'Diferente do que dizem, aborto não foi descriminalizado', diz autorabrasil 777ações no Supremo:brasil 777

  • Ricardo Senra - @ricksenra
  • Da BBC Brasilbrasil 777São Paulo
Debora Diniz

Crédito, Cicero Bezerra

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Para Debora Diniz, decisão recente do STF aponta que a criminalização do aborto pelo Código Penal está errada segundo a própria Constituição

brasil 777 Às vésperas da discussão sobre a descriminalização ou não do aborto por mães contaminadas pelo vírus Zika, marcada para esta quarta-feira, pelo menos três ministros do Supremo Tribunal Federal deram pistasbrasil 777que a proibição, atualmente prevista no Código Penal, desrespeitaria a Constituição.

Mas, diferentemente do que apontaram muitas notícias na última semana, isso não significa que há prática tenha deixadobrasil 777ser crime.

É esta a avaliação da antropóloga Debora Diniz, do institutobrasil 777bioética Anis, que levou à Suprema Corte, no início deste ano, a discussão sobre direitosbrasil 777mulheres contaminadas pelo zika - incluindo a possibilidadebrasil 777aborto.

O grupo tem experiência no tema: há 12 anos, a equipebrasil 777Diniz também levou ao STF um pedidobrasil 777reavaliação da interrupçãobrasil 777gestaçõesbrasil 777fetos anencéfalos (com ausência parcial ou total do cérebro). A descriminalização neste caso foi aceita pelos ministrosbrasil 7772012 - o "sim" ganhou por 8 votos contra 2.

Atualmente, a legislação brasileira só permite que uma gravidez seja interrompida, além do caso acima,brasil 777situaçõesbrasil 777estupro e riscobrasil 777vida da mulher.

Mas na última terça-feira (29), a primeira turma do Supremo surpreendeu ao suspender a prisão preventivabrasil 777cinco funcionáriosbrasil 777uma clínica clandestinabrasil 777Duquebrasil 777Caxias (RJ) e declarar que a prática, se realizada até os três primeiros meses da gestação, não é crime.

Para o ministro Luís Roberto Barroso, que pediu para avaliar o caso a fundo, os artigos do Código Penal que proíbem o aborto até os três meses ferem direitos garantidos pela Constituição.

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Ele enumera: "os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direitobrasil 777fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plenabrasil 777gênero dependebrasil 777se respeitar a vontade da mulher nessa matéria".

O ministro também argumenta que a proibição afeta principalmente as mulheres mais pobres, "que não têm acesso a médicos e clínicas particulares, nem podem se valer do sistema públicobrasil 777saúde para realizar o procedimento abortivo".

Diniz lembra que justamente as mulheres mais pobres continuam sendo as mais vulneráveis nesta discussão - cujos efeitos passariam longe da periferia.

"Uma mulher que quiser interromper a gestação pode pedir à Justiça e um juiz pode vir a deferir o pedido dela, dizendo que o Supremo já se pronunciou. (...) Mas as mulheres que correm risco durante o aborto no Brasil não são mulheres com acesso à Justiça. Mulheres pobres não têm acesso à Justiça, não conseguem constituir um defensor, um advogado."

Como se tratabrasil 777um entendimento que pode ser seguido por instâncias menores e, para muitos, sinaliza que a mais alta corte caminha para uma futura descriminalização do aborto, a Câmara dos Deputados decidiu reagir.

Na mesma noite da decisão do STF, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa, avisou ao plenário que vai criar uma comissão com 34 titulares e igual númerobrasil 777suplentes para se posicionar sobre o tema.

Segundo especialistas, os deputados não têm poder para rever decisões do Supremo. O que eles podem, sim, fazer, é alterar leis ou a Constituição para mudar as bases usadas pelo STF para justificar suas decisões.

Leia os principais trechos da entrevista com Debora Diniz:

Salabrasil 777cirurgia

Crédito, Getty Images

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Atualmente, legislação brasileira só permite interromper gravidezbrasil 777situaçõesbrasil 777estupro, riscobrasil 777vida da mulher e fetos anencefálicos

brasil 777 BBC Brasil - Como avalia a decisão do STF na semana passada sobre o aborto até os três mesesbrasil 777gestação?

brasil 777 Debora Diniz - A corte avaliava a prisão preventivabrasil 777funcionáriosbrasil 777uma clínicabrasil 777aborto, mas havia uma perguntabrasil 777fundo: o que eles fizeram deveria ou não ser crime? Ela respondeu que a Constituição garante o direito à saúde, à segurança, à integridade física e emocional, à autonomia. E que, portanto, a criminalização do aborto pelo Código Penal está errada segundo a própria Constituição.

É uma interpretação correta, é o que se esperabrasil 777uma Suprema Corte. O trabalho deles é interpretar tudo o que chega ao Supremo à luz da Constituição. E o Código Penal está abaixo da Constituição.

