'Bolsonaro adota medidas do manual1xbetttChávez': entenda semelhanças e diferenças entre Brasil e Venezuela:1xbettt

  • Mariana Sanches - @mariana_sanches
  • Da BBC News Brasil1xbetttWashington
Jair Bolsonaro e Hugo Chávez batem continência
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Tanto Bolsonaro quanto Chávez fizeram carreira militar e tiveram problemas disciplinares que os levaram a deixar as Forças Armadas

1xbettt A reportagem abaixo, publicada originalmente1xbetttagosto1xbettt2021, voltou a circular1xbetttoutubro1xbettt2022, depois que o presidente Jair Bolsonaro disse que recebeu propostas para aumentar o número1xbetttministros do Supremo Tribunal Federal e que pode discutir o tema após as eleições. A sugestão foi comparada por muitos - inclusive pelo empresário João Amoêdo (Novo), candidato à presidência1xbettt2018 - ao que aconteceu na Venezuela.

Línea

Em 181xbetttoutubro1xbettt2018, poucos dias antes do segundo turno da eleição presidencial que o confirmaria como o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro foi ao Twitter e se dirigiu aos brasileiros. "Sempre dissemos que não existe salvador da pátria, mas graças a união do brasileiro temos a chance real1xbetttnão virarmos a próxima Venezuela. Juntos, daremos o pontapé para fazermos do Brasil uma das mais respeitáveis potências mundiais", escreveu o então candidato pelo PSL.

Ali, ele repetia um dos temas mais frequentes em1xbetttcampanha eleitoral: o medo dos brasileiros1xbetttque a crise política, econômica e social que assolou o país vizinho1xbetttdecorrência das políticas do regime chavista pudessem se replicar no Brasil.

No imaginário da população brasileira, o colapso da Venezuela ganhava cores cada vez mais vivas com a chegada1xbetttmassa1xbetttmigrantes do país via Pacaraima,1xbetttRoraima,1xbetttfuga da fome. "Vamos vencer e quebrar a engrenagem que quer nos tornar uma Venezuela!", tuitou o candidato1xbettt101xbetttoutubro1xbettt2018,1xbetttoutro exemplo dentre as dezenas1xbetttmensagens sobre o assunto que ele disparou naquele ano.

Mais1xbetttdois anos e meio após a posse1xbetttBolsonaro, no entanto, especialistas1xbetttpolítica latino-americana ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o atual presidente brasileiro é o líder mais próximo ao estilo1xbetttHugo Chávez que o Brasil já teve no período democrático recente. "Bolsonaro se cercou1xbetttmilitares, cria embate com outros poderes, desacredita o processo eleitoral e tenta calar a imprensa. Todas medidas tiradas do manual chavista", afirmou à BBC News Brasil Jorge Castañeda, ex-ministro1xbetttRelações Exteriores do México e professor da New York University.

As semelhanças entre ambos não se esgotam nas coincidências biográficas ou no modo como souberam explorar as redes sociais e a imagem1xbetttoutsiders para conquistar os eleitores.

Com mais ou menos sucesso, ambos operaram avanços sobre as Supremas Cortes e apostaram nos embates com instituições democráticas, especialmente com a imprensa. Ambos ainda incentivaram ou promoveram o armamento da população civil e militarizaram o Estado ao mesmo tempo1xbetttque interferiam1xbetttórgãos investigativos, expurgavam servidores públicos não alinhados e tentavam levar os dados oficiais a apoiar narrativas1xbetttseus governos, nem sempre condizentes com a realidade.

Migrantes venezuelanos caminhando1xbetttestrada

Crédito, Getty Images

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Venezuela vive a maior crise1xbetttcrise recente1xbetttmigração da história da América Latina

"Em 2018, baseado no meu trabalho sobre líderes populistas e militares na democracia na América Latina, eu já dizia que Bolsonaro era a figura que mais se parecia com Chávez no Brasil e isso se mantém", afirmou à BBC News Brasil Harold Trinkunas, especialista1xbetttpolítica latino-americana da Universidade Stanford e da Brookings Institution.

Trinkunas explica: "Apesar1xbetttdefenderem ideologias obviamente diferentes, os dois são líderes populistas. Os populistas alegam conhecer e defender a vontade do povo e argumentam que são as instituições e as elites os empecilhos para que eles as coloquem1xbetttprática. O viés antielites e anti-instituições1xbetttBolsonaro é tão claro quanto era1xbetttChávez".

O Coronel e o Capitão

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Episódios

Fim do Podcast

Embora tenha adotado Chávez como um1xbetttseus antagonistas principais na eleição presidencial, Bolsonaro admitiu1xbettt1999 beber da fonte chavista em1xbetttformação política. Em uma entrevista ao jornal O Estado1xbetttS. Paulo, o então deputado federal afirmou que "Chávez é uma esperança para a América Latina e gostaria muito que essa filosofia chegasse ao Brasil". Na ocasião, o deputado admitiu que pretendia ir ao país vizinho para tentar ser recebido1xbetttvisita no Palácio Presidencial1xbetttMiraflores.

"Acho que ele [Chávez] vai fazer o que os militares fizeram no Brasil1xbettt1964, com muito mais força. Só espero que a oposição não descambe para a guerrilha, como fez aqui", analisou o então deputado federal Bolsonaro, filiado ao PPB, atual PP. Em 2020, já presidente, Bolsonaro repetiu,1xbetttuma live, que achou "maravilhoso" ver Chávez vencer as eleições. "Depois fez besteira, e virei opositor, como sou ao governo Maduro", disse.

Chávez reconhece ao vivo na TV que1xbettttentativa1xbetttgolpe1xbetttEstado,1xbettt1992, falhou

Crédito, Reproducao BBC

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Chávez reconhece ao vivo na TV que1xbettttentativa1xbetttgolpe1xbetttEstado,1xbettt1992, falhou

Chávez e Bolsonaro têm origem parecida. Ambos nasceram1xbetttcidades pequenas e1xbetttinterior1xbetttseus países, tiveram infância simples e ingressaram jovens1xbetttacademias militares, onde fariam carreira. O primeiro chegou a coronel. O segundo, a capitão. E os dois incorreram1xbetttfaltas disciplinares graves, o que os afastou da carreira nas Forças Armadas e os lançou definitivamente na política.

