O que faz o Brasil ter a maior populaçãoblaze aplicativodomésticas do mundo:blaze aplicativo
- Marina Wentzel
- Da Basileia (Suíça) para a BBC Brasil

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Trabalho doméstico respondeu por 14,6% dos empregos formais das brasileirasblaze aplicativo2017
blaze aplicativo Se organizasse um encontroblaze aplicativotodos os seus trabalhadores domésticos, o Brasil reuniria uma população maior que a da Dinamarca, composta majoritariamente por mulheres negras,blaze aplicativoacordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Segundo dadosblaze aplicativo2017, o país emprega cercablaze aplicativo7 milhõesblaze aplicativopessoas no setor - o maior grupo no mundo. São três empregados para cada grupoblaze aplicativo100 habitantes - e a liderança brasileira nesse ranking só é contestada pela informalidade e faltablaze aplicativodados confiáveisblaze aplicativooutros países.
Com um perfil predominante feminino, afrodescendente eblaze aplicativobaixa escolaridade, o trabalho doméstico é alimentado pela desigualdade e pela dinâmica social criada principalmente após a abolição da escravatura no Brasil, afirmam especialistas.
Um estudo feitoblaze aplicativoparceria entre o Institutoblaze aplicativoPesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento, e a ONU Mulheres, braço das Nações Unidas que promove a igualdade entre os sexos, compilou dados históricos do setorblaze aplicativo1995 a 2015 e construiu um retrato evolutivo das noçõesblaze aplicativoraça e gênero associadas ao trabalho doméstico.
Os resultados demonstram a predominância das mulheres negras ao longo do tempo.
Em 1995, havia 5,3 milhõesblaze aplicativotrabalhadores domésticos no Brasil. Desses, 4,7 milhões eram mulheres, sendo 2,6 milhõesblaze aplicativonegras e pardas e 2,1 milhõesblaze aplicativobrancas. A escolaridade média das brancas erablaze aplicativo4,2 anosblaze aplicativoestudo, enquanto que das afrodescendentes erablaze aplicativo3,8 anos.
Vinte anos depois,blaze aplicativo2015, a população geral desses profissionais cresceu, chegando a 6,2 milhões, sendo 5,7 milhõesblaze aplicativomulheres. Dessas, 3,7 milhões eram negras e pardas e 2 milhões eram brancas. O nível escolar das brancas evoluiu para 6,9 anosblaze aplicativoestudo, enquanto que, no caso das afrodescendentes, chegou a 6,6 anos.
"Ainda hoje o trabalho doméstico é uma das principais ocupações entre as mulheres, que são a maioria no setorblaze aplicativotodo o mundo, cercablaze aplicativo80%. No Brasil, permanece sendo a principal fonteblaze aplicativoemprego entre as mulheres", diz Claire Hobden, especialistablaze aplicativoTrabalhadores Vulneráveis da OIT.
Em 2017, o trabalho doméstico respondeu por 6,8% dos empregos no país e por 14,6% dos empregos formais das mulheres. No começo da década, esse tipoblaze aplicativoserviço abarcava um quarto das trabalhadoras assalariadas.
Legado da escravidão
O professor e pesquisador americano David Evan Harris é um dos especialistas que defendem que o cenário do trabalho doméstico no Brasil atual é herança do período escravagista.
"O Brasil foi um dos últimos países do mundo a acabar com a escravidão. Se olharmos para quem são as empregadas, veremos que elas tendem a ser pessoasblaze aplicativocor", diz o acadêmico, formado pela Universidade da Califórniablaze aplicativoBerkeley, nos EUA, e mestre pela USP.
"Analisando cidades como Rio e São Paulo, percebe-se que as domésticas muitas vezes são pessoas que migraram do Norte e Nordeste para o Sul e Sudeste. E, como se sabe, o Nordeste é para onde boa parte das populaçõesblaze aplicativoescravos foi originalmente trazida. Há uma situaçãoblaze aplicativodinâmica geográfica, histórica e social que continua até hoje."
