'Mãe, me perdoe, mas não queria me parecer com você': a históriabetano casinobrasileira que cresceu com mãe com esquizofrenia:betano casino

Amanda Marton Ramaciotti hoje é jornalista e editora da revista Anfibia, no Chile, onde mora atualmente. Ela decidiu contarbetano casinohistória familiar no livro No Quería Parecerme a Ti ("Eu não queria ser parecida com você",betano casinotradução livre), um relato íntimo que contabetano casinorelação com Cecília, além dos preconceitos, mitos e estereótipos existentesbetano casinorelação à doença.

A obra também inclui informações científicas, entrevistas com especialistas e testemunhosbetano casinooutras pessoas que também foram afetadas pela esquizofrenia.

Em entrevista à BBC News Mundo (o serviçobetano casinoespanhol da BBC), a jornalista chileno-brasileira repassa alguns episódios dabetano casinoobra recentemente publicada, aprofunda seus próprios temores e alerta sobre o enorme desconhecimento existente sobre a esquizofrenia no mundo.

betano casino BBC News Mundo: Por que você decidiu contar abetano casinohistória?

betano casino Amanda Marton: O pontobetano casinopartida foi aos 20 anos, quando descobri que, por ser filha da minha mãe, havia 13%betano casinoprobabilidade que eu também tivesse esquizofrenia.

E, segundo todos os estudos, se não se manifestasse nenhum surto psicótico até que eu completasse 30 anos, a possibilidadebetano casinoque isso ocorresse posteriormente seria muito baixa,betano casino1%, quase no mesmo nível do restante da população.

Foi ali que, sem querer, fiquei obcecada pelo tema. Comecei a ler muito sobre saúde mental,betano casinodiferentes pontosbetano casinovista – científico, literário e artístico.

Quando estava pertobetano casinocompletar 30 anos, comecei a me sentir hipócrita. Por ser jornalista, eu acredito no poder das histórias e observo o impacto positivo que gerabetano casinopublicação. E me sentia hipócrita quando contava históriasbetano casinovidabetano casinooutras pessoas, mas não a minha própria.

Ali comecei a me motivar a escrever. Durante o processo, percebi que eu estava erradabetano casinomuitas coisas, que queria derrubar certos tabus, mas eu mesma tinha vários tabus.

betano casino BBC: No livro, você diz: "Quero fazer e dizer todo o necessário antes dos 30, para se, por acaso, minha mente falhar, se acontecer algo." Como você viveu esses anosbetano casinoincerteza?

betano casino Marton: Entreibetano casinoum frenesi muito grande antes dos 30 porque, se eu sofresse um surto psicótico, seria muito difícil ser uma jornalista confiável.

Trabalheibetano casinodiversos lugares ao mesmo tempo, queria fazerbetano casinotudo, lia compulsivamente. Eu diria que agi atébetano casinoforma perturbada, no afãbetano casinonão ter, entre aspas, a "loucura".

betano casino BBC: Agora, você tem 31 anos, ou seja, já passou do limitebetano casinoidade dos estudos...

betano casino Marton: Devo confessar que, quando completei 30 anos, inicialmente tive uma sensaçãobetano casinovazio.

É como acontece quando alguém passa por um conflito muito significativo e esse conflito deixabetano casinoexistir. É claro que existe um alívio, mas também uma sensaçãobetano casinovazio,betano casinoperguntar "e agora?".

Mas aquilo me permite viver mais leve, já que a esquizofrenia sempre será um elemento central na minha vida, mas não quero que seja o principal da minha vida.

Quando penso na minha mãe, não quero pensar sempre nela como uma mulher com esquizofrenia. Minha mãe é muito mais do que isso.

betano casino BBC: Vamos à história dabetano casinomãe. Como tudo começou?

betano casino Marton: Eu realmente acreditava que o primeiro surto psicótico da minha mãe havia ocorrido quando eu tinha quatro anos e que, por isso, ela havia saídobetano casinocasa.

Como era criança, eu percebia que algo ia mal porque recebia cartas da minha mãe perguntando pelas minhas irmãs, mas eu não tenho outras irmãs... Eu me lembro disso como a primeira quebra da ingenuidade na minha infância.

Depois, conduzindo a pesquisa familiar para o meu livro, percebi que os surtos haviam começado muito antes. Mais do que isso: o primeiro surto aconteceu quando ela estava grávidabetano casinomim.

Saber disso foi muito difícil porque achei que, talvez, tudo pudesse ter começado no processo da gravidez e, então, a culpada teria sido eu... não sei... é um mistério.

Também foi muito doloroso perceber os tabus que existiam na minha família e a pouca informação que eles tinham... não sabiam como agir. Isso reforça novamente a ideiabetano casinoescrever esta história, pois é a única formabetano casinoaprender e derrubar mitos.

betano casino BBC: Em qual momento vocês souberam que Cecília tinha esquizofrenia?

betano casino Marton: Primeiramente, os médicos disseram que poderia ser um casobetano casinodepressão, depois que poderia ser um surto psicótico qualquer, relacionado à bipolaridade.