No caso1xbetttChávez,1xbettt1992, como tenente-coronel, ele comandou subordinados na tentativa1xbetttdar um golpe1xbetttEstado na Venezuela. O ato, mal-sucedido, o levou à prisão por dois anos. Posteriormente, Chávez acabaria anistiado.

Bolsonaro se manifestou publicamente por melhorias salariais para as Forças1xbettt1986, uma tomada1xbetttposicionamento político público que lhe rendeu 15 dias1xbetttprisão. No ano seguinte, ainda1xbetttprotesto, teria arquitetado um plano para explodir adutoras1xbetttabastecimento1xbetttágua do Rio1xbetttJaneiro. Em 1988, foi julgado pelo Superior Tribunal Militar, que considerou não haver provas suficientes para condená-lo. Naquele mesmo ano, ele passou à reserva e se elegeu como vereador no Rio1xbetttJaneiro.

Bolsonaro no Exército

Crédito, Reprodução/Instagram/@jairmessiasbolsonaro

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Quando estava no Exército, Bolsonaro já dizia que queria ser presidente

Outsiders1xbetttterra arrasada

Depois1xbetttsua tentativa1xbetttgolpe, Chávez levaria mais seis anos para se converter no "Comandante", como era chamado já na Presidência1xbetttseu país. Para Bolsonaro, o caminho foi mais longo: levou 30 anos até que ele se convertesse1xbettt"Mito" e passasse a ocupar o Palácio do Planalto. Há, no entanto, uma enorme coincidência1xbetttcontextos que favoreceram as vitórias presidenciais1xbetttcada um deles.

"Ambos são políticos que chegam ao auge do poder1xbetttuma terra arrasada. Há um profundo sentimento1xbetttfim1xbetttfesta nos dois países, uma aguda crise econômica, política e social que explica essa ascensão", afirma a cientista política Daniela Campello, da Fundação Getúlio Vargas.

Hugo Chávez

Crédito, Getty Images

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Hugo Chávez governou a Venezuela durante 14 anos e chegou a sofrer uma tentativa1xbetttgolpe

No fim dos anos 1990, a Venezuela já não era um dos países mais ricos do mundo, como fora entre 1950 e 1980, período que lhe rendeu o apelido1xbettt"Venezuela saudita". Nos anos 1970, graças às suas reservas petrolíferas, os venezuelanos tinham o maior poder1xbetttcompra entre os países América Latina — quase três vezes maior que o dos brasileiros —, segundo um índice da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Tudo mudou na década1xbettt1980, com a flutuação do preço do petróleo. Com menos dinheiro, problemas históricos ficaram evidentes: a falta1xbetttacesso à educação para a população1xbetttbaixa renda, o aumento da pobreza1xbetttmeio à escalada da inflação, a corrupção e o desvio1xbetttdinheiro público das elites políticas do país. Em 1989, o Exército é chamado a reprimir uma enorme manifestação popular1xbetttCaracas, o Caracaço. Uma multidão revoltada e faminta, que saqueava e depredava tudo o que havia, acabou massacrada pelos militares.

Chávez surge nesse contexto, como um outsider, alguém que propõe mudanças e lidera uma recém-criada agremiação, o Movimento Quinta República, com a qual se elege e derrota os dois partidos que polarizavam a eleição havia quatro décadas na Venezuela. Chávez só viria a formalizar um partido próprio1xbettt2006, o Partido Socialista Unido da Venezuela.

Do mesmo modo, Bolsonaro encerra um período1xbetttmais1xbetttduas décadas1xbetttvitórias presidenciais1xbetttPT e PSDB, cujas imagens sofreram fortes abalos após as investigações da Operação Lava Jato. Mas não era só: o país também enfrentava a pior recessão econômica desde 1948. E embora Bolsonaro fosse deputado por quase três décadas, jamais tivera expressão nacional e surgia como uma figura alternativa, à frente1xbetttum até então partido nanico, o PSL, cuja sigla os brasileiros mal conheciam.

Capa do livro “Populista”, na qual Chávez e Bolsonaro aparecem frente a frente

Crédito, Reprodução

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Will Grant retoma histórico populista da América Latina, que perpassa Chávez e Bolsonaro

"Não estou dizendo nem vagamente que os dois são a mesma pessoa, mas não dá pra ignorar que existem traços claros1xbetttpoder1xbetttChávez que deságuam1xbetttBolsonaro e que,1xbetttcerta medida, superam esses dois personagens e remontam a toda uma tradição política latino-americana", afirma o correspondente da BBC na América Latina Will Grant, autor do recém-lançado Populista: the rise of Latin America's 21st Century Strongman, ou,1xbettttradução livre, Populista: a chegada ao poder dos caudilhos da América Latina no século 21,1xbetttcuja capa Chávez e Bolsonaro se encaram.

Ataques à Suprema Corte e às instituições

"Sou apenas um homem, um soldado, um patriota". A frase, que pelo estilo e pelos valores que evoca facilmente caberia na boca1xbetttBolsonaro, na verdade foi enunciada por Chávez. "O soldado que vai à guerra e tem medo1xbetttmorrer é um covarde!" A afirmação poderia ser atribuída à Chávez, mas foi dita por Bolsonaro,1xbetttseu terceiro ano1xbetttmandato como presidente,1xbetttmeio ao embate contra o Tribunal Superior Eleitoral sobre a impressão do voto.

"Uma vez no poder, tanto Bolsonaro quanto Chávez mantêm a retórica do maniqueísmo, do bem contra o mal, para surfar os sentimentos da população contra o establishment, e a estratégia1xbetttmanter vivo o conflito institucional para tentar esticar os limites1xbetttseus poderes", afirma o cientista político Fernando Bizzarro, da Universidade Harvard.

Um dos alvos centrais1xbetttambos os presidentes1xbetttsuas investidas contra as instituições são as Supremas Cortes1xbetttcada país.

