Os poetas analfabetos do sertão que foram parar sem querer no YouTube e viraram sucesso na internet:sport e santa cruz

Como a única rede social que Ferreira conhecia era o Orkut, foi lá que postou um vídeo do poeta Bastião. O registro bombou, mas desagradou o artista, que não queria aparecer.

Ferreira pediu perdão, mas continuou gravando. Conta que queria agora guardar os vídeos para si, fazer um arquivo para poder acessá-los no futuro. Foi quando ouviu falarsport e santa cruz"um talsport e santa cruzYouTube".

"Me falaram que era na internet, que eu abria uma conta, ficava com uma senha como asport e santa cruzbanco e, quando quisesse ver, era só entrar lá. Eu não sabia que os vídeos estavam sendo expostos pro resto do mundo", disse Ferreira à BBC News Brasil.

Alguns dos vídeos começaram a receber milharessport e santa cruzvisualizações sem que ninguém se desse conta disso durante cinco anos. Mesmo sem título, descrição, thumbnail e outras configurações que os profissionais aprendem, um marsport e santa cruzgente interessada no sertão e nos poetas iletrados foi chegando, comentando, compartilhando…

"Eu só colocava os números '1, 2, 3' [no título], não sei como descobriram."

Foi sósport e santa cruz2013 que Jefferson Sousa,sport e santa cruz25 anos, filhosport e santa cruzFerreira, percebeu o que estava acontecendo. Ele acessou o email no novo smartphone do pai e ficou impressionado com o que viu: "Tinha 3 mil emails não lidos, dizendo 'fulano' comentou… Foi quando fui olhar o que era e tinha 200 mil visualizações mensais", conta.

Hoje, o canalsport e santa cruzFerreira, batizadosport e santa cruzBisaco do Doido, tem 32 mil inscritos e acumula maissport e santa cruz14 milhõessport e santa cruzvisualizações. Um documentário sobre Leonardo Bastião, o poeta que fez mais sucesso no canal, foi produzido e dirigido por Jefferson e ganhou o mundo.

"O poeta analfabeto" já foi exibidosport e santa cruzfestivaissport e santa cruzcinco países, como Rússia, França, Índia e Bósnia, onde ganhou na categoria "melhor roteiro". No último dia 28sport e santa cruzsetembro, o filme foi exibidosport e santa cruzpraça pública,sport e santa cruzItapetim.

Bastião assistiusport e santa cruzpé, ao ladosport e santa cruzJefferson e Ferreira, e foi tietado pelo público que foi ver a história dele no telão. A prefeitura da cidade reproduziu versos do poetasport e santa cruzalguns prédios públicos.

Documentar a história

Nas gravações, Bastião aparece dizendo que não se considera poeta. Diz que a poesia que faz é fácil e que pega apenas "carona" nas coisas da natureza, feitas por Deus. Assim como ele, há outros poetas declamando ou cantando repentesport e santa cruzsítios, bares e praças na região. Uma cultura passadasport e santa cruzgeração para geração na base da oralidade.

Ferreira afirma que queria dar uma nova dimensão à arte que considera tão importante e representativa dasport e santa cruzregião. Hoje conselheiro tutelar, já foi donosport e santa cruzlojasport e santa cruzdiscossport e santa cruzvinil e vendia cópiassport e santa cruzfilmes e CDs, com a chegada dos computadores. Era como se levasse a cultura para dentrosport e santa cruzItapetim. Agora, levasport e santa cruzlá para fora.

"Aqui tem e tiveram muitos poetas que, com tempo, ficaram sem nenhum registro. A poesia deles só segue adiante quando um decora e sai falando por aí. Eu queria era registrar e ficar guardado, como fotos antigas, que as pessoas olham e reconhecem os traços na geração da nova da família", explica Ferreira.

Se passa um dia sem postar um vídeo, o dono do Bisaco do Doido diz que, provavelmente, está doente. Quando Ferreira sabesport e santa cruzalguém que está declamando poesia nos sítios, ele vai atrás para filmar: "Eu vou nas brenhas mesmo. Tem poeta que não sabe nem o que é celular, muito menos internet."

Jefferson, que se formousport e santa cruzjornalismo no Recife, até tentou dar umas dicas para o pai "profissionalizar" o canal. Mas logo percebeu que não fazia sentido. "Queria organizar, mas vi que isso ia mudar quem ele era. Ele conquistou o público do jeito dele, desse modo artesanal, então ia mudar essa originalidade".

O documentarista diz que o retorno financeiro é pouco, mas já paga o emplacamento anual do carro do pai. O computador segue com maissport e santa cruz20 gigabytessport e santa cruzarquivossport e santa cruzvídeos não publicados.

Com toda a repercussão do Bisaco, mais pessoas foram procurá-lo, e eventossport e santa cruzcultura popular passaram a ser organizados na região. Alguns artistas famosos do Nordeste e turistas chegam a procurar Bastião no seu sítio.

E a visibilidade do canal reverberou também na esfera pública. De acordo com o secretáriosport e santa cruzCulturasport e santa cruzItapetim, Alisson Alves, dos turistas que buscam a cidade, muitos chegam até lá porque viram as atrações e histórias no Bisaco do Doido.

"Todo mundo aqui que teve algum tiposport e santa cruzrepercussão passou pelas câmeras dele. Não só Bastião, mas a igreja matriz, as pinturas rupestres", conta. Alves também destaca a realizaçãosport e santa cruzeventos culturais na cidade, impulsionados pelo que os vídeos amadores mostram.

