Bem-formada, nova geração chega mal-educada às empresas, diz filósofo:bet ronaldinho

"No dia a dia, eles se colocam como alguém que vai ter um grande legado, mas ficam imaginando o legado como algo imediato."

Essa visão "idílica", afirma, transforma escritórios e salasbet ronaldinhoaulabet ronaldinhopalcosbet ronaldinhoconfronto entre gerações.

"Parte da nova geração chega nas empresas mal-educada. Ela não chega mal-escolarizada, chega mal-educada. Não tem noçãobet ronaldinhohierarquia,bet ronaldinhometas e prazos e acha que você é o pai dela."

Leia os principais trechos da entrevista abaixo:

bet ronaldinho BBC Brasil - O que desencadeou a volta da busca pelo propósito?

bet ronaldinho Mario Sergio Cortella - A primeira coisa que desencadeou foi um tsunami tecnológico, que nos colocou tantas variáveisbet ronaldinhoconvivência que a gente fica atordoado.

A lógica para minha geração foi mais fácil. Qual era a lógica? Crescer, estudar. Era escola, e dependendo da tua condição, faculdade. Não era comunicaçãobet ronaldinhoartes do corpo. Era direito, engenharia, tinha uma restrição.

Essa overdosebet ronaldinhovariáveis gerou dificuldadebet ronaldinhofazer escolhas. Isso produz angústiabet ronaldinhorelação a esse polo do propósito. Por que faço o que estou fazendo? Faço por que me mandam ou por que desejo fazer? Tem uma sériebet ronaldinhoquestões que não existiam num mundo menos complexo.

Não foi à toa que a filosofia veio com força nos últimos vinte anos. Ela voltou porque grandes questões do tipo "para onde eu vou?", "quem sou eu?", vieram à tona.

bet ronaldinho BBC Brasil - Podemos dizer que nesse contexto vai ser cada vez menor o númerobet ronaldinhopessoas que não tem esses questionamentos?

bet ronaldinho Mario Sergio Cortella - Cada vez menor será o númerobet ronaldinhopessoas que não se incomoda com isso. O próprio mundo digital traz o tempo todo, nas redes sociais, a pergunta: "por que faço o que faço?", "por que tomo essa posição?". E aquilo que os blogs e os youtubers estão fazendo é uma provocação: seja inteiro, autêntico. É a expressão "seja você mesmo", evite a vidabet ronaldinhogado.

bet ronaldinho BBC Brasil - No seu livro, você fala da importância do reconhecimento no trabalho. Qual é ela?

bet ronaldinho Mario Sergio Cortella - O sentir-se reconhecido é sentir-se gostado. Esse reconhecimento é decisivo. A gente não pode imaginar que as pessoas se satisfaçam com a ideiabet ronaldinhoum sucesso avaliado pela conquista material. O reconhecimento faz com que você perca o anonimatobet ronaldinhomeio à vidabet ronaldinhomultidão.

No fundo, cada umbet ronaldinhonós não deseja ser exclusivo, único, mas não quer ser apenas um. Eu sou um que importa. E sou assim porque é importante fazer o que faço e as pessoas gostam.

bet ronaldinho BBC Brasil - Pelo que vemos nas redes sociais, os jovens estão trazendo essa discussãobet ronaldinhoforma mais intensa. Você percebeu isso?

bet ronaldinho Mario Sergio Cortella - Há algum tempo tenho tido leitores cada vez mais jovens. Como me tornei meio pop, é comum estar andando num shopping e um grupobet ronaldinhoadolescentes pedir para tirar foto.

Uma parcela dessa nova geração tem uma perturbação muito forte,bet ronaldinhorelação a não seguir uma rota. E não é uma recuperação do movimento hippie, que era a recusa à massificação e à destruição, ao mundo industrial.

Hoje é (a busca por) uma vida que não seja banal,bet ronaldinhoque eu faça sentido. É o que muitos falambet ronaldinho'deixar a minha marca na trajetória'. Isso é pré-renascentista. Aquela ideia do herói,bet ronaldinhovocê deixar abet ronaldinhomarca, que antes, na idade média, era pelo combate.

O destaque agora é fazer bem a si e aos outros. Não é uma lógica franciscana, o "vamos sofrer sem reclamar". É o contrário. Não sofrer, se não for necessário.

Uma das coisas que coloco no livro é que não há possibilidadebet ronaldinhose conseguir algumas coisas sem esforço. Mas uma das frases que mais ouço dos jovens, e que para mim é muito estranha, é: quero fazer o que eu gosto.

bet ronaldinho BBC Brasil - Esse é um pensamento comum entre os jovens quando se falabet ronaldinhocarreira.

bet ronaldinho Mario Sergio Cortella - Muito comum, mas está equivocado. Para fazer o que se gosta é necessário fazer várias coisas das quais não se gosta. Faz parte do processo.

Adoro dar aulas, sou professor há 42 anos, mas detesto corrigir provas. Não posso terceirizar a correção, porque a prova me mostra como estou ensinando.

