Cuscuz paulista: por que prato 'odiado' na internet é importante na história da culinária brasileira:jogar slots gratis

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Cuscuz paulista foi eleito a 'pior comida do Brasil' pelo TasteAtlas
"Eu aprendi a cozinhar com ela ali, quando ela chegava do trabalho. Então, a forma como eu preparo minha comida, meu cuscuz, hoje é do jeitinho que ela fazia", diz a chef que já divulgoujogar slots gratisreceitajogar slots gratisprogramas na TV.
Por isso, Aline Guedes, que pesquisa a história da culinária brasileira,jogar slots gratisespecial a herança africana, tem dificuldadejogar slots gratisentender a repulsa que o cuscuz paulista recebe hoje nas redes.
Basta buscar pelo nome do prato para confirmar essa percepção. Alguns dos principais resultados não são receitas ― como acontece com outras comidas ― ou dicasjogar slots gratisrestaurantes que preparam o prato. No lugar, vem comparações com restosjogar slots gratiscomida no ralojogar slots gratispia ou com outras referências ainda menos nobres.
Para coroar essa má fama, no finaljogar slots gratis2023 o guiajogar slots gratisgastronomia norte-americano TasteAtlas classificou o prato como o "pior do Brasil". O levantamento se baseia nas classificações do público da plataforma.

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A chef e professora Aline Guedes estuda a história da culináriajogar slots gratisquilombos no Brasil
E, por mais que achar um prato saboroso dependa exclusivamente do gostojogar slots gratiscada um, pesquisadores que estudam a história por trásjogar slots gratisalimentos defendem um novo olhar sobre esse prato, considerado patrimônio do Estadojogar slots gratisSão Paulo.
"É um prato emblemático dos encontros familiares, cheiojogar slots gratismemória afetiva", diz Katherina Cordás, diretora do Centrojogar slots gratisPesquisa e Criatividade do Tuju, braço científico do premiado restaurante paulistano. "E ele tem influênciajogar slots gratisdiversas culturas alimentares e expressa muito bem toda a nossa multiculturalidade".
‘Tríade da culinária brasileira’

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O cuscuz aparece primeiro na culinária na região do Magrebe, no Norte da África: soltinho e acompanhadojogar slots gratisensopados, legumes e carnes
O cuscuz chegou ao Brasil "carregado na bagagem" nos primeiros séculosjogar slots gratiscolonização, explica Cordás.
Tanto o nordestino quanto o paulista remetem ao couscous comido no Norte da África, região que engloba países como Marrocos e Tunísia.
Por lá, a receita tradicionalmente era (e ainda é) com sêmolajogar slots gratistrigo, mas também podia ser preparadajogar slots gratisarroz ou cevada.
A presença dos mouros (povos islâmicosjogar slots gratislíngua árabe oriundos do Norte da África) na Península Ibérica até o século 15 e a presençajogar slots gratisportuguesesjogar slots gratisregiões africanas como Ceuta, perto do território marroquino, fez o prato cair na graçajogar slots gratisPortugal.
Segundo a pesquisajogar slots gratisCordás, o primeiro registro escrito sobre cuscuz foi no século 13, no Livrojogar slots gratisCulinária do Magrebe e Andaluzia na era dos almóadas,jogar slots gratisautor desconhecido. A palavra teria origem no som do vapor na cuscuzeira durante o cozimento: kus-kus.
Mas a chegada do prato ao Brasil não pode ser creditada apenas à influência dos mourosjogar slots gratisPortugal, já que a cultura alimentar do cuscuz se espalhou antes por outras regiões africanas ― inclusive por lugaresjogar slots gratisonde pessoas escravizadas foram traficadasjogar slots gratisdireção às Américas.
No livro História da Alimentação no Brasil, o historiador e sociólogo potiguar Luís da Câmara Cascudo escreveu: "Certo é que portugueses e africanos vieram para o Brasil conhecendo o cuscuz. Aqui é que ele se fezjogar slots gratismilho e molhou-se no leitejogar slots gratiscoco".
A substituição do trigo pelo milho é bem documentado, uma incorporaçãojogar slots gratisum alimento já consumido pelos povos originários das Américas. "O cuscuzjogar slots gratismilho foi solução brasileira, americana, onde o Zea mayz (milho) dominava", escreveu Câmara Cascudo. A farinhajogar slots gratismandioca também passou a ser incorporada às receitas
Para Aline Guedes, enxergar essa complexidade na formação do cuscuz mostra um entendimento da culinária brasileirajogar slots gratisforma multicultural, e não sob uma ótica eurocêntrica. "Ele é um caldeirão dessa tríade que teoricamente forma a cultura alimentar brasileira", diz, referindo-se aos povos europeus, africanos e indígenas.
Katherina Cordás considera o cuscuz paulista como um símbolo "de um prato que traz muitas transformações" najogar slots gratishistória, um exemplo da culináriajogar slots gratisum lugar que, como São Paulo, historicamente atrai imigrantes.

