#100Mulheres Por que futebol ainda é esporte 'só para homem' no Brasil?:sporting club de gagnoa
- Renata Mendonça
- Enviada da BBC Brasil ao Riosporting club de gagnoaJaneiro

Crédito, Getty Images
Hoje entre as melhores do mundo, mulheres brasileiras ficaram décadas sem poder jogar
sporting club de gagnoa Isabella sempre quis jogar futebol na escola, mas só a vontade nunca foi suficiente. Precisava passar pelo crivo dos meninos antessporting club de gagnoaentrar na quadra: ela pedia para jogar, eles faziam uma rodinha para debater se deixariam ou não. Muitas vezes, Isa tinha que se contentarsporting club de gagnoaficar só assistindo.
Já Ana Luiza insistia até que os meninos cedessem - se vinham com o paposporting club de gagnoaque "ali não entrava menina", ela não arredava o pé da quadra. Só que entrar no jogo não significava estar no jogo, e Ana amargou um tempo sem conseguir tocar na bola, pois eles não a passavam para ela. Até que a menina provousporting club de gagnoahabilidade e virou presença constante no futebol do bairro - e também nome constante nas fofocas dali ("Menina-macho, aquela ali vai ser sapatão com certeza.")
A históriasporting club de gagnoaJuliana foi um pouco diferente. Os meninos conheciamsporting club de gagnoahabilidade e, todo dia, tocavam a campainhasporting club de gagnoasua casa para chamá-la para o futebol. Mas a mãe não gostava muito da ideia e, para impedir a meninasporting club de gagnoajogar, passou a delegar para ela as tarefas da casa. "Você só vai descer depois que lavar a louça", dizia.
Com a ajuda do irmão mais velho - que também queria jogar com ela -, Juliana acabava o serviço rapidinho e logo ia para a rua. No dia seguinte, a mãe insistia. "Agora vai ter que lavar a louça e varrer o chão" - e a parceria com o irmão se repetia. "Hoje é a cozinha toda." Até que a mãe desistiu. E Juliana se tornou Ju Cabral, a capitã da primeira medalhasporting club de gagnoaprata do Brasil no futebol feminino na Olimpíadasporting club de gagnoaAtenas (2004).

Isabella sempre quis jogar futebol na escola, mas tinha que pedir autorização para os meninos | Foto: Arquivo Pessoal
No casosporting club de gagnoauma meninasporting club de gagnoaDois Riachos (AL), teve tudo isso e um pouco mais. Quando chegou para disputar o campeonato da região com os meninos, acabou barrada: não deixaram inscrever uma menina. Hoje, ela é Marta, cinco vezes eleita a melhor jogadorasporting club de gagnoafutebol do mundo.
Toda menina que já jogou - ou tentou jogar - bola já vivenciou uma das situações acima. No Brasil, que é conhecido por ser "o país do futebol", as mulheres chegaram até mesmo a serem proibidas por leisporting club de gagnoaparticiparem do jogo. Por quase 40 anos -sporting club de gagnoa1941 a 1979 -, se elas fossem vistas jogando futebol, poderiam ser levadas para a delegacia.
"Às mulheres não se permitirá a práticasporting club de gagnoadesportos incompatíveis com as condiçõessporting club de gagnoasua natureza, devendo, para este efeito, o CND baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país", determinava o Decreto-Lei 3.199 do Conselho Nacionalsporting club de gagnoaDesportos (CND) que proibiu mulheressporting club de gagnoapraticarem o futebol, entre outras modalidades.