As cinco pessoas que apareciam nesse pedidobrasil 777habeas corpus estavam sendo acusadas por crimebrasil 777aborto. A primeira pergunta do habeas corpus era: é preciso mantê-lasbrasil 777prisão preventiva? Os ministros respondem: 'Não, elas não ameaçam a sociedade'. Mas vão além: eles mostram que, lendo a Constituição e o que ela manda,brasil 777defesa da autonomia, do direito a saúde, à segurança, o aborto não pode ser crime.

brasil 777 BBC Brasil - Você esperava uma posição tão contundente?

brasil 777 Debora Diniz - Os debates dos últimos anos mostram que esta corte vem sendo preparada na última década para entender que o aborto é uma questão urgentebrasil 777saúde publica. Mas este é um caso específico. O aborto não foi oficialmente descriminalizado no Brasil, como muitos estão dizendo. Tratou-sebrasil 777um casobrasil 777Duquebrasil 777Caxias, relativo àquela clínica,brasil 777que se discutia a punição ou nãobrasil 777médicos e profissionais.

Mas este voto avançou e se disse: temos que conversar sobre o que está por trás deste pedido. De um lado, há uma dificuldade naturalbrasil 777entender o que aconteceu, porque o debate jurídico traz barreiras muito grandes. Mas,brasil 777outro, há má-fébrasil 777quem entende o que é o debate jurídico e transforma a decisãobrasil 777um escândalo.

brasil 777 BBC Brasil - Mas o caso pode embasar as decisõesbrasil 777juízes daqui para frente, não?

brasil 777 Debora Diniz - Uma mulher que quiser interromper a gestação pode pedir à Justiça e um juiz pode vir a deferir o pedido dela, dizendo que o Supremo já se pronunciou.

Mas as mulheres que correm risco durante o aborto no Brasil não são mulheres com acesso à Justiça. Ainda há muita incerteza para as mulheres migrarem da clandestinidade para as cortes. Não se pode acreditar que agora haverá uma enxurrada enormebrasil 777pedidos.

Mulheres pobres não têm acesso à Justiça, não conseguem constituir um defensor, um advogado. O tempobrasil 777gestação também é curto e um processo como este pode durar maisbrasil 7779 meses.

É muito mais um momento da Suprema Corte encorpando o debate no Brasil; ainda há muitas barreiras ao aborto no país. Então, vamos com calma. O voto é muito coerente. No entanto, ao contrário do que dizem, não houve descriminalização.

Rodrigo Maia

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Em reação ao Supremo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, convocou comissão parlamentar para discutir o tema

brasil 777 BBC Brasil - E o que esperar da comissão formada na Câmara dos Deputados para avaliar o tema?

brasil 777 Debora Diniz - Esta é a forma padrão com que eles (boa parte dos deputados) vêm enfrentando o aborto pelo menos na última década. Então, esta não é uma reação à decisão do Supremo, porque não há nadabrasil 777novo. É assim que os deputados se comportam pelo menos nos últimos dez anos.

Agora, o que efetivamente eles podem fazerbrasil 777relação à decisão do Supremo? Nada. Mas eles podem, sim, tentar criminalizar ainda mais o aborto.

brasil 777 BBC Brasil - Como?

brasil 777 Debora Diniz - Com projetos como o estatuto do nascituro, a ampliação das penas às mulheres que praticarem o aborto ou a revogação das leis que permitem exceções, comobrasil 777casosbrasil 777estupro ou risco à gestante.

brasil 777 BBC Brasil - Muitos argumentam que o Supremo Tribunal Federal estaria, com decisões como esta, legislando (criando/alterando leis), que é atribuição do Congresso. Como avalia?

brasil 777 Debora Diniz - Não está. O STF está fazendo uma interpretação constitucional porque este é o dever dele. Eles estavam interpretando o que estava acontecendo naquele casobrasil 777Duquebrasil 777Caxias, à luz da Constituição.

brasil 777 BBC Brasil - E qual é a expectativa, a partirbrasil 777todo este cenário, para a discussão prevista para esta quarta sobre casosbrasil 777zika?

brasil 777 Debora Diniz - A ação que levamos ao STF diz o seguinte: uma mulher está com zika e está grávida. Seu feto pode ou não ter microcefalia. Ela estábrasil 777sofrimento mental por não saber o futuro do feto. Exatamente como acontece no estupro.

Então a ação defende a possibilidadebrasil 777interrupção porque a mulher estábrasil 777sofrimento psicológico provocado pela epidemia, que porbrasil 777vez é responsabilidade do Estado, que não conseguiu contê-la.

O que a gente pode esperar? Bom, a corte teve acesso a muita informação sobre a gravidade da epidemiabrasil 777zika no Brasil. Há centenasbrasil 777históriasbrasil 777mulheres.

É importante que fique claro: esta não é uma ação sobre aborto, é sobre direitos fundamentais amplos, que inclui políticas públicasbrasil 777direitos sexuais e reprodutivos para mulheres (como contraceptivos, pré-natal frequente e aborto) e garantias para a inclusão socialbrasil 777crianças após o parto.