Como a Lava Jato extrapolou os tribunais e virou série da Netflix, filme e até funk:thorcasino

  • André Shalders - @shaldim
  • Da BBC BrasilthorcasinoSão Paulo
Selton Mellothorcasinoimagem da série O Mecanismo, da Netflix

Crédito, Pedro Saad/Netflix/Divulgação

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O ator Selton Mello interpreta um investigador na série 'O Mecanismo', da Netflix

thorcasino Sobre a mesa, uma calculadora financeira e várias cédulas. Um homem vestindo terno e um grande relógio dourado assina papéisthorcasinomeio às notasthorcasinodinheiro.

A cena acima poderia fazer parte da série O Mecanismo, produção dirigida pelo cineasta José Padilha e inspirada na operação Lava Jato que estreou na última sexta-feira no serviçothorcasinostreaming Netflix já causando polêmica – houve quem demonstrasse irritação, principalmente entre a esquerda, por ver a famosa frase sobre "estancar a sangria", dita na vida real pelo senador Romero Jucá (MDB-RR), na boca do personagem que representa ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

Mas não é: o homemthorcasinorolex no vídeo é MC Pesadelo, e as imagens fazem parte do clipe oficial do funk Lava Jato, lançadothorcasinojulho. No YouTube, o clipe já foi visto maisthorcasino115 mil vezes. As produções do funkeiro e do cineasta deixam claro: ao completar quatro anos, a Lava Jato é,thorcasinolonge, a mais famosa investigaçãothorcasinocorrupção do país até hoje.

Além das telas, o interesse pelo caso também movimenta o mercado editorial. Na última semana, um leitor brasileiro que procurasse pelo termo "Lava Jato" na alathorcasinolivros da loja online Amazon encontrariathorcasinotornothorcasino40 volumes sobre a investigaçãothorcasinocorrupção cujo principal expoente é o juiz federal Sergio Moro,thorcasinoCuritiba.

O acervo é ainda maior se a busca incluir termos como "Petrobras" e "Odebrecht". Uma bibliografia que inclui desde livros técnicosthorcasinoDireito até obrasthorcasinoficção: nesta última categoria está o livro ContosthorcasinoNatascha, descrita como uma compilaçãothorcasino"contos eróticosthorcasinouma advogada criminalistathorcasinoSão Paulo".

Sérgio Moro sendo abordado por jornalistas após evento

Crédito, PedrothorcasinoOliveira/Assembleia Leg. do Paraná

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O juiz Sérgio Moro (centro) se tornou a face pública da Lava Jato

As duas principais obras cinematográficas sobre a Lava Jato também são descritas pelos autores como obrasthorcasinoficção – os autoresthorcasinoO Mecanismo dizem que a série é "livremente inspirada" na investigação real, talvez já antevendo críticas como a citada cima.

O mesmo se passa com o filme Polícia Federal – A Lei é Para Todos, que estreouthorcasinoagosto passado. A película é baseadathorcasinofatos reais – o roteiro foi adaptado a partirthorcasinoum romancethorcasinomesmo nome, redigido por uma escritora e um jornalista a partirthorcasinoentrevistas com policiais federais e procuradores.

Mas como é o caminho entre as investigações e julgamentos – às vezes cheiasthorcasinotermos técnicos – e as telas do cinema e da TV, as páginas dos livros e o imaginário do público?

Do sigilo à 'boca do povo'

Para o pesquisador Juremir Machado da Silva, a popularidade sem precedentes da Lava Jato é explicada pela interaçãothorcasinomudanças na legislação (como a Lei das Organizações Criminosas,thorcasino2013, que facilitou os acordosthorcasinodelação premiada), avanços na tecnologiathorcasinoinformação e comunicação e a atuaçãothorcasinoindivíduos com uma imagem forte, como Moro.

"Todos os aspectos técnicos, todos os andamentos das investigações são explicados e 'mastigados' cotidianamente na mídia escrita e eletrônica e nas redes sociais", diz Machado, que é professor do programathorcasinopós-graduaçãothorcasinoComunicação da PUC-RS e doutorthorcasinoSociologia pela UniversidadethorcasinoParis 5.

O procurador Deltan Dallagnol

Crédito, PedrothorcasinoOliveira/Assembleia Leg. do Paraná

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O procurador Deltan Dallagnol é um dos 'porta-vozes' do MPF na Lava Jato

Pós-doutorandathorcasinoComunicação na Faculdade Cásper Líbero, Deysi Cioccari afirma que, além disso, a operação reúne todos os elementos necessários para a cobertura midiática.

"É o nosso próprio seriado 'da vida real' passando todas as noites no telejornal. Nós temos, primeiramente, as transgressõesthorcasinovalores, com os casosthorcasinocorrupção no centro político brasileiro; os bandidos, os heróis, os investigadores", diz ela.