Chávez acusava o Tribunal Constitucional venezuelana1xbetttgolpismo e corrupção e dizia que os juízes da Corte atentavam contra os interesses nacionais. Em 2003, ele finalmente conseguiu fazer com que a Assembleia Nacional aprovasse,1xbetttplena madrugada, uma lei que permitia o aumento do tribunal1xbettt20 para 32 ministros. Além1xbetttpovoar a corte com aliados, Chávez conseguiu também que a nova lei permitisse o afastamento1xbetttoutros ministros por decisão do governo1xbetttcasos1xbetttque suas condutas ferissem "o interesse nacional". Na prática, a regra se tornou um salvo-conduto para que Chávez e, posteriormente, seu sucessor Nicolás Maduro tirassem juízes que tomassem medidas que os desagradassem.

Reprodução1xbetttvídeo no Facebook mostra Bolsonaro, sentado, falando no microfone com livros atrás

Crédito, Reprodução/Facebook

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Bolsonaro prometeu para 'live bomba' a apresentação1xbetttprovas1xbetttfraudes nas eleições — mas não apresentou

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro chegou a defender o aumento no número dos juízes, dos 11 atuais para 21. "É uma maneira1xbetttvocê colocar dez isentos lá dentro porque, da forma como eles têm decidido as questões nacionais, nós realmente não podemos sequer sonhar1xbetttmudar o destino do Brasil", disse Bolsonaro1xbetttentrevista,1xbetttjulho1xbettt2018, à TV Cidade,1xbetttFortaleza. Já no governo,1xbettt2020, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, chegou a dizer1xbetttuma reunião ministerial que ministros do STF deveriam ser presos.

O próprio presidente colecionou duros embates com diversos ministros da Corte. O mais recente deles tem sido com o ministro Barroso, a quem já chamou1xbetttidiota e mentiroso, e com Alexandre1xbetttMoraes, a quem qualificou como "ditatorial" e alertou que "a hora dele vai chegar".

Bolsonaro não ficou só1xbetttataques verbais. Em seu primeiro ano1xbetttgoverno, tentou emplacar na Reforma da Previdência uma regra que retirava a especificação1xbetttidade-limite para a aposentadoria dos integrantes do STF. A ideia seria determinar uma nova idade, menor do que a atual, via lei complementar. Assim, ele abriria uma grande quantidade1xbetttvagas para nomear nomes alinhados aos seus interesses.

A manobra, no entanto, foi detectada pelo Congresso, que a desmontou. Esse ano, conforme a previsão legal, Bolsonaro deverá nomear seu segundo ministro (o primeiro foi Kássio Nunes Marques),1xbetttsubstituição a Marco Aurélio Mello. O indicado é André Mendonça, ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça sob Bolsonaro.

Interferência1xbetttórgãos1xbetttinvestigação

Em outra frente, Bolsonaro desfez regras tácitas sobre a definição dos comandos1xbetttórgãos1xbetttinvestigação e controle. Ele ignorou a lista tríplice do Ministério Público Federal, na qual os procuradores indicam três lideranças da carreira aptas a assumir o posto1xbetttProcurador-Geral, e nomeou para o posto um aliado, Augusto Aras. Embora seja uma prerrogativa do presidente, uma intervenção como essa no órgão1xbetttinvestigação não acontecia desde o início do governo1xbetttLula,1xbettt2003, e foi recebida como um golpe sobre a autonomia investigativa do órgão.

Reunião ministerial no Palácio do Planalto1xbettt221xbetttabril

Crédito, Marcos Corrêa / PR

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Em imagens da reunião, o então ministro Sergio Moro aparece com o semblante carregado

Do mesmo modo, o então ministro da Justiça1xbetttBolsonaro, Sergio Moro, se demitiu acusando o presidente1xbettttentar interferir na autonomia investigativa da Polícia Federal. De acordo com Moro, Bolsonaro queria trocar a chefia nacional e o comando1xbetttsuperintendências estaduais da PF, como a do Rio1xbetttJaneiro, sem apresentar uma justificativa plausível para isso. O presidente reiterou que a mudança era uma prerrogativa1xbetttseu cargo.

Desde a posse1xbetttBolsonaro, já houve quatro nomeações para chefes da PF, além1xbetttafastamentos locais, como o do delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente do Amazonas, retirado do cargo um dia após pedir que o STF investigasse o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, um dos mais fiéis aliados ao presidente.

Bolsonaro, no entanto, não inventou a estratégia. Em 2000, Chávez conseguiu aprovar na Assembleia Nacional seu então vice-presidente, Isaías Rodriguez, para o posto equivalente ao1xbetttprocurador-geral, desalojando da cadeira um servidor que questionara a legalidade1xbetttalgumas ações1xbetttseu governo.

De acordo com a oposição ao regime chavista, os órgãos1xbetttinvestigação passaram a se comportar1xbetttmaneira totalmente comprometida com os interesses do mandatário. A nova procuradoria sob Chávez passou a considerar críticas ao governo como atentados aos interesses nacionais.

No Brasil1xbetttBolsonaro, algo semelhante aconteceu. O então ministro da Justiça, André Mendonça, pediu à Polícia Federal investigação1xbetttcríticos do governo sob a alegação1xbetttque feriam a Lei1xbetttSegurança Nacional. Um dos alvos foi o ex-ministro Ciro Gomes, investigado por ter dito que "Bolsonaro para mim é um boçal, irresponsável e criminoso. E ladrão". Inquéritos semelhantes também surgiram por iniciativa1xbetttpolícias locais. A Polícia Civil do Rio chegou a abrir apuração contra o youtuber Felipe Neto por ele ter chamado Bolsonaro1xbettt"genocida".

Armamento da população civil

bolsonaro usando tripé para simular arma

Crédito, REPRODUÇÃO/YOUTUBE

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Bolsonaro é um entusiasta do armamento da população

"O melhor exército que pode existir para conseguir a liberdade é o povo armado. Eu não quero ditadura no Brasil, quero liberdade", disse Bolsonaro, durante reunião ministerial,1xbettt2020. E seguiu: "Eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo!"

