que completaram a alfabetização junto com a nova geraçãojogo da blaze das coresfilhos e sobrinhos que chegava, que ela tevejogo da blaze das coresformação - e aprendeu a liçãojogo da blaze das coresfortaleza.
Não a fortaleza folclórica que por vezes se atribui a "um povo negro que não sente dor, que está sempre a cantar, que tem uma alegria já por herança", critica, e sim a fortaleza da resiliência "que nos agrega" e "que nos salva".
A escritora mineira, que hoje vivejogo da blaze das coresMacaé (RJ), está prestes e embarcar para Paris, onde vai lançar a edição francesa do livro Insubmissas Lágrimasjogo da blaze das coresMulheres e participarjogo da blaze das coresmesas literárias no Salão do Livrojogo da blaze das coresParis.
Em conversa com a BBC Brasil, Conceição questiona as dinâmicas que tornam a ascensão social e profissional tão difícil para mulheres e para negros no Brasil.
Leia os principais trechos da entrevista:
jogo da blaze das cores BBC Brasil - Depoisjogo da blaze das cores130 anos da abolição da escravatura, como a mulher negra é vista hoje no Brasil?
jogo da blaze das cores Conceição Evaristo - Acho que são 130 anosjogo da blaze das coresuma abolição inconclusa. Inconclusa porque nós - a população pobrejogo da blaze das coresgeral, e mais ainda as mulheres negras - ainda não conquistamos uma cidadania plena no que diz respeito a habitação, emprego, condiçõesjogo da blaze das coresvida. A sociedade brasileira ainda tem essa dívida histórica para com a população negra, e mais ainda para com as mulheres negras.
As mulheres já enfrentam interdições por questõesjogo da blaze das coresgênero. No caso das negras, as interdições estão fundamentadas na questãojogo da blaze das coresgênero e na questãojogo da blaze das coresraça. Para as mulheres negras, a conquistajogo da blaze das coresdeterminados direitos ejogo da blaze das coresdeterminados espaços é muito mais difícil.

jogo da blaze das cores BBC Brasil - A senhora levou 20 anos para publicarjogo da blaze das coresprimeira obra. Por que demorou tanto, quais foram os obstáculos?
jogo da blaze das cores Conceição Evaristo - A primeira obra que eu escrevi, Becos da Memória, ficou guardada durante 20 anos. Eu mandei para várias editoras. O texto literário, no caso da autoria negra, carrega a nossa subjetividade na própria narrativa. A temática negra, principalmente quando trabalha com identidade negra, não é muito bem aceita.
Quando a temática negra trata do folclore, ou não é tão reivindicativa, aí interessa. Mas quando questiona as próprias relações raciais no Brasil, é quase um tema interdito. Principalmente se isso é colocado pela própria autoria negra.
Até então, os brancos podiam dizer a nosso respeito. Mas quando a gente se apropria do nosso discurso, da nossa história, isso é motivojogo da blaze das coresinterdição.
jogo da blaze das cores BBC Brasil - A senhora usa a expressão "escrevivências" para falar najogo da blaze das coresescrita, feita a partirjogo da blaze das coressuas vivências como mulher, negra,jogo da blaze das coresorigem pobre. Acha que está aí a forçajogo da blaze das coressua obra?
jogo da blaze das cores Conceição Evaristo - Não é que o homem não possa escrever sobre a mulher. Pode. Não é que o branco não possa escrever sobre o negro. Pode.
Mas quando esse discurso falado ou escrito carrega a nossa subjetividade, justamente porque ele nasce num lugar social, num lugarjogo da blaze das coresgênero, num lugar racial diferente, ele traz determinadas peculiaridades que aquele que escrevejogo da blaze das coresfora, por mais que seja competente do pontojogo da blaze das coresvista intelectual ou emocional, não vai trazer. Ele não traz uma cargajogo da blaze das coresquem escrevejogo da blaze das coresdentro.
Aqui não tem nenhum juízojogo da blaze das coresvalor,jogo da blaze das coresquerer dizer qual texto é mais bonito. Não é isso não. Mas trata-sejogo da blaze das coresapontar esse local diferente onde esse discurso nasce e é desenvolvido.
jogo da blaze das cores BBC Brasil - Mas a senhora fala na importânciajogo da blaze das coresescrever com uma voz feminina, afro-brasileira, nascidajogo da blaze das coresdentro. Ainda há pouco espaço para essa voz no Brasil, diante das perspectivasjogo da blaze das coresuma elite que descende da colonização europeia?
jogo da blaze das cores Evaristo - Há uma voz hegemônica que quer ser paradigmajogo da blaze das corestudo. Mas isso não significa que o povo não criou, ou não cria, as suas vozes, as suas utopias. Essas vozes, essas utopias, essas formasjogo da blaze das coresreação, essas táticas, elas sempre existiram. Se não existissem, a herança africana que marca a nacionalidade brasileira não existiria, já teria sucumbido.