Segundo a historiadora e escritora Marília Buenoblaze aplicativoAraújo Ariza, mesmo após a abolição,blaze aplicativo1888, mulheres e homens negros continuaram sendo servos ou escravos informais, o que também deixou seu legado no mercadoblaze aplicativotrabalho.

Segundo historiadores, sociedade brasileira criou sistema que mantinha negros no trabalho informal para impedirblaze aplicativoascensão após a abolição da escravatura | Foto: Biblioteca do Congresso dos EUA
As domésticasblaze aplicativohoje são majoritariamente afrodescendentes porque "justamente eram essas pessoas que ocupavam os postosblaze aplicativotrabalho mais aviltados na saída da escravidão e na entrada da liberdade no pós-abolição", afirmou ela à BBC Brasil.
A ideiablaze aplicativoter um servo na família era muito comum, mesmo entre quem não era rico e vivia nas regiões semiurbanas do século 19, segundo Ariza.
"A escravidão brasileira foi diversa, mas foi sobretudo uma escravidãoblaze aplicativopequena posse. No Brasil, todo mundo tinha escravos. Quando as pessoas tinham dinheiro, elas compravam escravos com muita frequência."
Em São Paulo, por exemplo, muitas famílias - mesmo as relativamente pobres, muitas delas chefiadas por mulheres brancas - "tinham uma ou duas escravas domésticas para realizar afazeres na casa ou na rua".
'Racismo estrutural'
Ariza acredita que o Brasil do século 21 herdou do passado colonial, imperial e escravista uma "profunda desigualdade na sociedade que não foi resolvida" e "um racismo estrutural".
"Essas duas coisas combinadas nos levam a um quadro contemporâneo que usa racionalmente o trabalho doméstico porque ele é mal remunerado e, até recentemente, não tinha quaisquer direitos reconhecidos", resume.
A ratificação pelo Brasil da Convenção Internacional sobre Trabalho Doméstico (convenção 189 da OIT) ocorreu neste mêsblaze aplicativofevereiro e foi considerada um avanço na proteção dos direitos desses trabalhadores.
O compromisso vem no lastro da adoção da emenda constitucional 72blaze aplicativoabrilblaze aplicativo2013, conhecida como a "PEC das Domésticas", e da lei complementar 150blaze aplicativo2015, iniciativas para coibir a exploração, dar mais amparo e formalização ao emprego.
"Apesar dos esforços dos governos recentesblaze aplicativotrazer essas empregadas para a formalidade, o que se vê hoje é o aumento da informalidade", pondera o professor e doutorblaze aplicativoHistória pela Universidade Federal do Rioblaze aplicativoJaneiro (UFRJ) Carlos Eduardo Coutinho da Costa.
Nablaze aplicativovisão, que as relações sociais do trabalho doméstico não têm necessariamente vínculo com a escravidãoblaze aplicativosi, mas, sim, com a dinâmica racial que se estabeleceu após a alforria, a partirblaze aplicativo1888.
"Era muito comum tanto no pós-abolição imediato, quanto ainda nos diasblaze aplicativohoje, as pessoas dizerem (a negros e pobres): 'ponha-se no seu lugar'. Mas que lugar é esse ao qual os pobres pertencem?", indaga.
"Quando acabou a escravidão, todas aquelas relaçõesblaze aplicativodominação caíram por terra. Foi um período muito próximo do fim da monarquia também, então todas as relações se modificaram e ficaram pairando no ar. Foi necessário criar uma ordem para manter a hierarquia, e a solução encontrada foi a racialização das relações."
Para isso, diz ele, foram criados mecanismos na sociedade brasileira "para impedir que certo grupo ascendesse socialmente, porque havia o desejoblaze aplicativoconstruir no Brasil essa relaçãoblaze aplicativoclasse".

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Brasil tem 3 empregados domésticos para cada 100 pessoas; Índia vemblaze aplicativosegundo lugar,blaze aplicativoranking da OIT, com 2 empregados para cada 100 pessoas
Já que o trabalho formal é um meioblaze aplicativoascensão, as oportunidades nesse âmbito foram administradas por um viés racial, no qual negros foram encaminhados aos postos inferiores, mais precarizados, para que não evoluíssem economicamente, diz Coutinho da Costa.