Desde o início do governo, Bolsonaro tem editado decretos que facilitam o acesso da população civil ao armamento. Boa parte deles têm sido barradas no STF. Ainda assim, o número1xbetttarmas entre civis no Brasil bate recorde. Nos dois primeiros anos do governo do governo Bolsonaro, 274 mil novas armas1xbetttfogo foram registradas, um aumento1xbettt183%1xbetttrelação ao total1xbetttnovos registros no biênio anterior e o maior patamar da série histórica, medida desde 2009.

As justificativas dadas por Bolsonaro para expandir o acesso ao armamento à população civil — a necessidade1xbetttdefender a liberdade do povo e a soberania do país — ressoam àquelas dadas por Chávez,1xbettt2006, quando deliberadamente iniciou a formação1xbetttuma milícia, que hoje conta com quase 1 milhão1xbetttcivis, como ele mesmo planejava.

"A Venezuela precisa ter 1 milhão1xbettthomens e mulheres bem equipados e bem armados", disse o líder venezuelano, após ter negociado a importação1xbettt100 mil fuzis da Rússia e fechar acordo bilionário com a Espanha para a compra1xbetttequipamentos militares. "Peço permissão para comprar outro carregamento1xbetttarmas, porque os gringos querem nos desarmar. Temos1xbetttdefender nossa pátria", complementou Chávez.

Membros da Milícia Bolivariana

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A Milícia Bolivariana é formada por civis partidários do governo socialista armados e treinados

A milícia1xbetttChávez é uma espécie1xbetttexército paralelo e político e foi gestada depois da tentativa1xbetttgolpe sofrida por ele1xbettt2002, quando ficou claro que apenas o Exército poderia não ser o bastante para assegurá-lo no comando. Os alistados na milícia são pessoas comuns, que recebem um treinamento1xbettt5 dias1xbettttiro, disciplina militar e doutrina nacional. Na prática, funcionam também como olheiros do regime para qualquer sinal1xbetttsublevação social.

O governo Chávez também distribuiu armas para os chamados coletivos, grupos paramilitares politicamente alinhados aos partidos e que já se envolveram1xbetttatos mais extremos.

"A comparação tem limites porque embora haja a flexibilização para acesso a armas no caso1xbetttBolsonaro, não há um planejamento, uma organização hierárquica orientando o contingente1xbetttpessoas que compra essas armas. No caso1xbetttChávez, não. Ele realmente preparou a população para a Guerra Civil", diz Rafael Ioris, cientista político da Universidade do Colorado.

A despeito do discurso favorável ao armamento1xbetttgrupos específicos e aliados, Chávez lançou campanha1xbetttredução à circulação1xbetttarmas entre a população1xbetttgeral, restringindo o acesso a elas às Forças Armadas, às milícias e aos coletivos. A tentativa1xbetttdesarmamento foi, aliás, uma das raras pautas1xbetttque chavistas e a oposição concordaram e trabalharam juntos.

Perseguição a funcionários públicos não alinhados

A gestão Chávez ficou marcada por perseguições a funcionários públicos não alinhados ao regime. Em novembro1xbettt2006, o canal televisivo RCTV chegou a transmitir imagens do então ministro da Energia1xbetttChávez dizendo aos funcionários da empresa estatal1xbetttpetróleo, a PDVSA, que eles deveriam se demitir se não apoiassem a agenda política do presidente.

Ricardo Galvão

Crédito, Ricardo Galvão / Arquivo pessoal

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O físico Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe, foi demitido mesmo tendo um mandato

No Brasil, situações semelhantes têm acontecido. Uma das mais notórias foi a demissão,1xbettt2019, do então diretor do Instituto Nacional1xbetttPesquisas Espaciais (Inpe) Ricardo Galvão. Embora tivesse um mandato, Galvão foi dispensado depois1xbetttdivulgar dados sobre o desmatamento na Amazônia que desagradaram Bolsonaro.

Na ocasião, o presidente chegou a afirmar que Ricardo Galvão estava "agindo a serviço1xbetttuma ONG". "Com toda a devastação que vocês nos acusam1xbetttestar fazendo e1xbetttter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido", declarou Bolsonaro.

Em outro caso com paralelo na Venezuela sob Chávez, Bolsonaro tem descumprido uma regra tácita, que vigorava desde os anos 1990,1xbetttnomeação do reitor1xbetttuniversidades federais. Historicamente, o nomeado é eleito pelos professores, funcionários e alunos das instituições. Bolsonaro, no entanto, tem optado por exercer o direito1xbetttescolher seus nomes preferidos, eventualmente até mesmo fora da lista tríplice elaborada pelas universidades.

Segundo cálculo da Folha1xbetttS.Paulo, isso já aconteceu ao menos1xbetttum quarto das nomeações. Embora não haja uma explicação oficial para tais decisões, a leitura das universidades é1xbetttque há interferência política na gestão universitária. Em março1xbettt2019, Bolsonaro deixou claro que agiria conforme suas possibilidades e se justificou: "O ambiente acadêmico com o passar do tempo vem sendo massacrado pela ideologia1xbetttesquerda que divide para conquistar e enaltece o socialismo e tripudia o capitalismo. Neste contexto, a formação dos cidadãos é esquecida e prioriza-se a conquista dos militantes políticos".

Também1xbettt2019, o sucessor1xbetttChávez, Nicolás Maduro, obteve uma vitória no Tribunal Supremo do país para alterar as regras1xbetttvotação1xbetttreitores1xbetttuniversidades nacionais e retirar o peso dos professores na escolha. O ambiente acadêmico venezuelano é considerado pelo governo como um dos últimos bastiões1xbetttoposição à chamada revolução bolivariana.

Polêmicas com estatísticas oficiais

Em maio1xbettt2020, o governo1xbetttNicolás Maduro anunciou o que foi tomado como um "absurdo" pela Universidade John Hopkins: a Venezuela teria tido, até então, apenas 10 mortos por covid-19. O líder venezuelano defendia que seu combate à pandemia — baseado1xbetttparte no uso da cloroquina, um medicamento cuja ineficácia foi comprovada e que também foi adotado por Bolsonaro como tratamento para covid-19 no Brasil — era um grande sucesso.