Não é nem a retomada do 'no pain, no gain' ('sem dor, não há ganho'). Mas é a lógicabet ronaldinhoque não dá para ter essa visão hedonista, idílica, do puro prazer. Isso é ilusório e gera sofrimento.

bet ronaldinho BBC Brasil - O sofrimento seria o choque da visão idílica com o que o mundo oferece?

bet ronaldinho Mario Sergio Cortella - A perturbação vembet ronaldinhoum sonho que se distancia no cotidiano. No dia a dia, a pessoa se coloca como alguém que vai ter um grande legado, mas fica imaginando o legado como algo imediato.

Gostobet ronaldinholembrar uma história com o Arthur Moreira Lima, o grande pianista. Ao terminar uma apresentação, um jovem chegou a ele e disse 'adorei o concerto, daria a vida para tocar piano como você'. Ele respondeu: 'eu dei'.

Há uma rarefação da ideiabet ronaldinhoesforço na nova geração. E falo no geral, não só da classe média. Tivemos uma facilitação da vida no país nos últimos 50 anos - nos tornamos muito mais ricos. Isso gerou nas crianças e jovens uma percepção imediatizada da satisfação das necessidades. Nas classes B e C têm meninobet ronaldinho20 anos que nunca lavou uma louça.

bet ronaldinho BBC Brasil - Quais as consequências dessa visão idealizada?

bet ronaldinho Mario Sergio Cortella - Uma parte da nova geração perde uma visão histórica desse processo. É tudo 'já, ao mesmo tempo'. De nada adianta, numa segunda-feira, castigar uma criançabet ronaldinhocinco anos dizendo: sábado você não vai ao cinema. A noçãobet ronaldinhotempo exige maturidade.

Vejo na convivência que essa geração tem uma visão mais imediatista. Vou mochilar e daí chego, me hospedo, consigo, e uma parte disso é possível pelo modo que a tecnologia favorece, mas não se sustenta por muito tempo.

Quando alguns colocam para si um objetivo que está muito abstrato, sofrem muito. Eu faço uma distinção sempre entre sonho e delírio. O sonho é um desejo factível. O delírio é um desejo que não tem factibilidade.

bet ronaldinho BBC Brasil - Muitos deliram nas suas aspirações?

bet ronaldinho Mario Sergio Cortella - Uma parte das pessoas delira. Ela delira imaginando o que pode ser sem construir os passos para que isso seja possível. Por que no campo do empreendedorismo existe um nívelbet ronaldinhofracasso muito forte? Porque se colocou mais o delírio do que a ideiabet ronaldinhoum sonho.

O sonho é aquilo que você constrói como um lugar onde quer chegar e que exige etapas para chegar até lá, ferramentas, condições estruturais. O delírio enfeitiça.

bet ronaldinho BBC Brasil - Qual é o papel dos pais para que a busca pelo propósito dos jovens seja mais realista?

bet ronaldinho Mario Sergio Cortella - Alguns pais e mães usam uma expressão que é "quero poupar meus filhos daquilo que eu passei". Sempre fico pensando: mas o que você passou? Você teve que lavar louça? Ou está falandobet ronaldinhocortar lenha? Você está poupando ou está enfraquecendo? Há uma diferença. Quando você poupa alguém ébet ronaldinhoalgo que não é necessário que ele faça.

Tem coisas que não são obrigatórias, mas são necessárias. Parte das crianças hoje considera a tarefa escolar uma ofensa, porque é um trabalho a ser feito. Ela se sente agredida que você passe uma tarefa.

Parte das famílias quer poupar e,bet ronaldinhovezbet ronaldinhopoupar, enfraquece. Estamos formando uma geração um pouco mais fraca, que pega menos no serviço. Não estou usando a rabugice dos idosos, 'ah, porque no meu tempo'. Não é isso, é o meu temorbet ronaldinhouma geração que, ao ser colocada nessa condição, está sendo fragilizada.

bet ronaldinho BBC Brasil - Sempre lemos e ouvimos relatosbet ronaldinhoconflitos entre chefes e subordinados, alunos e professores. Como se explicam esses choques?

bet ronaldinho Mario Sergio Cortella - Criou-se um fosso pelo seguinte: crianças e jovens são criados por adultos, que são seus pais e mantêm com eles uma relação estranhabet ronaldinhosubordinação. A geração anterior sempre teve que cuidar da geração subsequente e essa vivia sob suas ordens.

A atual geraçãobet ronaldinhopais e mães que têm filhos na faixa dos dez, doze anos, é extremamente subordinada. Como há por parte dos pais uma ausência grandebet ronaldinhoconvivência, no tempobet ronaldinhoconvivência eles querem agradar. É a inversão da lógica. Eu queria ir bem na escola para os meus pais gostarem, não era só uma obrigação.

Essa lógica faz com que, quando o jovem vai conviver com um adulto que sobre ele terá uma tarefabet ronaldinhosubordinação, na escola ou trabalho, haja um choque. Parte da nova geração chega nas empresas mal-educada. Ela não chega mal-escolarizada, chega mal-educada.

Não tem noçãobet ronaldinhohierarquia,bet ronaldinhometas e prazos e acha que você é o pai dela. Obviamente que ela também chega com uma condição magnífica, que é percepção digital, um preparo maiorbet ronaldinhorelação à tecnologia.