Na música, na poesia, na literatura, nas religiões afro-brasileiras,jogo da blaze das coressindicatos,jogo da blaze das coresassociaçõesjogo da blaze das coresmoradores, essas vozes sempre se pronunciaram.
Mas por mais que uma voz hegemônica queira comandar, a água escapole entre os dedos. Você não segura. Não retém a força da água. Então o povo também encontra maneirasjogo da blaze das coresse afirmar,jogo da blaze das coresfalar,jogo da blaze das coresdizer.

jogo da blaze das cores BBC Brasil - A senhora fala muitos sobre como cresceu cercadajogo da blaze das coresmulheresjogo da blaze das coresuma casa muito humilde. Como isso a marcou como mulher e escritora?
jogo da blaze das cores Evaristo - Foram essas mulheres que me formaram. A presençajogo da blaze das coreshomens na família foi mais rara. Embora eu tenha aprendido minhas primeiras noçõesjogo da blaze das coresnegritude com um tio, irmão da minha mãe.
Aprendi a liçãojogo da blaze das coresfortaleza com essas mulheres, que não tinham formação escolar completa e aprofundaram o processojogo da blaze das coresalfabetização na medidajogo da blaze das coresque se tornaram responsáveis por criar uma geraçãojogo da blaze das coresfilhos e sobrinhos.
Não falo da "fortaleza" incutida no imaginário que se temjogo da blaze das coresum povo negro que não sente dor, que está sempre a cantar, que tem uma alegria já por herança... Esse imaginário não nos reconhece como seres humanos, com alegrias, tristezas, solidão. Esse imaginário retira nossa vulnerabilidade humana. Essa ideiajogo da blaze das coresfortaleza a gente não reconhece.
A gente reconhece a fortaleza que criamos na resiliência, que nos agrega, que nos salva. Sem essa fortaleza, sem a criaçãojogo da blaze das corestáticasjogo da blaze das coressobrevivência, a nossa ancestralidade morreria nos próprios porões dos navios (negreiros).
jogo da blaze das cores BBC Brasil - O ano passado foi consagrador, comjogo da blaze das coresparticipação da Flip (a Festa Literária Internacionaljogo da blaze das coresParaty) e as exposições que o Itaú Cultural promoveu sobre ajogo da blaze das coresobra,jogo da blaze das coresSão Paulo e no Complexo da Maré, no Rio. Como foi ver ajogo da blaze das coresobra levada para dentro da favela?
jogo da blaze das cores Evaristo - Teve uma importância tremenda. Eu saíjogo da blaze das coresum polo ao outro. Da avenida Paulista (onde fica a sede do Itaú Culturaljogo da blaze das coresSão Paulo), com matéria no jornal dizendo que eu estava no coração financeiro do Brasil, para a Maré.
Foi muito simbólico, porque é como se me devolvessem ao lugar que é meu. Ter a oportunidadejogo da blaze das coresestar com crianças e mulheres da periferia, mulheres pobres, que é uma experiência minha... E poder despertarjogo da blaze das corescuriosidade, seu desejo, mostrar que determinadas competências não são só das classes privilegiadas, que nós temos determinadas competências como qualquer ser humano pode ter.
Ano passado realmente foi muito fértil para mim. Mas faço questãojogo da blaze das coresafirmar, sem pestanejar: o que me fez não é a mídia. Meu primeiro lugarjogo da blaze das coresrecepção foi o movimento social negro. Foi a militânciajogo da blaze das coreshomens e mulheres que me levou para as escolas, para os saraus, para a pesquisa acadêmica.

Crédito, AFP
jogo da blaze das cores BBC Brasil - A senhora acha que o momento atual traz uma abertura maior para a produção culturaljogo da blaze das coresmulheres e artistas negros?
jogo da blaze das cores Evaristo - É o que eu desejo. Em todas as áreas, os poucos negros que conseguem uma ascensão social são vistos como históriasjogo da blaze das coresexceção. Mas as históriasjogo da blaze das coresexceção devem ser lidas para se pensar a regra.