O que é o #100Mulheres?
A série #100Mulheres, da BBC (100 Women), indica 100 mulheres influentes e inspiradoras por todo o mundo anualmente. Nós criamos documentários, reportagens especiais e entrevistas sobre suas vidas, abrindo mais espaço para histórias com mulheres como personagens centrais.
Neste ano, a BBC está desafiando mulheres ao redor do mundo a proporem soluções para quatro problemas globais relacionados ao sexismo.
No Brasil, o tema trabalhado será "sexismo no esporte", focado principalmente no futebol. A partir desta segunda-feira, o #TeamPlay sediado no Rio terá uma semana para inventar, desenvolver e entregar um protótipo - uma soluçãosporting club de gagnoatecnologia, um design inovador ou uma campanha - para apoiar as mulheres nos esportes e combater as atitudes sexistas que podem impedir o seu avanço.
Acompanhe a coberturasporting club de gagnoafacebook.com/BBC100women e aqui no site da BBC Brasil.

Histórico
A justificativa para a proibição teve até embasamento científico, segundo Silvana Goellner, pesquisadorasporting club de gagnoagênero e educação física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "Teve um parecer médico na época que colocava as mulheres no espaço da fragilidade e sobretudo da maternidade - a missãosporting club de gagnoatoda a mulher na época era ser a mãe do futuro da pátria", explica à BBC Brasil.

Futebol jogado por mulheres era apresentado como espetáculosporting club de gagnoacirco | Foto: Arquivo Biblioteca Nacional do Riosporting club de gagnoaJaneiro
"Afirma-se que a 2ª delegacia auxiliar está decidida a acabarsporting club de gagnoavez com o futebol feminino... Para isso, serão fechados todos os clubes dessa especialidade. Está aí uma notícia magnífica. O futebol feminino, como esporte, é desaconselhável e, como passatempo, perigoso e nocivo", dizia a nota do jornal Diáriosporting club de gagnoaNotícias Esportivo, do Riosporting club de gagnoaJaneiro,sporting club de gagnoafevereirosporting club de gagnoa1941.
A proibição não significou o fim da prática do futebol por mulheres no Brasil, mas a tornou invisível na história.
"A despeito da proibição, as mulheres continuaram fazendo. Só que não podiam ser registradas suas conquistas, elas não poderiam aparecer oficialmente nos registros das federações. Isso deu uma invisibilidade na história das mulheres no esporte. Elas estavam, mas não aparecem. Só que o silêncio não significa ausência", afirma Goellner, que foi responsável por garimpar a história do futebol feminino no Brasil para inseri-lasporting club de gagnoa2015 no Museu do Futebol, que fica no estádio do Pacaembu,sporting club de gagnoaSão Paulo.

As poucas notícias sobre futebol feminino eram casossporting club de gagnoapolícia ou proibição | Foto: Arquivo Biblioteca Nacional do Riosporting club de gagnoaJaneiro
"Nós achamos algumas coisassporting club de gagnoanotícias do futebol feminino (sendo citado) como espetáculosporting club de gagnoacirco, algumas coisassporting club de gagnoadelegaciasporting club de gagnoapolícia, casossporting club de gagnoaque a polícia chegou para encerrar um jogosporting club de gagnoafutebol. Mas, principalmente, a gente só conseguiu mapear informações por causa das jogadoras", conta.
"Os clubes não têm registros, a CBF (Confederação Brasileirasporting club de gagnoaFutebol) não tem registro. A presença da mulher no futebol é anulada, como se ela não existisse. E aí anula também o desejosporting club de gagnoaquem quer se inserir no futebol. Se as meninas não têmsporting club de gagnoaquem se inspirar, fica difícil."

