A geração que pode viver menos que os pais porque não sabe comer - e como reverter a tendência:betly
Hoje, com apenas seis quilos, a menina ainda é pequenina parabetlyidade - nessa mesma faixa etária, a maior parte das meninas pesa pelo menos 10,5 quilos,betlyacordo com a tabelabetlyreferência da Organização Mundial da Saúde. Mas agora Karina tem energia. Ela experimenta o brócolis e passeia pela sala, oferecendo-o aos amigos.
"Ela evoluiu muitobetlydesenvolvimento. Até aparecebetlyvezbetlyquando com aqueles arranhõesbetlyquem cai enquanto brinca", conta Ravagnolli.
A "aula"betlybrócolis é uma das estratégias do Cren para educar o paladar dos cercabetly80 bebês, crianças e adolescentes atendidos no local, que é conveniado à PrefeiturabetlySão Paulo. Trata-se da oficina semanalbetlytexturas e sabores,betlyque os menorzinhos podem cheirar, tatear e provar alimentos in natura que não costumavam estar no seu cardápio.

A ideia é justamente reduzir a resistência deles a comidas que, embora nutritivas, podem causar estranheza ao paladar.
Pelos corredores do Cren passeiam desde crianças muito franzinas, como Karina, até outras que estão claramente acima do peso, como Beatriz, que aos quatro anos já sofre com bullying na escola por conta da obesidade. Tanto Karina quanto Beatriz estão, segundo parâmetros médicos, desnutridas.
É o desafio do Brasil do século 21: a desnutrição é um mal causado tanto pela faltabetlycomida na mesa quanto pela má alimentação,betlyuma épocabetlyque crianças estão desde cedo expostas a salgadinhos, produtos lácteos artificiais e açucarados, bolachas recheadas e outras guloseimas ultraprocessadas que são usadas como substitutasbetlyalimentos - mas que não suprem necessidades nutricionais.
"É o que chamamosbetlyfuracão da desnutrição: um problema com muitas causas", explica Ravagnolli.
"Temos desde famílias desestruturadas, que não dão contabetlycuidar das crianças como elas precisam ou não têm dinheiro para alimentos saudáveis, até famílias bem organizadas, mas sem informações, ou que moram ao ladobetlyum mercadinho onde se vendem várias 'besteiras', mas precisam pegar um ônibus para chegar à feira para comprar verduras."
O resultado é que o Cren chega a atender casosbetlyque as crianças sofrem, ao mesmo tempo,betlyanemia (carênciabetlynutrientes essenciais como ferro e zinco) ebetlycolesterol alto (causado, muitas vezes, pela ingestão excessivabetlyalimentos gordurosos).

Vulnerabilidade
Dadosbetly2016 do Ministério da Saúde indicam que 7% da população brasileira está desnutrida e 20% sofrebetlyobesidade.
O esforçobetlydécadas contra a desnutrição infantil fez com que o Brasil fosse elogiado pela Organização das Nações Unidas (ONU)betly2010, quando foram apresentados dados compilados do período entre 1989 e 2006 (e que serão atualizadosbetlypesquisa a ser publicada no ano que vem). Nesse período, caiubetly7,1% para 1,8% o percentualbetlycriançasbetlyaté 5 anos com baixo peso para idade; e com baixa altura,betly19,6% para 6,8%.
É nessa idade, porém, que, se necessárias, as intervenções são cruciais.
A desnutrição na infância causa, além do aumento da mortalidade e da recorrênciabetlydoenças infecciosas, prejuízos que podem ter impacto na vida toda, como atrasos no desenvolvimento psicomotor, mau desempenho escolar e menor produtividade ao chegar à idade adulta.
A obesidade também tem efeitos duradouros: crianças acima do peso têm mais riscobetlydesenvolver diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares, entre outros males.
No ritmo atual, calcula-se que o Brasil terá 11,3 milhõesbetlycrianças obesas até 2025 - é quase o tamanho da população da cidadebetlySão Paulo.
"Pela primeira vez na história, as crianças têm uma expectativabetlyvida menor que abetlyseus pais por contabetlyuma alimentação inadequada", afirma Ravagnolli, referindo-se a estudos internacionais que preveem que a obesidade infantil possa criar uma geraçãobetlyjovens adultos doentes.