"Fiquei muito surpreso e muito grato com isso tudo, porque é povosport e santa cruzuma cidade tão pequena e escondida que está sendo visto pelo mundo. As redes sociais abriram a porta para que vejam como essa região é rica", conta Ferreira. O poeta Bastião, entretanto, não costuma ser muito receptivo a visitantes desconhecidos e se recusa a dar entrevistas.

No fimsport e santa cruz2018, após uma propostasport e santa cruzum empresário paraibano e com o impulso da divulgaçãosport e santa cruzFerreira e Jefferson, foi publicado um livro com maissport e santa cruz200 versossport e santa cruzBastião, Minha Herançasport e santa cruzMatuto (Grupo Claudino), com uma tiragemsport e santa cruz1000 exemplares. A renda foi toda para o poeta e usada para reconstruir asport e santa cruzcasa, que havia desmoronado.

Quando Jefferson foi gravar o documentário, jásport e santa cruz2019, Bastião já se enxergava mais como artista. Mas não quis falar seus versos – na verdade, preferiu falar da vida e suas tristezas.

"Ele estava mais introspectivo e foi uma relação mais pessoal. Ele ficou muito próximo da minha família, do meu pai, minha mãe, e assim pude entender mais a relação dele com a natureza e o universo dele e como ele enxerga 'o pingo da água na folha que a abelha bebeu', que a gente, na correria, nem percebe", relata.

A poesia e o Pajeú

No Pajeú, há tantos poetas que, reza a lenda, quem bebe da água do rio que batiza a região sai fazendo música e poesia por aí. A área formada por 17 cidades é famosasport e santa cruzPernambuco por ser berçosport e santa cruzdiversos artistassport e santa cruzpoesia popular como Lourival Batista, o "Louro do Pajeú" ou ainda "o rei do trocadilho".

Um dos pioneirossport e santa cruzdocumentar a poesia da região, o professorsport e santa cruzfilosofia da Universidade Federalsport e santa cruzPernambuco (UFPE), Marcos Nunes,sport e santa cruzseu último levantamento, catalogou 270 poetas sósport e santa cruzItapetim.

Apesarsport e santa cruznão ter uma explicação exata para o fenômeno, Nunes diz que a mais aceita é que seja uma consequência da história do colonização do Nordeste brasileiro. Esse modelosport e santa cruzpoesia cantada,sport e santa cruzcancioneiro, no improviso, tem suas raízes nos aedos gregos – os poetas antes da invenção do alfabeto – e na chegada dos mouros à Península Ibérica, onde hoje estão Espanha e Portugal.

"Com a descoberta do Brasil, foi aí que tivemos a chegada desses cantadores no litoral. Com as perseguições, parte desse pessoal entra no território e vai parar na 'cabeça' do Pajeú, na Paraíba", explica Nunes, autor dos livros Itapetim: Cidade das Pedras Soltas (editoras CEHM/Fidem/Condepe) e Itapetim, Ventre Imortal da Poesia (editoras CEHM/Fidem/Condepe/Cepe).

O primeiro cantadorsport e santa cruzviolasport e santa cruzque se tem notícia no Brasil é Agostinho Nunes da Costa, filhosport e santa cruzJoão Nunes da Costa, um judeu que veio da Galícia para o Recife nas primeiras décadas do século 18. Cristão novo, ele foi perseguido e foi morarsport e santa cruzJoão Pessoa e continuou fugindo até parar numa fazenda onde iria começar o núcleo populacional da atual cidadesport e santa cruzTeixeira, na Paraíba.

O pesquisador relata até um roteiro geográfico da poesia:sport e santa cruzTeixeira, que fica na divisa com Pernambuco, descendo junto ao leito do rio. Resultado: quanto mais distante da "cabeça" do rio Pajeú, menos poetas. Itapetim é o primeiro município nessa rota.

Segundo Ferreira, nas ruas da cidade, não é preciso marcar hora para encontrar uma poeta: "A poesia brota como uma cacimba que brota água". Numa região onde as pessoas conhecem a história pela poesia não registradasport e santa cruzpapel, os vídeos, o livro e o documentário são enxergados como uma formasport e santa cruzsedimentar uma cultura única e extremamente rica.

"A diferença para os poetas letrados é que esses não têmsport e santa cruzfato tanto vocabulário e cultura. Mas muitas vezes parece que o poeta letrado é muito mecânico. Quando vem desse povo simples, ésport e santa cruzcoração,sport e santa cruzsentimento", opina Nobre.

E Ferreira completa: "Quem não é poeta aqui, é doido. E eu sou um doido que documenta tudo isso".

Em um dos vídeos que fizeram sucesso no Bisaco do Doido (acima), Bastião está no seu sítio, com o inseparável chápeu, e faz versos sobre asport e santa cruzhistória e a "herança" que recebeu do pai:

Nasci na casa atrasada

Sou filhosport e santa cruzLuisinho Bastião

Fiz muitas letras no chão

Mas o lápis era a enxada

E morreu à míngua, sem nada

E minha herança foi assim

Meio quadrosport e santa cruzterra ruim

Que ainda hoje eu defendo

E nem abandono nem vendo

O que pai deixou pra mim

(Leonardo Bastião)

sport e santa cruz Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube sport e santa cruz ? Inscreva-se no nosso canal!