'Obrigaram minha filha a ter um bebê sem crânio': o caso que condenou El Salvador por violência obstétrica:vai de bet história
Essa condição colocouvai de bet históriariscovai de bet históriavida e a do bebê durante a primeira gravidez. Seu filho nasceu prematuro, pesando menosvai de bet história2 quilos.
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Um ano e meio após o nascimento do primeiro filho, Beatriz descobriu que estava grávida novamente. Sentiu medovai de bet históriaenfrentar as mesmas complicações que o lúpus havia causado na primeira gestação.
Os médicos alertaram que o feto apresentava anencefalia: uma malformação congênita que impede o desenvolvimento do crânio e do encéfalo, órgão responsável por controlar as funções do corpo.
Embora as leis salvadorenhas proibissem a interrupção da gravidezvai de bet históriaqualquer circunstância, Beatriz pediu autorização para abortar na 12ª semanavai de bet históriagestação.
A interrupção da gravidez havia sido recomendada por um comitê médicovai de bet história15 especialistas para salvar a vida da jovem, que tinha 22 anos na época. No entanto, o pedido foi negado.
A Justiça salvadorenha autorizou a cesariana na 26ª semana, quando a saúdevai de bet históriaBeatriz estava mais comprometida, mas no marco legal que considerava o procedimento um parto prematuro, e não um aborto. A menina nasceu por cesariana e morreu 5 horas depois.
Dez anos após essa decisão,vai de bet históriamarçovai de bet história2023, a mãe da jovem, Delmy, compareceu à primeira audiência pública da Corte Interamericanavai de bet históriaDireitos Humanos (Corte IDH). Na ocasião, ela concedeu uma entrevista à BBC News Mundo.
Leia o depoimento abaixo.
'Ela queria ter um filho'
A parte mais difícil da primeira gravidezvai de bet históriaBeatriz foi a pré-eclâmpsia. Antesvai de bet históriaentrarvai de bet históriatrabalhovai de bet históriaparto, ela recebeu transfusãovai de bet históriasangue. Quando fui vê-la, estava tremendovai de bet históriafrio. Ela foi internada com exaustão e dificuldade para respirar.
O menino nasceu prematuro, com peso muito baixo. Ainda guardo uma camisetinha dele, do tempovai de bet históriaque estava no hospital. É uma camisetinha bem pequena.
Quando me entregaram o bebê no hospital, ele cabia na palma da minha mão. Não chorava.
Beatriz me disse que, quando o viu, sentiu pena por ele estar conectado a tantos tubos.
Pensávamos que ele não ia sobreviver.
Essa foi a razão pela qual ela não se esterilizou após o primeiro parto: achou que o bebê não viveria. E ela queria ter um filho.
Beatriz nunca conseguiu amamentá-lo. Imagino que fosse devido ao remédio forte que tomava [para tratar o lúpus]. O menino foi criado apenas com fórmula.
81 dias internada
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Um dia, Beatriz acordou com feridas no rosto, como varicela. Formaram-se bolhas que, ao estourar, liberavam pus e sangue. Com o tempo, as lesões se espalharam pelo corpo. Suas mãos e pés ficaram cheiosvai de bet históriaferidas.
Ela não conseguia andar. Eu colocava um paninho para que ela segurasse com a ponta dos dedos e cobrisse o corpo. Era uma dor insuportável.
Beatriz não morava comigo, vivia com o parceiro. Mas, quando o problema apareceu, veio até mim para que eu a acompanhasse às consultas.
Os exames revelaram que ela estava grávida. Foi um golpe muito duro, porque eu sabia que, se engravidasse novamente, passaria por um processo mais difícil que o primeiro, já que seu estado era mais crítico.
Levamos Beatriz ao Hospital Rosales. Eu precisava ir todos os diasvai de bet históriaUsulután a San Salvador, uma viagemvai de bet históriaduas horasvai de bet históriaônibus. Saía às 6h da manhã para chegar às 8h. Às vezes, não me deixavam entrar antes da visita, às 11h ou 12h.
Procurava chegar cedo porque Beatriz não podia comer até que eu chegasse – suas mãos estavam enfaixadas por causa das feridas.
Ela também não podia ir ao banheiro sozinha e dizia: 'Tenho vergonhavai de bet históriapedir ajuda às enfermeiras'.
Além disso, tinha dificuldade para comer: sentia dor na garganta e achava a comida do hospital horrível.
E foi assim todos os dias.
Eu trabalhavavai de bet históriauma fábricavai de bet históriaqueijos, e as colegas me cobriam para que eu pudesse estar nesse processo. Beatriz e eu ficávamos juntas durante o horáriovai de bet históriavisita. Quando diziam: "Vamos, vamos, toda a visita para fora", eu me escondia e depois voltava, dizendo para Beatriz: "Estou aqui, ainda não fui embora".
Durante o tempovai de bet históriaque esteve internada no Hospital Rosales, Beatriz choravavai de bet históriador.
Quando a transferiram para o Hospitalvai de bet históriaMaternidade, onde aconteceu todo o processo [da cesariana da segunda gravidez], ela me dizia: "Quando vão fazer o que dizem que vão fazer? Eu não quero mais estar aqui".