Meu pai comentou que ela chegou a ser tratada com lítio, mas o lítio não é usado para esquizofrenia.

Minha mãe só teve seu primeiro diagnóstico quando eu tinha quatro anos e a internaram. Isso trouxe consequênciasbetano casinonível interno e familiar.

betano casino BBC: Você tinha quatro anos quandobetano casinomãe saiubetano casinocasa. Que lembranças você tem daquele momento?

betano casino Marton: Antes que ela saísse, houve momentosbetano casinoque eu me afastava dela. Eu não permitia, por exemplo, que ela se aconchegasse comigo na cama. Acho que eu percebia que algo não estava bem.

Lembro que havia uma espéciebetano casinocheirobetano casinodoença, uma misturabetano casinocigarro, seu perfume, o creme que ela sempre usou e também um cheirobetano casinopoucos cuidados. Quando uma pessoa estábetano casinoum surto psicótico, ela tende a não cuidarbetano casinosi própria.

E sinto que este é o odor que tenho fresco na memória.

Eu me lembro muito bem do diabetano casinoque ela foi embora. Ela se aproximoubetano casinomim, se abaixou até a minha altura e disse: "Vou verbetano casinovovozinha."

Eu pedi que ela me esperasse, corri até o meu quarto, peguei alguns lápis e um lenço e entreguei para ela. Ela então saiu e não voltou mais.

Vários anos depois, antes que voltasse para casa, ela me devolveu esse lenço pintado.

betano casino BBC: No livro, você diz: "Às vezes, acho que nem eu, nem meu pai, existimos plenamente entre 1997 e 2001", que foram os anosbetano casinoque abetano casinomãe não estavabetano casinocasa. Por quê?

betano casino Marton: Nem eu, nem meu pai nos lembramosbetano casinoque eu tenha perguntado por ela durante esse período. Acho que,betano casinoalgum nível, eu tinha consciênciabetano casinoque não precisava perguntar porque algo estava acontecendo.

Nós prosseguíamos, claro, mas sempre estava a presença ausente da minha mãe.

Lembro que, no colégio, eles me mandavam preparar presentes para o Dia das Mães. Era imensamente doloroso. Isso certamente acontece com milhõesbetano casinocrianças,betano casinosituações muito diferentes...

Realmente, sinto que não existimos plenamente, porque vivemos sempre com essa sombra da ausência da minha mãe. Também não há fotos desses anos. É um borrão na nossa história.

betano casino BBC: Durante esse período, você podia vê-la?

betano casino Marton: Às vezes, minha mãe aparecia, mas meu pai havia trocado a chavebetano casinocasa. Isso gerava discussões.

Ela não estava bem naquele momento, mas sempre encontrava formasbetano casinose comunicar. Ela me mandava cartasbetano casinolatasbetano casinocerveja ou guaraná e me atirava pela janela.

Eu sabia que não precisava mostrar aquilo para ninguém. Então, eu as guardava e lia quando meu pai não estivessebetano casinocasa.

Aquilo chegou a tal ponto que meus avós foram à justiça, dizendo que minha mãe precisava me ver. Eles então fizeram um acordo nos tribunais para que eu pudesse ir vê-la na casa dos meus avósbetano casinotemposbetano casinotempos.

betano casino BBC: No livro, você menciona alguns psiquiatras e psicólogos, que comentam como a ausência da mãe afeta as crianças. E muitos dizem que aquilo causa um efeito devastador sobre a personalidade. Como você foi afetada?

betano casino Marton: Até hoje, não consigo decifrar tudo. É uma dúvida que tenho pendente.

Uma estudantebetano casinopsicologia me disse que tem a sensaçãobetano casinoque eu queria ser a filha perfeita, que nunca queria estar errada, porque já havia muitas coisas acontecendo na minha família.

Para mim, faz sentido. De fato, eu era muito aplicada nos estudos e sempre tive bolsa porque me saía muito bem. Havia uma busca do perfeccionismo para diminuir todo o caos que havia ao meu redor.

betano casino BBC: Como foi o momentobetano casinoque abetano casinomãe voltou? Foi muito difícil esse retorno?

betano casino Marton: Existe uma data que ficou gravada na minha memória para toda a vida: 31betano casinojulhobetano casino2001.

Foi o diabetano casinoque a minha mãe voltou para casa. Eu fiquei com aquilo na mente.

Descobri que mencionei aquele dia nos meus diáriosbetano casinocriança e minhas amigasbetano casinoinfância me dizem que eu não paravabetano casinorepetir que minha mãe ia chegar.

Também me lembrobetano casinoter essa sensaçãobetano casinocriança,betano casinome sentir um pouco culpada por ela ter saído ebetano casinonão querer que ela fosse embora outra vez.

