As doenças negligenciadas pela indústria farmacêutica que afetam milhõeslvbetpessoas no mundo e no Brasil:lvbet

  • Letícia Mori
  • Da BBC News BrasillvbetSão Paulo
Profissionallvbetsaúde aplica injeçãolvbetbraçolvbetpaciente

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Pesquisa e desenvolvimentolvbettratamentos para essas doenças é feito pelo poder público e por entidadades filantrópicas internacionais

lvbet Cercalvbetum bilhãolvbetpessoas no mundo – um sextolvbettodos os humanos no planeta – são afetados pelas chamadas "doenças negligenciadas": enfermidades que a indústria farmacêutica não tem interesselvbetpesquisar, segundo a Organização MundiallvbetSaúde (OMS).

O motivo? "Elas estão relacionadas à pobreza, não têm muito interesse para o mercado porque não dão um retorno lucrativo", explica Sinval Brandão, pesquisador da Fiocruz e presidente da Sociedade BrasileiralvbetMedicina Tropical (SBMT).

A OMS classifica 17 patologias como doenças tropicais negligenciadas. Elas são diferentes uma da outra, mas têmlvbetcomum o fatolvbetatingirem principalmente pessoaslvbetbaixa renda oulvbetcondiçãolvbetmiséria,lvbetlugares pobres elvbetpaíseslvbetdesenvolvimento.

Algumas das patologias são conhecidas há séculos, explica Ethel Maciel, epidemiologista da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Várias delas você já deve ter estudado na escola: teníase, lepra, doençalvbetChagas, esquistossomose, doença do sono, tracoma, oncocercose, filariose linfática, entre outras.

Braçolvbetcriança caindolvbetuma maca

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Dengue, doençalvbetChagas, leishmaniose, hanseníase, malária, esquistossomose e tuberculose são consideradas prioridades para o Ministério da Saúde

Para muitos que vivemlvbetgrandes centros urbanos no Primeiro Mundo, há a impressão (errônea)lvbetque são doenças do passado, que já foram erradicadas. Afinal,lvbetextensas partes do mundo nas quais as condiçõeslvbetvida elvbethigiene melhoraram, elas não são mais um problema.

Mas elas continuam bem presentes, concentradaslvbetregiões pobres do mundo,lvbetáreas rurais remotas,lvbetfavelas e áreas urbanas sem saneamento - inclusive (elvbetgrande quantidade) no Brasil.

Pule Podcast e continue lendo
BBC Lê

Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

Episódios

Fim do Podcast

"O Brasil foi responsável por 70% das mortes no mundo por doençalvbetChagaslvbet2017; contribuiu com 93% dos novos casoslvbethanseníase e 96% dos casoslvbetleishmaniose visceral do continente, só para citar alguns exemplos", diz Jardel Katz, gerentelvbetpesquisa e desenvolvimento da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDI).

Se tanta gente é afetada, por que não se fala mais dessas doenças? Elas são silenciosas, diz a OMS, "porque as pessoas afetadas oulvbetrisco têm pouca voz política".

"Às vezeslvbetque chamam a atenção é quando saem do circuitolvbetbaixa renda e locais pobreslvbetque normalmente são endêmicas e atingem a classe média, bairros ricos", diz Ethel Maciel. "É o caso da dengue, por exemplo."

Algumas entidades consideram um grupo maiorlvbetenfermidades na lista das negligenciadas. O projeto G-Finder cita 33 enfermidadeslvbetseu relatório anual sobre doenças negligenciadas, incluindo tuberculose e malária na lista. O projeto é organizado pelo centrolvbetestudos Policy Cures Research, dedicado a buscar formaslvbetpromover avanços na saúde da população mais pobre no mundo, e patrocinado pela fundação Bill & Melinda Gates.

Favelalvbetpaís da américa latina

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

As doenças negligenciadas se concentramlvbetáreas pobres, como favelas urbanas e zonas rurais remotas

Segundo Jardel Katz, da DNDI, todas as 33 doenças consideradas pelo G-Finder estão presentes no Brasil,lvbetmaior ou menor medida dependendo da região.

O Ministério da Saúde definiulvbet2008 sete doenças negligenciadas como prioridade no país, com baselvbetdados sobre seu impacto no Brasil: dengue, doençalvbetChagas, leishmaniose, hanseníase, malária, esquistossomose e tuberculose.

O problema é que, justamentelvbetuma área tão dependentelvbetinvestimento público, o gasto governamental com pesquisa e desenvolvimento vem caindo. Segundo um relatório da G-Finder publicado recentemente, o governo fez um cortelvbet42%lvbetverbas para pesquisalvbetdoenças negligenciadas entre 2016 e 2017.