Ela ficou 81 dias hospitalizada.
Eles a colocaramvai de bet históriaum quarto pequeno,vai de bet históriafrente à sala das enfermeiras, tão apertado que mal cabia avai de bet históriacama. Ela se sentia enclausurada e não podia ver seu primeiro filho.
Como o companheiro dela cuidava da criança, ele raramente podia estar com Beatriz. Mas, depois que ela saiu do hospital, voltou a morar com ele, e eles continuaram juntos.
Ela tinha um celular e acompanhava o que diziam sobre ela. Era discriminada. Comentavam coisas terríveis, como: "Para que abriu as pernas se estava doente?" Comentários repugnantes.
Um dia, cheguei ao Hospitalvai de bet históriaMaternidade para visitá-la, e ela me disse: "Olha o que trouxeram para mim". Era uma cesta [berço] com um cobertor. Perguntei: "E essas pessoas? O que querem?".
Eram as que se opõem [ao aborto], aquelas que dizem sim à vida. Eles não sabem o dano que causaram a Beatriz.
À noite, ela me ligava e dizia: "Estou desesperada. Quero que acabem logo com isso". Ela entravavai de bet históriacrise, sentia que estava morrendo.
Leilani, a 'menina do céu'
Para mim, foi muito difícil aceitar que o feto não completariavai de bet históriagestação.
Eu estava com Beatriz no hospital quando vieram dizer que iriam fazer a cesariana. Obrigaram minha filha a ter um bebê sem crânio, que morreu cinco horas após o nascimento.
Fiquei esperando lá fora; o procedimento durou cercavai de bet históriaduas ou três horas.
Na audiência [da Corte IDH], disseram que Beatriz viu o bebê. Mas ela não viu. Quem viu fui eu.
Assim que retiraram a bebê, o médico perguntou: "Quer vê-la? Mas não tire fotos, só olhe".
Fui até lá. Fiquei olhando, tentando ver se ela conseguia mexer os olhinhos, mas não.
Só a vi por alguns segundos.
Depois, contei a uma enfermeira o que tinha visto, e ela disse: 'Essas crianças nascem assim, sem possibilidadevai de bet históriafazer nada, porque não têm cérebro'.
Ela tinha isso aqui [Delmy aponta o rosto], mas atrás [toca a partevai de bet históriatrás da cabeça], não tinha nada.
Beatriz queria dar um nome e começou a buscar na internet até encontrar Leilani, que [em havaiano] significa 'menina do céu'.
Colocamos Leilani Beatriz.
Depois disso, Beatriz se isolou. Tornou-se mais irritada, quase não sorria.
Tentávamos encontrar formasvai de bet históriafazê-la se sentir melhor. Os irmãos até cantavam para ela, porque gostavamvai de bet históriacantar. 'Cala a boca, meninos. Não quero ouvir barulho', ela ordenava.
Ficou um vazio nela, mas, ao mesmo tempo, foi um alívio, porque finalmente podia estar com o outro filho, por quem queria viver para cuidar.
'Vocês não sabem'
Com tudo o que aconteceu, adoeci. Comecei a ter hipertensão até explodir. Não queria comer, e meu companheiro dizia: 'Coma, senão você vai adoecer ainda mais'.
Minhas colegasvai de bet históriatrabalho me apoiavam. Assimilei tudo com a ajudavai de bet históriaoutras pessoas.
Outras faziam comentários, vizinhos ou gente que gostavai de bet históriatirar conclusões.
Até hoje, perguntam: 'Você é a favor do aborto?' E eu respondo: 'Vocês não sabem'.
Eles dizem que é pecado, que a mulher não deve fazer isso. Então coloco o caso: 'E se Beatriz fossevai de bet históriafilha ouvai de bet históriairmã?'. Aí eles se calam e não dizem mais nada.
A parte mais difícil para mim foi não darem uma resposta a Beatriz, terem negado o direito que ela estava exigindo.
Com todo esse processo, aprendi que é preciso lutar para que o caso dela não se repita.
Meu neto tinha cinco anos quando Beatriz morreu. Quando ela estava no caixão, ele a tocava e dizia: 'Linda, levante'. Ele achava que ela estava dormindo.
Quando vamos ao cemitério, ele acena para o túmulo. Isso é muito difícil para nós.
Ele me chamavai de bet históriamãe, chama uma tiavai de bet históriamãe, e também chama a companheira do paivai de bet históriamãe. Talvez ele quisesse chamar todasvai de bet históriamãe porque sentiu falta do carinho da mãe dele.
Hoje, ele tem 11 anos, mas ainda não fala bem. Não pronuncia as palavras corretamente. Está estudando no quarto ano.
Ele é carinhoso às vezes, mas,vai de bet históriaoutras, fica irritado.
Quero que meu neto cresça como um homem saudável e forte, que se torne um profissional. E, quando adulto, quero explicar tudo o que Beatriz passou.
Também penso na minha neta. Deus sabe como conduz as coisas. Se Ele decidiu que ela não nascesse, deve ser porque é um anjo que agora está com Beatriz.
* Enviada especial a San José, Costa Rica,vai de bet históriamarçovai de bet história2023.