Para meu pai, também foi difícil. Voltar a encarar uma vida, uma esposa, depoisbetano casinoquatro anos. Ele tinha muito medo.

Minha mãe, por exemplo, não podia assar para mim um bolobetano casinochocolate que só ela sabia fazer porque meu pai não confiava, não sabia se ela estava bem.

Houve então um processobetano casinoreacomodação familiar,betano casinorecuperar a confiança. E tambémbetano casinoaprender a nos conhecermos.

Porque uma filhabetano casinoquatro anos é diferentebetano casinouma filhabetano casinooito. Eu precisei apresentar minha mãe a grande parte dos meus amigos que não a conheciam.

betano casino BBC: Você comenta no livro que precisou lidar com um surto psicótico dabetano casinomãe pela primeira vez, sozinha,betano casino2013, quando tinha 20 anos. Foi muito difícil para você controlar aquela situação?

betano casino Marton: A crisebetano casino2013 foi muito, muito dolorosa.

Foi um momentobetano casinoinflexão. Minha mãe havia estado bem, mas, quando cheguei ao Brasil para vê-la nas fériasbetano casinoverão, percebi que algo andava mal.

Até que, na noitebetano casinoNatal, ela perguntou pelas minhas irmãs e me lembrei do grande trauma da minha infância – porque, quando eu tinha quatro anos, percebi que algo não ia bem com a minha mãe, justamente porque ela me perguntava por irmãs que não existiam.

Decidi levá-la ao hospital, embora ela estivesse muito desconfortável com a situação.

Aquela foi a primeira vezbetano casinoque ouvi uma pessoa dizer que minha mãe tinha esquizofrenia. Até então, nunca haviam me dito a palavra diretamente.

E lembro que a médica me disse que precisaria interná-la e eu não quis. Preferi me encarregar dela.

betano casino BBC: Frente à possibilidadebetano casinoque você desenvolvesse esquizofrenia comobetano casinomãe, você conta no livro que não tinha medo dos efeitos mentais da esquizofrenia, nem das terapiasbetano casinochoque. O que, então, assustava você?

betano casino Marton: Os preconceitos, andar pela vida sentindo que existem preconceitos contra abetano casinopessoa.

Minha mãe perdeu amizades por ter surtos psicóticos, porque elas não a entendiam. Ser tratada com condescendência é algo que me irrita.

E não é necessariamente porque eu me importe demais com o que as pessoas pensam, é porque isso traz consequências diretas ao nosso dia a dia, não ter trabalho, amizades ou não poder se desenvolverbetano casinodiferentes setores.

Neste sentido, acredito que minha mãe é muito valente, muito forte, muito resiliente. Não sei se eu conseguiria.

E também me dava medo ser um peso para o meu marido e para os meus pais. Fazê-los sofrer por isto.

E, por fim, a maternidade. Eu não teria filhos – e esta é uma decisão totalmente pessoal – se tivesse desenvolvido esquizofrenia. Era uma decisão que, para mim, estava definida porque não queria que um filho meu passasse por algo parecido com o que eu precisei viver.

betano casino BBC: Você acredita que exista desconhecimento do mundo sobre esta doença?

betano casino Marton: Sim, muito. E é outra razão por que tomei a decisãobetano casinoescrever o livro.

Fico desesperada quando as pessoas usam o termo "esquizofrênico" para caracterizar uma pessoa ou uma situação. Porque potencializa demais os estereótipos.

Acredita-se, por exemplo, que as pessoas com esquizofrenia podem ser violentas. Não é verdade. Nem todas as pessoas são.

Todos os estudos científicos demonstram que, mais do que serem violentas, elas sofrem muita violência devido àbetano casinocondição.

Eu adoraria se chegássemos ao pontobetano casinoque as pessoas com esquizofrenia pudessem dizer isso sem serem julgadas, abandonadas ou rejeitadas pela sociedade, mas ainda vejo que isso está longe.

Dizia-se antigamente que 1% da população mundial sofriabetano casinoesquizofrenia. Agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou o número e diz que umabetano casinocada 300 pessoas sofrebetano casinoesquizofreniabetano casinotodo o mundo.

São quase 25 milhõesbetano casinopessoas, o que é muita gente. Se temos um número como este, por que não falamos mais sobre a esquizofrenia?

Sinto que existem muitos preconceitos que ainda precisam ser derrubados.

betano casino BBC: Na última frase do livro, você diz que não tem mais medobetano casinose parecer com abetano casinomãe...

betano casino Marton: Eu não queria ser parecida com a minha mãebetano casinomuitas coisas. Mas, no processobetano casinopesquisa e ao conhecer abetano casinohistória, percebi que existem muitos pontosbetano casinoque somos parecidas.

Eu adoraria me parecer mais com elabetano casinomuitas outras coisas. Ela é uma mulher mais paciente,betano casinomenos confrontos.

Eu gostariabetano casinoter abetano casinodoçura.