"Se você pegar os anúnciosblaze aplicativovagas daquela época vai perceber que a maior parte especificava a cor da pessoa. Eram empregos normalmenteblaze aplicativosubalternidade,blaze aplicativotrabalhoblaze aplicativofaxineira, copeira, cozinheira, e pedia-se literalmente assim: procura-se mucama da cor preta para trabalharblaze aplicativoafazeres domésticos", exemplifica.
"Isso foi se perpetuando na história. Se pararmos pra pensar, até a décadablaze aplicativo60 ainda se buscavam pessoas pela cor. Quando isso caiblaze aplicativodesuso porque pega mal, abandona-se a terminologia cor e passa-se a usar a expressão 'boa aparência', mas o efeito é o mesmo: impedir que um certo grupo tenha acesso ao emprego formal."
Desigualdade
Emblaze aplicativoteseblaze aplicativomestrado na USP, o pesquisador americano David Evan Harris comparou a relação da sociedade com os trabalhadores domésticos no Brasil e nos Estados Unidos. Para ele,blaze aplicativoambos os países os empregados são explorados, apesar das diferenças culturais.
No Brasil, diz Harris, predomina o discurso da proximidade afetiva, na qual a empregada é tratada "praticamente como se fosse alguém da família". Já nos EUA, elas costumam ser terceirizadas e recrutadas via empresasblaze aplicativoserviçosblaze aplicativolimpeza. Essa profissionalização daria o distanciamento necessário para que a "culpa" e o "constrangimento moral" das famílias americanas por causa da desigualdade social fossem mitigados.
"Se formos observar os diferentes países ao redor do mundo e quantos serviçais eles têm, ou quão predominante a ocupação doméstica é, veremos, grosso modo, que o númeroblaze aplicativoempregadas por porcentagem da população corresponde ao nívelblaze aplicativodesigualdade daquele país", afirma Evans.
"Há dois fatores majoritários que são muito importantes para avaliar se um país vai ter uma grande populaçãoblaze aplicativoserviçais. Primeiro, desigualdade e, segundo, acesso a educaçãoblaze aplicativoqualidade pública, para que as pessoas consigam alcançar oportunidades que vão além do trabalho doméstico."
De acordo com a OIT, os Estados Unidos têm 667 mil empregados domésticos, cercablaze aplicativoum décimo do Brasil. Lá, porém, o setor também tem nichosblaze aplicativoinformalidade, e imigrantes não documentados ficamblaze aplicativofora das estatísticas.
Oficialmente, a segunda nação com maior númeroblaze aplicativotrabalhadores domésticos no mundo é a Índia, com 4,2 milhõesblaze aplicativopessoas. A OIT admite, entretanto, que muitos empregados não estão registrados e, considerando-se o tamanho da população, o total verdadeiro poderia chegar a dezenasblaze aplicativomilhões, ultrapassando o Brasil.
As cinco maiores concentraçõesblaze aplicativotrabalhadores domésticos ocorremblaze aplicativonações com marcante contraste social. No ranking da OIT, após o Brasil e a Índia vem a Indonésia (2,4 milhões), seguida pelas Filipinas (1,9 milhão), pelo México (1,8 milhão) e pela África do Sul (1,1 milhão). É importante ressaltar que a China não fornece estatísticas confiáveis sobre o assunto.
Todos esses países que figuram entre os maiores empregadoresblaze aplicativoserviço doméstico são nações com coeficientesblaze aplicativodesigualdade que variam entre médio e alto, segundo o rankingblaze aplicativodesenvolvimento humano organizado pelo Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (UNDP).
A OIT não chega a afirmar que haja uma dinâmicablaze aplicativocausa e consequência, mas reconhece que ambos os aspectos - alta incidênciablaze aplicativotrabalho doméstico e desigualdade social - estãoblaze aplicativoalguma forma relacionados.