Tratamento antigo

A faltalvbetinteresse da indústria farmacêutica faz com que essas doenças tenham tratamentos muito antigos, com limitações, baixa eficácia e reações adversas, explica Jadel Katz.

Um dos principais tratamentos para a leishmaniose, por exemplo, é feito com uma substância chamada antimoniato, que mata o protozoário causador da infecção.

"É um tratamento que tem maislvbetcem anos e é muito tóxico. A pessoa entra no tratamento e pode ter problema cardíaco, renal", explica o epidemiologista Guilherme Werneck, doutorlvbetsaúde pública por Harvard e professor da Universidade Estadual do RiolvbetJaneiro (Uerj).

"Há um outro remédio, a Anfotericina B lipossomal, mas que é muito cara e também é bastante tóxica", diz Werneck.

Ethel Maciel explica que a dificuldade não é só para tratamentos, mas tambémlvbetprevenção e diagnóstico.

"No combate à dengue, a formalvbetse combater o vetor (o mosquito transmissor do vírus) é a mesma desde os anos 1980 na maior parte do país", diz ela. No caso da dengue, hoje ainda não há remédio específico e apenas uma vacina, que tem baixa eficácia.

Pesquisa e desenvolvimento

"Para essas doenças é o setor público quem financia mais pesquisas, e isso gera descobertas importantes. Mas para questõeslvbetinovação e tratamento, a parceria com a iniciativa privada é essencial", diz Werneck.

Isso porque, explica Jadel Katz, quando se falalvbetavanços na área da saúdelvbetgeral, normalmente as universidades e instituições públicas fazem a maior parte das chamadas pesquisaslvbetciência básica (estudando os agentes causadores e como combatê-los).

O estudo sobre a criação e aplicaçãolvbetremédios propriamente ditos acaba ficando com a iniciativa privada, que tem mais dinheiro e estrutura - além do interesse econômico nisso. "Eles cuidam mais dessa etapa onde há as questões regulatórias, os testes clínicos, que exigem participaçãolvbetpacientes, dinheiro", diz Katz.

Além disso, há uma terceira etapa,lvbetfabricação, que exige infraestruturalvbetprodução.

No caso das doenças negligenciadas, no entanto, praticamente toda a pesquisa e desenvolvimento é feita pelo setor público ou por instituições sem fins lucrativos, principalmente estrangeiras.

Pernalvbetpessoa afetada por hanseníase

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

A hanseníase é uma das doenças que atingem milhareslvbetpessoas mas são negligenciadas pela indústrialvbetremédios

"É uma área extremamente dependentelvbetinvestimento público", explica Sinval Brandão.

Mas mesmo que o setor público e a academia invistamlvbetpesquisa, o avanço é muito mais difícil sem a infraestrutura da indústria, principalmente na criaçãolvbettratamentos e na fabricaçãolvbetremédios.

No Brasil, instituições públicas como o laboratóriolvbetremédios Farmanguinhos, da Fiocruz, fazem esse trabalho, mas elas ainda são poucas e não conseguem ter um nívellvbetprodução comparável ao da iniciativa privada.

"Já que não é um business (negócio) puro, é preciso ter alternativaslvbetdesenvolvimento", diz Katz. "Trazer parceiros para conversar, tanto na esfera governamental elvbetciência básica, quanto pensandolvbetter um parceiro industrial. É preciso ter diferentes parceiros, que dominam diferentes estágioslvbetprodução."

Queda no investimento

No Brasil, há uma grande preocupação com a quedalvbetinvestimentos do governo nessas doenças.

Segundo o relatório da G-Finder sobre investimentolvbetpesquisa e desenvolvimento (P&D)lvbetdoenças negligenciadas, o investimento no Brasil caiu muito nos últimos anos - apesarlvbetter crescido no mundo, onde atingiu seu maior patamarlvbet2017.

De acordo com a pesquisa, publicada na semana passada, o totallvbetinvestimento na área no Brasil foilvbetR$ 29 milhõeslvbet2017, 42% a menos do quelvbet2016, o que tirou o Brasil da listalvbetdoze maiores financiadores globais.

"Sentimos diretamente essa redução nos cortes orçamentários", afirma Sinval Brandão, da SBMT. "A reduçãolvbetinvestimento, que já se vinha sentindo nos últimos anos,lvbet2017 e 2018 foi muito maior, interrompendo projetos e fechando laboratórios."