"Além disso, costuma-se dizer que 'as pessoas estão cansadasthorcasinopolarização'. Mas não é verdade. A política no Brasil ganhou um caráter 'agonístico',thorcasino'luta do bem contra o mal', ou do 'nós contra eles'. Isso desperta a emoção das pessoas, cria engajamento", acrescenta Juremir Machado.

Funkeiro MC Pesadelo no clipe da música 'Lava Jato'

Crédito, Reprodução/YouTube

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MC Pesadelo interpreta um político corrupto no clipethorcasino'Lava Jato'

"O espetáculo só permanece porque a mídia se ocupa dele e fornece aos espectadores sempre uma nova denúncia, alegações, contra-alegações que mantêm a audiência atenta. Há um jornalismo interessadothorcasinorevelar os segredos do campo político, e mais, um jornalismo que traz elementosthorcasinobastidores (...). A política e o star system (a indústria da comunicação e do entretenimento) se entrosam cada vez mais. Não é mais possível pensar a política sem a mídia", diz Cioccari.

Vazamentos?

Integrantes da Força-Tarefa do Ministério Público Federal no Paraná e o próprio juiz Sergio Moro já disseramthorcasinopúblico que manter a sociedade mobilizada e acompanhando as investigações é fundamental para o futuro da Lava Jato, mas negam ter vazado informações sigilosas para prejudicar a imagem dos investigados.

Há, porém, quem discorde.

O advogado Antônio CarlosthorcasinoAlmeida Castro, o Kakay

Crédito, STF

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Para o advogado Kakay, a Lava Jato tenta 'queimar' a imagem dos investigados

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"A estratégiathorcasinousar a grande mídia,thorcasinovazar (informações),thorcasinoposar como 'salvadores da pátria', tira muito da seriedade do trabalho tão necessário que os operadores da Lava Jato fazem", diz o advogado criminalista Antônio CarlosthorcasinoAlmeida Castro, o Kakay, que tem alvos da operação entre seus clientes.

"Infelizmente, parte do Ministério Público e parte do Judiciário está usando a mídiathorcasinomaneira indevida. Quando os procuradores vão apresentar uma operação, destas operações espetaculares que eles fazem, eles chamam a imprensa e durante duas horas ficam expondo as minúcias do caso,thorcasinoinvestigações que às vezes estão apenas começando. Eles fazem isso para jogar aquele cidadão que está sendo investigado contra a opinião pública", diz Kakay.

"Nunca houve nenhuma orientação neste sentido (de usar a mídia para prejudicar a imagem pública dos investigados). Nunca vi da parte deles (MPF) nenhum indício disso", contesta o procurador da República Douglas Fischer, que integrou a força-tarefa da Lava Jato no Supremo Tribunal Federalthorcasino2015 a 2017.

"Nós (do MPF) nunca vazamos nenhuma informação para ninguém. E por que? Porque prejudica a investigação", diz Fischer.

Em entrevista recente à BBC Brasil, o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também negou que o MPF tivesse responsabilidade por qualquer vazamento.

A máquinathorcasinomídia da Lava Jato

Há quatro anos, a jornalista Christianne Machiavelli participa do mesmo ritual sempre que há uma nova fase da operação Lava Jato.

A primeira nota aos jornalistas é da Polícia Federal, com informações preliminares sobre a operação. Depois, policiais e integrantes do MPF podem (ou não) conceder uma entrevista, explicando o contexto e dando mais detalhes. "E aí, depois que todos os mandados foram cumpridos, eu mando para os jornalistas as informações do processo eletrônico, e o despacho do doutor Sergio", diz ela.

O juiz federal Sergio Moro

Crédito, PedrothorcasinoOliveira/Assembleia Leg. do Paraná

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Os processos da Lava Jato sob o comandothorcasinoSergio Moro tramitamthorcasinoforma eletrônica

"Doutor Sergio" é o juiz federal Sergio Moro, da 13ª Vara da Justiça FederalthorcasinoCuritiba. Machiavelli é a responsável – com outras quatro pessoas – pela comunicação da Justiça Federal no Paraná.

Parte do sucessothorcasinopúblico da Lava Jato, especialmente nos primeiros anos da investigação, se deve ao "processo eletrônico" mencionado por Machiavelli. A metodologia deu tão certo que está sendo copiada por outros Estados do país.

Reproduçãothorcasinotela do E-Proc / JFPR

Crédito, Reprodução/Justiça Federal da 4ª Região

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Uma tela do sistema eletrônico da Justiça Federal do Paraná, chamadothorcasinoE-Proc

Na Justiça Federal da 4ª Região, todos os processos tramitamthorcasinoforma eletrônica: qualquer pessoa com a numeração dos processos pode acessar as açõesthorcasinotempo real, e baixar os documentos relacionados ao caso. Machiavelli mantém um arquivo atualizado com todos os números dos processos públicos, que é distribuído aos jornalistas.

No último Congresso da Associação BrasileirathorcasinoJornalismo Investigativo (Abraji),thorcasinojulho, a assessorathorcasinoMoro ministrou uma oficina para ensinar jornalistas novatos a navegar o processo eletrônico.