A proibição não significou o fim da prática do futebol por mulheres no Brasil, mas a tornou invisível na história | Foto: Arquivo Biblioteca Nacional do Riosporting club de gagnoaJaneiro
Por tudo isso, não se sabe exatamente quando o futebol feminino começou a existir no Brasil.
O registro mais recorrente sobre a primeira partida noticiada na imprensa ésporting club de gagnoa1921, entre as equipessporting club de gagnoaTremembé e do Cantareiras (bairrossporting club de gagnoaSão Paulo).
Mas a modalidade só foi regulamentada oficialmentesporting club de gagnoa1983 - quatro anos depoissporting club de gagnoater caído o decreto-lei que proibia a prática.
"Esse decreto só vai cair no fim dos anos 1970, por força das mulheres", conta Goellner.
O que mudou?
A proibição do futebol feminino caiu, mas não acabou com a resistência à modalidade.
Na escola Edem, do Riosporting club de gagnoaJaneiro, a quadra era chamada "dos meninos", já que eram só eles que reinavam ali. Quando as meninas pediam para jogar junto, eles diziam: "isso não é para menina. Vocês deveriam ser líderessporting club de gagnoatorcida". Até que um dia, há dois anos, elas se revoltaram e invadiram o local aos gritossporting club de gagnoa"Poder Feminino". Esse foi o início daquele que seria o timesporting club de gagnoafutebol das garotas.

Meninas dos colégio Edem invadiram a quadra - que antes era considerada como sendo "dos meninos"
Mas uma vez juntos dentrosporting club de gagnoaquadra, era nítida a diferençasporting club de gagnoahabilidade entre os meninos e as meninas que hoje estão na sexta série. Em uma tentativasporting club de gagnoa"altinha" entre os melhores amigos Arthur e Catarina, ele se exibia fazendo embaixadinhas, enquanto ela não conseguia levantar a bola do chão.
"Eles treinam toda hora, não dá para comparar", diz a menina. Arthur concorda: "Eu jogo desde os 3 anos, treino quatro vezes por semana". Catarina começou a jogar aos 9, e não treinasporting club de gagnoanenhum lugar fora da escola.
Esse, aliás, é outro problema levantado pelas meninas do colégio: não há turmassporting club de gagnoafutebol só para meninas. "É muito chato jogar com os meninos, eles não passam a bola pra gente", afirma Isadora.
A escolinha do time francês Paris Saint-Germain na Barra da Tijuca, bairro da zona oeste do Riosporting club de gagnoaJaneiro, é uma das poucas que conseguiu abrir uma turma só com meninas. São 15 as que fazem parte do time - o númerosporting club de gagnoameninos matriculados chega a 300.
"Ainda são poucas, mas a procura tem aumentado. Conseguimos abrir uma turma sósporting club de gagnoameninas agora. Mas todas as que nos procuram já têm nível intermediário, são meninas que já jogam. Nunca recebemos nenhuma menina iniciante, para aprender mesmo", explica Rodrigo Pian, um dos técnicos da escolinha do PSG.
"As meninas são mais fáceissporting club de gagnoatreinar, elas ouvem, são mais focadas. Mas elas não são educadas para ter esse sonho -sporting club de gagnoaser jogadorasporting club de gagnoafutebol", pontua.
Professora da Faculdadesporting club de gagnoaEducação Física e Esporte da USP, Katia Rubio explica que esse é um dos fatores que ainda afastam as garotas do esporte: enquanto os meninos são presenteados com uma bola logo cedo, elas ganham apenas bonecas.
"Os meninos, quando nascem, na porta da maternidade já está a bolasporting club de gagnoafutebol ou a chuteira. Diferentemente da menina, que tem que provar o direito dela da prática do futebol. Os meninos já ganharam esse direito desde o momento que nasceram", pontua.