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Katherina Cordás está à frente da áreajogar slots gratispesquisa do conceituado restaurante Tuju,jogar slots gratisSão Paulo
Nordestino x paulista
Muito da ondajogar slots gratiscríticas que o cuscuz paulista recebe nas redes vem da comparação direta com o cuscuz nordestino.
Um usuário do X (antigo Twitter) escreve que a versão "paulista estragou o cuscuz", uma "nojeira". Outros fazem críticas ao Estadojogar slots gratisSão Paulojogar slots gratisuma forma geral e usam memes.
A socióloga Marina Macedo Rego, que pesquisa na Universidadejogar slots gratisSão Paulo (USP) o preconceito contra nordestinos, reflete que "grupos sociais estigmatizados resistem às discriminações e preconceitos dos quais são alvojogar slots gratismaneiras diversas, inclusive com o humor".
Ela enxerga a ascensão nas redesjogar slots gratisum discurso que tenta subverter o estigma que o Nordeste tem no Centro-Sul do Brasil,jogar slots gratisuma região inferior, e isso acaba levando a certas rivalidades. "Esse fenômeno, no entanto, não deve ser encarado como uma espéciejogar slots gratispreconceito, pois é uma resposta a uma discriminação histórica", diz à BBC News Brasil.

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Cuscuz nordestino é feito no vapor e acompanha ovos mexidos, queijos ou carnes
Mas a verdade é que as duas versões do prato têm trajetórias bem distintas na culinária brasileira que devem ser respeitadas, dizem os pesquisadores.
No Nordeste do Brasil, o cuscuz se manteve mais fiel ao "original" africano. Ou seja, mais como um acompanhamentojogar slots gratisoutros pratos e soltinho.
A antropóloga pernambucana Fátima Quintas explicajogar slots gratisseu livro Segredos da Velha Arca que o cuscuz, durantejogar slots gratischegada na época do Brasil Colônia, era comercializado por mulheres negras que "usavam tabuleirosjogar slots gratisflandres que ficavam sobre uma armaçãojogar slots gratisformajogar slots gratisX, que continham, além dele, produtos como alfenim, arroz-doce, alféloa, geleias e entre outros". Há registros da vendajogar slots gratiscidades como Salvador, Maceió e Recife.
Jájogar slots gratisSão Paulo, ele ganhou novas roupagens. Primeiro, com a "misturajogar slots gratiscarnes, crustáceos e legumes, o que, no Brasil, não era o habitual", como registrou Câmara Cascudo.
No Estado dos bandeirantes, que abriram caminhosjogar slots gratisdireção ao interior do Brasil, o cuscuz ganha aresjogar slots gratisuma refeição itinerante, compostojogar slots gratisuma misturajogar slots gratisfarinhajogar slots gratisporco,jogar slots gratismilho, com peixe (especialmente bagre), cebola, pimenta….
"Ele vai ganhando os elementos da costa, como os peixes, frutos do mar, e também da roça, como o porco", explica Katherina Cordás, do Tuju.
A história mais contada é ajogar slots gratisque os bandeirantes levavam inicialmente essa farinha misturada com outros alimentos numa espéciejogar slots gratismarmita, amarrada aos cavalos.
"Mais tarde essa massa evoluiu para um prato feitojogar slots gratisformajogar slots gratisbolo furada, acrescidajogar slots gratisovos, sardinha, tomate e palmito, transformando-se numa receita emblemática", registraram as antropólogas Dolores Freixa e Guta Chaves no livro Gastronomia no Brasil e no Mundo.

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Prato feio?
Para Aline Guedes, conhecer toda a história por trás do prato pode despertar interesse naquelas pessoas que hoje têm repulsa a ele. "Quando a gente entende a cultura, o saber que é passado entre gerações, eu acho que a gente enxerga o alimentojogar slots gratisoutra forma", diz a chef, que comeu uma versãojogar slots gratiscuscuz paulista até num quilombo no Pará, com palmito pupunha e tucupi.
Única menina negra quando cursou gastronomia no interiorjogar slots gratisSão Paulo, Guedes atentou justamente para a faltajogar slots gratisreferências no Brasiljogar slots gratisuma culinária ancestral e popular: "os livrosjogar slots gratisreceitas que a gente acessa, ou que minha mãe usava na casa da patroa, eramjogar slots gratisreceitasjogar slots gratisfamílias alemãs, portuguesas, italianas. E não se falava nas receitas brasileiras, como o Brasil transformou comidas como o cuscuz".
O interessejogar slots gratisprovar o prato também pode vir se deixarmosjogar slots gratislado uma discussão sobre a estética, segundo Katherina Cordás - já que o cuscuz paulista costuma ser classificado como "feio" nas redes.
"Acho que isso é um problema na gastronomia contemporânea, muitos cozinheiros pensam mais como o prato vai ficar no final do quejogar slots gratisfato se ele é gostoso", opina Cordás.
"Um prato não precisa ser lindo para ser bom. Eu, particularmente acho o cuscuz paulista superbonito, porque eu acho muito interessante conseguir enxergar todos os elementos que há no prato. Mas é um problema você querer sempre que a comida seja bonita. O que importa é o sabor, se você coloca na boca e é agradável".