Que regras são essas da sociedade brasileira para vermos uma mulher virar um expoente no campo da literatura só aos 71 anos?
Enquanto você vê outras expoentes na literatura que às vezes são meninas com idade para serem minha neta, mas como vêmjogo da blaze das coresum grupo social diferenciado do meu, são mais jovens, são brancas, têmjogo da blaze das corescompetência logo revelada?
Por que a minha competência está sendo tão tardiamente reconhecida? (...) É preciso questionar essas regras e dinâmicas sociais, culturais e econômicas que tornam tudo muito mais difícil para as pessoas negras.
Se a minha história desperta curiosidadejogo da blaze das coresleitores, do público, da critica literária, da mídia, tenho insistido também para que busquem outras autoras negras que estão produzindo. Podemos citar várias, como a Lívia Natália, a Miriam Alves, Esmeralda Ribeiro, a Geni Guimarães e muitas outras.
Quero que essa visibilidade que estou tendo tenha o efeito positivojogo da blaze das cores(fazer as pessoas) procurar essa autoria negra,jogo da blaze das coresmulheres ejogo da blaze das coreshomens.
jogo da blaze das cores BBC Brasil - O movimento negro combate o discurso da meritocracia. A senhora conseguiu estudar a duras penas, tendo que trabalhar como babá, faxineira, vendedorajogo da blaze das coresrevistas quando jovem. O quão difícil foi?
jogo da blaze das cores Evaristo - O discurso da meritocracia e os exemplosjogo da blaze das corespessoas negras que acabam se constituindojogo da blaze das coresuma exceção são perigosos. Porque cria-se esse imagináriojogo da blaze das coresque, se a pessoa estudar, trabalhar, se esforçar, ela consegue. Isso é mentira.
Conheço várias pessoas que estudaram, trabalharam, lutaram e não conseguiram. Ficaram pelo caminho. Esse discurso passa a impressãojogo da blaze das coresque as pessoas que não conseguem são preguiçosas. Não é isso. É um esforço sobre-humano.
E, sem sombrajogo da blaze das coresdúvida, eu queria ter conseguido as coisas com muito mais facilidade. Volto a falar: Eu tenho 71 anos. 71 anos não são 71 dias. É claro que estou feliz com o reconhecimento, mas essas conquistas se dão depoisjogo da blaze das coresmuito tempojogo da blaze das coresluta. Podia ter sido um pouquinho mais fácil.
jogo da blaze das cores BBC Brasil - Como vê o momento atual do feminismo, com o movimentojogo da blaze das coresdenúncias gerados por campanhas como #MeuPrimeiroAssédio e #MeToo? Acha que o atual Dia da Mulher vemjogo da blaze das coresmeio a mudanças positivas?
jogo da blaze das cores Evaristo - Teoricamente, sim. Mas eu não sei até que ponto as verdades que estão sendo colocadas são incorporadas no dia a dia das pessoas. É um pouco cômodo fazer militância pelas redes sociais.
Não há dúvidajogo da blaze das coresque as denúncias feitas nas redes têm o méritojogo da blaze das coresatingir um número enormejogo da blaze das corespessoas, têm valorjogo da blaze das coresmilitância e atéjogo da blaze das coresformaçãojogo da blaze das coresconsciência. Mas a luta requer uma participação efetiva nos espaços, ou nos próprios momentosjogo da blaze das coresquejogo da blaze das corespresença é cobrada.
Se é horajogo da blaze das coressair para as ruas, vamos sair para as ruas. Se é horajogo da blaze das coresdar uma aula bem dada, vamos dar essa aula bem dada. Se é horajogo da blaze das corescompactuar com o outro ao assistir a uma cenajogo da blaze das coresracismo, uma cenajogo da blaze das coresagressão contra o outro, vamos nos pronunciar. É fácil radicalizar nas redes sociais. O mais difícil é se comprometer na hora da prática.
jogo da blaze das cores BBC Brasil - O que gostariajogo da blaze das coresdizer para outras mulheres?
jogo da blaze das cores Evaristo - Eu diria para não perderem a perspectivajogo da blaze das coresluta. Para olhar para o passado e pensar nas mulheres quilombolas, nas mulheres que mesmo com a liberdade cerceada conseguiram deixar a sementejogo da blaze das coresluta,jogo da blaze das coresliberdade, para nós.
É preciso construir o presente sem perder essa linha histórica. Sem perder o exemplo das mulheres que palmilharam o caminho para que hoje estejamos aqui.