A médica da Universidade Jonh Hopkins Kathleen Page, que entrevistou equipes1xbetttsaúde venezuelanas para o relatório da instituição sobre a pandemia, disse à AFP que se tratava1xbetttum dado falso. Em uma estimativa conservadora, segundo ela, o número1xbetttóbitos pelo vírus no país chegaria "em pelo menos 30 mil" naquele momento.

Maduro fala para militares1xbetttcomemoração1xbetttrevolta liderada por Chávez

Crédito, Reuters

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Maduro fala para militares1xbetttcomemoração1xbetttrevolta liderada por Chávez

Os dados sobre mortalidade da covid-19 se tornaram apenas o exemplo mais recente da falta1xbetttconfiabilidade das estatísticas do governo Chávez-Maduro. O problema se acentuou conforme o país se aprofundava na crise. A Venezuela passou ao menos dois anos sem publicar dados sobre mortalidade infantil, por exemplo, para não dar munição aos que criticam o regime. Chávez chegou a expulsar do país integrantes1xbetttorganismos internacionais, como a Human Rights Watch, que denunciavam os problemas nos dados, entre outras críticas ao governo venezuelano.

No caso brasileiro, o governo Bolsonaro foi duramente criticado quando, na gestão do ministro Eduardo Pazuello, tentou alterar o cálculo1xbetttvítimas da covid-19 no Brasil. Em junho1xbettt2020, o governo deixou1xbetttdivulgar os dados completos1xbetttmortalidade e o histórico1xbetttvítimas da pandemia, e manteve acessíveis apenas os dados sobre óbitos registrados nas 24h anteriores, o que reduzia drasticamente o dado. Alterou ainda o horário1xbetttdivulgação dos boletins epidemiológicos, das 19h para as 22h. Ao comentar o assunto pela primeira vez, Bolsonaro afirmou: "Acabou matéria no Jornal Nacional."

Reportagem do Guardian sobre Brasil

Crédito, Reprodução/Guardian

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Jornal britânico The Guardian disse que governo brasileiro foi acusado1xbettt`totalitarismo e censura` ao mudar metodologia1xbetttnúmeros1xbetttcovid-19

Diante do apagão1xbetttdados, o site da Universidade John Hopkins chegou a tirar o Brasil1xbetttsua contagem. E órgãos1xbetttimprensa criaram um consórcio para apurar os números junto aos Estados. Os dados do Conselho Nacional1xbetttSecretarias1xbetttSaúde (Conass) passaram a balizar as análises. Diante da pressão, o governo recuou.

Essa, no entanto, não foi a primeira vez que a gestão Bolsonaro se debateu com dados oficiais negativos. Como mostra o caso da demissão do diretor do Inpe, o governo federal tentou repetidas vezes alterar a forma1xbetttcálculo e divulgação dos dados sobre a devastação ambiental. Recentemente, chegou a anunciar que o monitoramento ficaria sob responsabilidade do Ministério da Agricultura. Diante das críticas — já que o desmatamento é impulsionado justamente por atividades1xbetttparcela do setor ruralista — o governo voltou atrás.

Há outros exemplos. No fim1xbetttjulho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, atacou o Instituto Brasileiro1xbetttGeografia e Estatística (IBGE) diante da nova estatística1xbetttdesemprego — que aponta 15 milhões1xbetttbrasileiros sem emprego. Segundo Guedes, o IBGE "está na idade da pedra lascada" e seu dado não deveria ser considerado. O governo também não destinou recursos suficientes para realização do Censo populacional, atrasado1xbetttdois anos.

Militares no poder

"A chegada1xbetttChávez e Bolsonaro à Presidência marca também o retorno, com força, dos militares à máquina do Estado. A verdade é que até esse momento, os militares já não faziam parte da política cotidiana nem no Brasil, nem na Venezuela", afirma Fernando Bizzarro, da Universidade Harvard.

Tanto Venezuela quanto Brasil viveram períodos1xbetttditadura militar. Mas no caso venezuelano, o regime havia se encerrado1xbettt1958, o que significa que os militares estavam fora do centro nervoso político há mais1xbettt40 anos quando Chávez ascendeu.

Soldados venezuelanos desfilando

Crédito, AFP

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Em um país marcado pela instabilidade política e escassez1xbetttbens básicos, militares controlam os mais diversos setores da economia

O histórico brasileiro é mais complexo. A ditadura se encerrou1xbettt1984, e o retorno dos militares a funções centrais no Estado é iniciado pela gestão1xbetttMichel Temer. Impopular e diante1xbetttuma crise econômica, Temer recria o GSI, um órgão1xbetttsegurança nacional que controla a Abin (Agência Brasileira1xbetttInteligência) extinto1xbettt2015. Para o comando da pasta, ele nomeou Sérgio Etchegoyen, que até então ocupava o cargo1xbetttChefe do Estado-Maior do Exército e passou a ser uma das vozes mais influentes do círculo do presidente.

Esse teria sido o ponto1xbetttinício1xbetttum processo que Bolsonaro aprofundaria1xbetttmaneira que não encontra paralelos nem com a própria ditadura brasileira. Um levantamento feito pelo Tribunal1xbetttContas da União (TCU)1xbettt2020 identificou 6.157 militares da ativa e da reserva1xbetttcargos civis no governo Bolsonaro. O número é mais que o dobro do que havia1xbettt2018, na gestão Temer (2.765) e supera as cifras registradas durante os governos militares no período 1964-84.

Mais do que isso,1xbetttfevereiro1xbettt2020 a BBC News Brasil mostrou que, naquele momento, o Brasil tinha mais militares na chefia1xbetttministérios do que a própria Venezuela.

E embora esse número possa flutuar, o dado aponta o patamar1xbetttimportância que as Forças Armadas adquiriram no governo1xbetttJair Bolsonaro, já que a manutenção do regime chavista se fia hoje basicamente no apoio militar que ainda detém.

Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, a presença1xbetttmilitares na gestão Chávez foi aumentando ao longo dos anos, como resposta a diferentes crises que o governo enfrentava: a tentativa1xbetttgolpe contra Chávez ou uma greve geral na PDVSA (a estatal petrolífera venezuelana). Em contraponto, eles afirmam, Bolsonaro já iniciou a gestão cercado1xbetttmilitares. O resultado, no entanto, é bastante semelhante.

Assim como Bolsonaro, Chávez também investiu no aumento da educação militar no país, nomeou um general para o comando da petroleira estatal, do mesmo modo que Bolsonaro,1xbettt2021, com a Petrobras, e alocou um militar até no Ministério da Saúde, o que Bolsonaro repetiria anos mais tarde com Eduardo Pazuello à frente da pasta.

"Ambos também foram operando expurgos nas Forças Armadas para deixar1xbetttmelhor posição os seus aliados", afirma Daniela Campello, da FGV, citando o caso da demissão do então ministro da Defesa, Fernando1xbetttAzevedo e Silva, e dos três chefes das forças1xbetttmarço1xbettt2021. Para o lugar1xbetttAzevedo e Silva, Bolsonaro indicou o general Walter Braga Netto.

Bolsonaro com militares

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Com Bolsonaro, militares voltaram ao poder sem ruptura institucional

Braga Netto se envolveu1xbetttao menos dois episódios recentes vistos por parlamentares e analistas políticos como intromissão das Forças Armadas na política brasileira. O primeiro, quando admoestou o senador Omar Aziz, por nota, junto aos demais chefes das forças, por comentários do presidente da CPI acerca da "banda podre das Forças Armadas". A CPI investiga o possível envolvimento1xbetttmilitares que ocupavam cargos no Ministério da Saúde1xbetttesquemas fraudulentos1xbetttcompras1xbetttvacina. O segundo quando se posicionou, também por nota,1xbetttfavor do voto impresso, posição também apoiada pelos Clubes Militares.

Bolsonaro tem afirmado publicamente que se não houver voto impresso nas eleições1xbettt2022, não haverá o pleito.

No caso da Venezuela, o preço do apoio dos quartéis a Chávez foi alto. Além do loteamento1xbetttcargos estatais, o chavismo franqueou aos comandantes aliados generosos espaços1xbetttdiferentes setores da economia venezuelana.

O grupo1xbetttmilitares, chamado1xbettt"boliburguesia", a burguesia bolivariana, assumiu o controle da cadeia1xbetttprodução petroleira, além da extração1xbetttoutros minérios, incluindo ouro. Empresas vinculadas aberta ou sigilosamente a comandantes militares firmaram contratos públicos para atuar1xbetttramos tão diversos quanto produção1xbetttalimentos e bens1xbetttconsumo a serviços1xbetttcoleta1xbetttlixo. Esses laços ajudariam a explicar porque o regime se mantém, a despeito da enorme crise. A oposição venezuelana tem acenado com anistia para que os militares troquem1xbetttlado.

No caso do Brasil, os militares como classe já experimentam benefícios bem palpáveis: foram excluídos da reforma da previdência, que impôs mais anos1xbettttrabalho e menor benefício à população brasileira, e são a única categoria que poderá receber reajuste salarial1xbettt2021. Em meio à crise fiscal, o orçamento do Ministério da Defesa tem sido relativamente preservado e chegou a patamares semelhantes ao do Ministério da Educação, por exemplo.

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam ser impossível saber o grau1xbetttcompromisso das Forças Armadas com o projeto1xbetttpoder1xbetttBolsonaro e o quão dispostas estariam1xbetttbancar alguma eventual tentativa1xbetttruptura democrática. "Acredito que isso não aconteceria. Mas, veja, só o fato1xbetttestarmos discutindo aqui o que querem as Forças Armadas do Brasil, que deveriam ser totalmente subordinadas aos civis, já é extremamente preocupante", aponta Trinkunas, da Universidade Stanford.

Braga Netto tem negado que haja uma politização das Forças Armadas.

Relações com a imprensa

"Hugo Chávez foi o primeiro presidente na América Latina a ter perfil consistente nas redes sociais, comunicação que Bolsonaro dominaria anos mais tarde", afirma Campello, da FGV.

Chávez1xbetttum1xbetttseus programas Alô, Presidente

Crédito, Reuters

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Chávez costumava comandar um programa televisivo dominical batizado1xbetttAlô, Presidente

Enquanto Bolsonaro tem encontro direto com o eleitor toda quinta-feira,1xbetttlives1xbetttFacebook, Chávez costumava comandar um programa televisivo dominical batizado1xbetttAlô, Presidente. Em 2020, a equipe1xbetttcomunicação1xbetttBolsonaro chegou a lançar um piloto1xbetttprograma no qual Bolsonaro responderia a perguntas1xbettteleitores, batizado igualmente1xbetttAlô, Presidente. A revelação pela imprensa1xbetttque os supostos entrevistados nesse piloto na verdade não existiam, e que suas fotos eram imagens genéricas compradas1xbetttagência, aliada à comparação com o programa1xbetttChávez, no entanto, fizeram com que a Secretaria1xbetttComunicação abandonasse a ideia.

Nos programas1xbetttChávez e Bolsonaro, o governo se faz ao vivo. O presidente venezuelano chegou a anunciar,1xbettt2008, na TV que enviaria batalhões do Exército para a fronteira com a Colômbia, gerando uma crise diplomática séria com o país vizinho. Já Bolsonaro usa seus programas para endossar aliados fustigados por denúncias, fornecer interpretações sobre fatos políticos que possam ser usados como propaganda por1xbetttmilitância ou defender medidas que quer adotar no governo.

No fim1xbetttjulho, passou mais1xbetttduas horas1xbetttuma live1xbetttdefesa do voto impresso, para a qual não conta com votos no Congresso nem respaldo no Supremo, e apelou até para notícias falsas para argumentar que o atual sistema eleitoral brasileiro não é seguro, Por causa do episódio, Bolsonaro está sob investigação no inquérito das Fake News no STF.