De acordo com o relatório, entre 2016 e 2017 a diminuição no financiamento público foi resultado do tetolvbetgastos estabelecido pelo governo, que causou corteslvbetduas agências financiadoras: o Banco Nacional do Desenvolvimento Social (BNDES), que teve uma reduçãolvbetR$ 15 milhões no investimento; e a FundaçãolvbetAmparo à Pesquisa do EstadolvbetSão Paulo (Fapesp), que cortou R$ 14 milhões.

"Essa redução geral é extremamente significativalvbetuma área que tem tão pouco interesse do setor privado", afirma Brandão.

Isso afetou praticamente todas as patologias negligenciadas consideradas prioritárias pelo Ministério da Saúde no Brasil.

O investimentolvbetpesquisas sobre malária caiu 15%. Para leishmaniose, a reduçãolvbetverbas foilvbet63%. Para tuberculose, o corte foilvbet45%.

Para doençalvbetChagas - problema para o qual o Brasil foi, durante cinco anos, o segundo maior financiadorlvbetpesquisas - o corte foilvbet74%.

Só duas doenças tiveram aumento no investimento. Uma delas foi a dengue, que cresceu 41%.

A outra foi a esquistossomose, que teve um aumento considerável,lvbetR$ 500 millvbet2016 para R$ 2,8 milhõeslvbet2017 - aumentolvbet460%. Segundo o Ministério da Saúde, cercalvbet1,5 milhõeslvbetpessoas viveremlvbetáreas sob riscolvbetcontrair a doença.

O que diz o governo

Quando aprovou o tetolvbetgastos,lvbet2016, o governo disse reiteradamente que o limite no orçamento não afetaria as áreaslvbetsaúde e educação – vários defensores da medida fizeram essa afirmação, incluindo os ministros Henrique Meirelles (que estava no Ministério da Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento).

Questionado pela BBC News Brasil, o Ministério do Planejamento afirmou que quem deveria se pronunciar sobre o assunto é o Ministério da Saúde. "O dinheiro sai do orçamento para o órgão. Ele é que decide onde e como gastar", disse a pasta,lvbetnota.

Idoso deitado na camalvbetambiente insalúbre

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

São doenças que têm a transmissão facilitada por condições ambientais, como umidade

Já o Ministério da Saúde diz que seu DepartamentolvbetCiência e Tecnologia (Decit) não fez corteslvbetdoenças negligenciadas e que mantém pesquisas por meioslvbetparcerias com órgãos governamentais como CNPq e Finep, mas que não responde por cortes feitos por agências financiadoras.

O ministério também afirma que o Brasil tem "alta cargalvbetdoenças não-transmissíveis, além das doenças transmissíveis e negligenciadas".

"Isto faz com que os recursos para pesquisa sejam destinados para diversas frenteslvbetconhecimento. Em relação especificamente às doenças negligenciadas, podem ocorrer destinaçõeslvbetrecursos maiores ou menores para determinadas doenças a partirlvbetnecessidades específicas. Por exemplo,lvbet2016 e 2017, com a emergêncialvbetZika, houve investimento maiorlvbetpesquisas relacionadas ao mosquito Aedes aegypti."

A pasta destaca dados do relatório G-Finder que apontam o Decit como com um dos maiores financiadoreslvbetpesquisas relacionadas a controle vetorial do mosquitolvbet2017. Diz ainda que outras áreas do Ministério da Saúde e do Governo Federal "financiam pesquisas, e não estão contemplados no relatório", mas não especificou quais, para quais doenças e nem quanto foi investido.

No entanto, o ministério destacou uma listalvbetaçõeslvbetcombate às doenças negligênciadas que não envolvem pesquisa e desenvolvimento (e por isso não estão no relatório G-Finder), como "repasses extras anuais superiores a R$ 10 milhões para intensificação das açõeslvbetcontrole da malária nos Estados com maior registrolvbetcasos".

"Quanto à hanseníase, o Ministério da Saúde realiza anualmente campanha para alertar a população sobre sinais da doenças, estimular a procura pelos serviçoslvbetsaúde e mobilizar profissionaislvbetsaúde na busca ativalvbetcasos, favorecendo assim o diagnóstico precoce, o tratamento oportuno e a prevenção das incapacidades", diz a pasta,lvbetnota.

O órgão também destacou o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como ProblemalvbetSaúde Pública, lançado no ano passado, e a "atuaçãolvbetconjunto com as secretarias estaduais e municipaislvbetsaúde no controle das leishmanioses", além do diagnóstico e tratamento gratuito oferecido no SUS para as doenças.