Uma das formasbetlyprevenir isso é, segundo especialistas, educar o paladar das crianças desde cedo.
"A alfabetização do paladar é uma das coisas mais importantes a se ensinar às criançasbetlyseus primeiros três anos", diz à BBC Brasil Maria PaulabetlyAlbuquerque, gerente médica do Cren.
"A introdução alimentar, quando os bebês completam seis meses, é uma janelabetlyoportunidades e dificuldades."
Caretas e cuspes: como lidar?
É nessa fase que muitos pais se descabelam tentando oferecer alimentos saudáveisbetlymeio a caretas e cuspes - reações, aliás, que são normais, uma vez que os bebês estão se adaptando aos novos sabores e texturas.
"É um período difícil mesmo,betlyque nós, pais, sentimos angústia quando as crianças não comem", admite Ravagnolli. "Mas é importante não forçar a comida, justamente para não fazer com que o momento da refeição seja algo ruim."
O principal, nessa fase, é ofertar o máximo possívelbetlyalimentos saudáveis,betlydiferentes grupos - carboidrato, proteína animal, frutas, legumes, verduras e feijões - e também diferentes texturas.
Recomenda-se não transformar tudobetlyuma sopabetlyliquidificador, justamente para não perder essa diversidadebetlysabores.

Acimabetlytudo, é preciso armar-sebetlypaciência: não é porque a criança pequena recusou ou cuspiu uma vez que ela não vai gostar daquele alimentobetlyparticular.
"Para a criança aceitar um alimento, ela pode precisar prová-lo até 15 vezes", explica Albuquerque. "É bom repetir esse alimentobetlyformas diversificadas - por exemplo, o espinafre cru, depois refogado, depoisbetlycreme oubetlyuma torta."
Um erro comum é, diante da recusa da criança ao alimento saudável, os pais substituírem por produtos processadosbetlymais fácil aceitação - ou "engrossarem" o leite dos pequenos com açúcar ou farinhas lácteas.
"É aquele alíviobetly'pelo menos a criança comeu algo', mas é melhor que ela não coma nada do que vicie seu paladar ao sal e ao açúcar dos alimentos processados", diz Ravagnolli.
"E precisamos deixarbetlylado aquele hábitobetlyque 'a criança precisa limpar o prato ou não vai ter sobremesa'. Isso só reforça que a comida saudável é ruim e a sobremesa é legal. Não podemos querer que todas as crianças comambetlyigual quantidade - elas precisam aprender (as sensações) da fome e da saciedade."
'Neofobia alimentar'

As crianças e adolescentes atendidos nas duas unidades do Cren (nos bairros paulistanos da Vila Jacuí e da Vila Mariana) não passaram,betlygeral, por esse processobetlyalfabetização do paladar e muitas vezes sofrem do que a médica Maria PaulabetlyAlbuquerque chamabetly"neofobia alimentar": uma dificuldade com novos alimentos, uma vez que foram pouco expostas a eles.
"São crianças com uma dieta monótona e pobre", explica ela. "Por isso, fazemos oficinas lúdicas, para aumentar esse repertório, fazer uma aproximação afetiva com o alimento."
Para as crianças mais velhas, o processo inclui, além do manuseio dos alimentos, a preparação. Durante a visita da BBC Brasil, um grupobetlycercabetlydez adolescentes estava reunidobetlyvolta ao fogão para preparar um empadãobetlylegumes.
As crianças chegam ao Cren com quadrobetlydesnutrição identificadobetlyconsultas nas Unidades BásicasbetlySaúde ou pelo próprio centrobetlyvisitas a comunidades carentes. A médiabetlyespera para atendimento ébetlyum mês e meio na unidade da Vila Mariana ebetlydois meses e meio na Vila Jacuí.
O diagnóstico principal se dá não pelo peso, mas sim pela baixa estatura - detalhe que pode fazer a doença passar despercebida, uma vez que os pais às vezes acham que a criança é apenas baixinha, e não desnutrida.

"É uma doença invisível, com um diagnóstico muitas vezes tardio", explica Albuquerque. "Temos famíliasbetlyque a desnutrição está indo para a terceira geração. E não é aquela desnutrição africana (de crianças esquálidas), então não é tão impactante aos olhos. Mas tem consequências gravíssimas para a vida da criança. Compromete todo o seu desenvolvimento."
Mas, segundo Albuquerque, mesmobetlyfamíliasbetlysituaçãobetlypobreza e vulnerabilidade é possível promover mudançasbetlylongo prazo na alimentação.
"Fizemos um acompanhamento (de alguns pacientes) depoisbetlysete anos e muitos continuaram com os bons hábitos alimentares após a alta, mesmo sem terem saído da favela", explica ela.
"O crucial é mudar a relação com a comida. Isso passa pelo que a gente come, e como a gente come - a quantidadebetlycomida, a qualidade e o hábitobetlycomerbetlyfamília,betlyum ambiente tranquilo."
*Colaborou Rafael Barifouse, da BBC BrasilbetlySão Paulo