Além disso, como o evento foi retransmitido pela emissora estatal TV Brasil, Bolsonaro foi alvo1xbetttnotícia-crime enviada ao STF por parlamentares petistas, que o acusam1xbettta improbidade administrativa, propaganda eleitoral antecipada e abuso1xbetttpoder político e econômico. A ministra Carmen Lúcia qualificou as acusações como "graves" e pediu parecer à Procuradoria-Geral da República.

Bolsonaro ao lado do humorista Carioca, que tentou distribuir bananas a jornalistas1xbetttfrente ao Palácio da Alvorada

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Bolsonaro ao lado do humorista Carioca, que tentou distribuir bananas a jornalistas1xbetttfrente ao Palácio da Alvorada

A comunicação direta com o eleitor não é só uma preferência dos dois líderes, mas também uma forma1xbetttdriblar perguntas incômodas da imprensa, com quem Chávez e Bolsonaro acumularam embates. Em 2020, Bolsonaro chegou a pôr1xbetttdúvida a renovação da concessão pública da TV Globo, emissora mais vista do país. "Vocês vão renovar a concessão1xbettt2022. Não vou persegui-los, mas o processo vai estar limpo. Se o processo não estiver limpo, legal, não tem renovação da concessão1xbetttvocês, e1xbetttTV nenhuma. Vocês apostaram1xbetttme derrubar no primeiro ano e não conseguiram", disse, acusando a cobertura1xbetttseu mandato1xbetttser "porca"e uma "patifaria".

Chávez foi mais longe. "Não será renovada a concessão para este canal golpista1xbettttelevisão que se chama Radio Caracas Televisión (RCTV)", anunciou1xbettt2006, cumprindo ameaças que fazia não apenas porque o veículo trazia reiteradas denúncias contra seu governo como também porque não dava destaque às manifestações a favor1xbetttChávez na cobertura. A emissora saiu do ar1xbettt2007.

A RCTV chegou a ter alguma sobrevida como canal por assinatura, mas mesmo isso acabou1xbettt2010. Uma determinação da Corte Interamericana1xbetttDireitos Humanos ordenou,1xbettt2015, que a TV fosse reaberta, mas o regime chavista ignorou a decisão. O governo1xbetttChávez também abriu investigações administrativas contra outros veículos1xbetttimprensa quando avaliava que a cobertura não lhe era favorável, segundo relatórios da ONG Human Rights Watch. Tais processos resultaram algumas vezes1xbetttsufocamento financeiro desses órgãos1xbetttimprensa. Em outras situações, o governo usou seu poder1xbetttfinanciamento por meio1xbetttcompra1xbetttanúncios para obter a simpatia1xbetttveículos em1xbetttcobertura.

Entre 2003 e 2019, ao menos 200 órgãos1xbetttimprensa, entre emissoras1xbetttrádio e televisão e jornais, tiveram seus trabalhos interrompidos. E,1xbetttacordo com o levantamento do Instituto Prensa y Sociedad, que monitora as condições1xbettttrabalho da imprensa no país, houve ao menos 213 violações ao trabalho jornalístico apenas no primeiro semestre1xbettt2021, entre elas dez prisões arbitrárias1xbetttrepórteres.

Pela primeira vez1xbettt20 anos, o relatório da ONG Repórteres sem Fronteiras colocou o Brasil na zona vermelha, a mais restrita1xbettttermos1xbetttliberdade1xbetttimprensa, a mesma1xbetttque está a Venezuela. No relatório, no entanto, a ONG destaca que a situação venezuelana (em 148º lugar num ranking1xbettt180 países) segue sendo pior do que a do Brasil (111ª posição). "O trabalho da imprensa brasileira tornou-se especialmente complexo desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente,1xbettt2018. Insultos, difamação, estigmatização e humilhação1xbetttjornalistas passaram a ser a marca registrada do presidente brasileiro", afirma o relatório1xbettt2021 da organização.

As relações1xbetttBolsonaro com a imprensa se revelam também por meio da maneira como o governo federal aloca seus recursos publicitários.

Um relatório do Tribunal1xbetttContas da União1xbettt2020 mostrou que, sem demonstrar os critérios para as decisões, a gestão Bolsonaro cortou1xbettt60% a verba destinada à propaganda federal na TV Globo, líder1xbetttaudiência. Por outro lado, os repasses para SBT e TV Record, cuja linha editorial é considerada menos crítica ao governo, aumentaram1xbetttcerca1xbettt25% para cada uma delas.

Tercio Arnaud Tomaz e o presidente Jair Bolsonaro

Crédito, Facebook/Reprodução

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Segundo investigadores, Tercio Arnaud Tomaz, funcionário do Planalto no chamado Gabinete do Ódio, passava vídeos do presidente para canais bolsonaristas no YouTube investigados

Além disso, investigações da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República sobre atos antidemocráticos apontaram que 12 canais no YouTube1xbetttapoiadores do presidente Jair Bolsonaro receberam cerca1xbetttUS$ 1,1 milhão1xbetttmonetização dos vídeos. O valor, que vai1xbetttjunho1xbettt2018 a maio1xbettt2020, corresponde a cerca1xbetttR$ 4,2 milhões1xbetttvalores convertidos com o câmbio médio da época. Esses canais são conhecidos por disseminação1xbetttconteúdo falso e já sofreram diferentes sanções1xbetttplataformas como Youtube e Facebook.

Com todas essas semelhanças, o que impede o Brasil1xbettt'virar uma Venezuela'?

Ao menos 3 aspectos são centrais para entender os limites do uso do manual chavista por Bolsonaro: a popularidade presidencial, a quantidade1xbetttrecursos disponíveis e a força das instituições desafiadas.

"Quando Bolsonaro chega ao poder, chega com bem menos do que os mais1xbettt60% dos votos que Chávez teve em1xbetttprimeira eleição. E também teve o caminho facilitado na vitória porque Lula foi impedido1xbetttconcorrer. Então há,1xbetttsaída, uma diferença no grau1xbetttpopularidade deles", afirma Jorge Castañeda, da New York University.