'O que mudousporting club de gagnoalá para cá foi a maior participação das mulheres. A despeitosporting club de gagnoatodas as precariedades, elas não desistiram do futebol'
Segundo o Diagnóstico Nacional do Esporte, divulgado após estudo do Ministério do Esportesporting club de gagnoa2013, 41,6% dos meninos começa a praticar esportes entre os 6 e 10 anos - enquanto só 29% das meninas inicia a prática nessa idade.
Além disso, elas têm dificuldadesporting club de gagnoaocupar espaços públicos. Segundo a pesquisa Meninas Fortes, realizada pela agência 65/10sporting club de gagnoaparceria com a marca Nescau, 50% das meninassporting club de gagnoa8 a 11 anos associam a rua a perigo.
Para a pesquisadora Silvana Goellner, o fato é que a proibição caiu na lei, mas segue existindo na prática. "Os espaços públicos são ocupados por meninos. Hoje há uma proibição simbólica, ela ainda existe. É uma violência simbólica."
"O que mudousporting club de gagnoalá para cá foi a maior participação das mulheres - aumentou a resiliência delas. A despeitosporting club de gagnoatodas essas precariedades, elas não desistiram do futebol."
E se antes o argumento para proibir o futebol foi baseado na "fragilidade do seu corpo", hoje a base desse discurso se mantém como argumento para mantê-las longe da bola.
"A diferença é que hoje o argumento é usado como fim estético. O contato do esporte, do futebol, não é bom para a menina porque vai fazê-la perdersporting club de gagnoa'feminilidade'", explica Goellner.
Esse, aliás, é um dos comentários que Gabriela, do time Poder Feminino da escola Edem, mais ouve quando diz que gostasporting club de gagnoajogar futebol: "Vai ficar parecendo um menino", conta.
Mas a meninasporting club de gagnoa12 anos não se intimida: "Ser feminina é ser o que você é, não o que as pessoas pensam".
Visibilidade
O sonhosporting club de gagnoaJuliana Cabralsporting club de gagnoase tornar jogadorasporting club de gagnoafutebol não veio do nada. Ela se lembra exatamente do diasporting club de gagnoaque soube que era isso que queria fazer da vida. "Quando eu vi aquelas meninas na Olimpíadasporting club de gagnoaAtlanta (1996), meu sonho era ser como elas. Não tinha nada que me fizesse voltar atrás", conta a ex-atleta, que tinha 15 anos na época e viu na TV a estreia do futebol femininosporting club de gagnoaJogos Olímpicos.
Por isso, Juliana acredita que para mudar a ideiasporting club de gagnoaque "futebol é só para homem", é preciso dar mais visibilidade ao futebol praticado por mulheres. "O meu sonho se concretizou na minha cabeça quando eu consegui ter exemplos femininos - aquela Olimpíada foi um marco. Eu tinha certeza que queria ser aquelas meninas."

Crédito, Reuters
Segundo uma pesquisa da Universidade da Carolina do Sul feita na última década, quase 97% da cobertura esportiva nos Estados Unidos é focadasporting club de gagnoaesportes masculinos. No Brasil, a situação não é muito diferente - uma pesquisa da Organização Gênero e Número com dois programas televisivos semanas antes do início da Rio-2016 mostra esportes femininos ocuparam apenas 12,9% do tempo totalsporting club de gagnoatransmissão no período.
"A visibilidade apareceu agora por causa da Olimpíada, mas é isso e só. Aqui no Rio Grande do Sul tem 16 equipes competindo o estadual (feminino), e não sai uma notícia. O Internacional fez uma peneira para categoriassporting club de gagnoabase e 700 meninas apareceram para fazer o teste. Então há uma demanda reprimida aí. E a invisibilidade da mulher no futebol permanece", afirma Goellner.
Outro ponto necessário para mudar o cenário, segundo a professora Katia Rubio, é a união das mulheres para alterar a estruturasporting club de gagnoapoder do futebol.
Hoje, a CBF não tem nenhuma mulher atuando na gestão do futebol feminino. No ano passado, Emily Lima se tornou a primeira a comandar uma seleção brasileira principal, mas foi demitida dez meses depois - a entidade agumentou "faltasporting club de gagnoaresultados" para a decisão.
"No âmbito do poder, não tem qualquer participação feminina, o que reduz ainda mais as possibilidades das mulheres se aproximarem da prática. Enquanto a estruturasporting club de gagnoapoder estiver na mãossporting club de gagnoahomens, eles dominam", afirma Rubio.
"Ninguém quer a mulher no esporte, então os discursos vão sendo construídos e renovados para validar o argumentosporting club de gagnoaque ela não deve estar ali. Mas quando tiver uma geração empoderada pelo conhecimento, não tem argumento que resista."