Chávez aproveitou o embalo das urnas e a insatisfação popular no país para lançar uma Constituinte, na qual 91xbetttcada 10 membros eram aliados a ele. Era o início do que o cientista político Luis Vicente Léon chamou1xbetttum processo1xbettt"colonização das instituições". O próprio Léon, porém, observa que a forte popularidade1xbetttChávez nos anos iniciais do regime dispensou a necessidade1xbetttqualquer tipo1xbetttfraude eleitoral para que ele vencesse as eleições presidenciais1xbettt2000, 2006 e 2012 e os pleitos legislativos1xbettt2000, 2005 e 2010. Sua única derrota aconteceu1xbettt2007, quando ele tentou aprovar por referendo popular um terceiro mandato. Dois anos mais tarde, o presidente refez a consulta e venceu.

Mas, afinal, o que fez1xbetttChávez um presidente tão popular a despeito1xbetttseus ataques a instituições democráticas?

Ato contra governo Maduro

Crédito, Reuters

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Chávez reduziu significativamente a pobreza, que retornou forte quando o preço do barril1xbetttpetróleo voltou a cair

O período dele no poder coincide com uma alta histórica no preço do petróleo, base primordial da economia venezuelana e cuja receita se concentra na mão do Estado, já que o recurso é explorado por uma estatal. Chávez encaminhou a abundância1xbetttverba para a população mais pobre do país e1xbetttfato gerou impacto imediato na vida1xbetttmilhões1xbetttpessoas.

De acordo com o Instituto Nacional1xbetttEstatísticas,1xbettt1999, 20,1% dos venezuelanos viviam na extrema pobreza. Em 2007, o índice havia caído para 9,5%. Suas políticas, no entanto, não eram estruturantes e quando o preço do barril1xbetttpetróleo voltou a cair, a pobreza retornou com mais força do que antes ao país.

De forma semelhante, Bolsonaro experimentou o incremento1xbetttpopularidade que a transferência direta1xbetttrenda pode trazer. O auxílio emergencial federal1xbetttR$ 600 durante a pandemia alavancou seus índices1xbetttpopularidade a 37%1xbetttagosto, segundo o Datafolha (ante aos atuais 24%).

Seis vezes maior que a economia da Venezuela, a do Brasil é também muito mais diversa, dinâmica e muito menos atrelada ao Estado. "Além disso, o governo enfrenta uma crise fiscal, o que reduz muito as possibilidades1xbetttgastos do governo", afirma Daniela Campello, da FGV. Justamente o Orçamento apertado forçou a redução e interrupção do auxílio, que Bolsonaro tenta relançar até o fim do ano como um substituto ao programa Bolsa Família. Agora, o valor seria1xbetttR$ 400 (hoje é1xbetttR$ 190) e o nome do programa seria Auxílio Brasil.

Dada a falta1xbetttrecurso público para fazer esse aumento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu que o governo estuda formas1xbetttnão cumprir os pagamentos dos precatórios, dívidas do Estado chanceladas judicialmente, para bancar o programa, o que causou alarme nos mercados e derrubou a bolsa na semana passada.

"É importante lembrar que Bolsonaro partiu1xbetttuma pauta bastante elitista,1xbetttausteridade fiscal, e chegou a ser contra o auxílio emergencial1xbetttR$ 500, até que se deu conta1xbetttque isso lhe trazia ganhos1xbetttpopularidade. Ele tenta agora uma reedição disso, mas é muito difícil dada a situação da economia", afirma o cientista político Rafael Ioris, especialista1xbetttAmérica Latina da Universidade do Colorado.

Ministro Alexandre Moraes

Crédito, ROSINEI COUTINHO/SCO/STF

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Ministro do STF Alexandre1xbetttMoraes incluiu presidente Bolsonaro como investigado no inquérito das Fake News

Por fim, o Brasil possui instituições e uma oposição política consideradas mais sólidas do que as da Venezuela pelos especialistas. "Na Venezuela, o descrédito das instituições democráticas, da classe política, da elite empresarial entre 1999 e 2003 era muito maior do que hoje no Brasil. Logo, é mais difícil para Bolsonaro intervir nas regras do jogo", afirma Castañeda, para quem as tentativas1xbetttBolsonaro1xbetttlançar descrédito sobre as urnas eletrônicas têm poucas chances1xbetttlevar a algum resultado prático1xbettt2022.

No início1xbetttagosto, a Proposta1xbetttEmenda Constitucional do voto impresso, encampada por Bolsonaro, foi derrotada na comissão especial da Câmara onde era analisada. Ainda assim, deve ser levada ao plenário da Câmara, onde também se espera uma derrota.

Will Grant, da BBC, também chama a atenção para a condição da oposição tanto no Brasil quanto na Venezuela. Em quase todo o período que esteve no poder,1xbettt1999 a 2013, Chávez contou com maioria folgada na Assembleia Nacional, o equivalente ao Congresso brasileiro, e com controle sobre a Suprema Corte do país. O que não conseguiu fazer manipulando os outros dois Poderes, ele fez por meio1xbetttreferendos.

Bolsonaro, apesar1xbetttter sido o presidente que mais liberou recursos para emendas parlamentares, segundo levantamento do jornal O Estado1xbetttS. Paulo, foi também o presidente que menos aprovou seus projetos no Congresso nos últimos 18 anos. No STF, a interlocução com os ministros foi interrompida após os insultos que o presidente lançou contra alguns membros da Corte.

E enquanto na Venezuela, os partidos contrários a Chávez tiveram que lidar com a quase impossibilidade1xbetttse financiar, já que a maior parte dos recursos que a economia girava passavam diretamente pelo governo, no Brasil, essa questão não existe. O fundo eleitoral público1xbetttR$ 4 bilhões será distribuído entre os partidos para o pleito1xbettt2022 e o principal beneficiário dos recursos é o PT, partido do principal adversário1xbetttBolsonaro nas urnas, o ex-presidente Lula.

Em forma1xbetttprotesto contra as condições1xbetttcompetição política, a oposição venezuelana optou por boicotar eleições-chave, como ao Legislativo1xbettt2005, o que na prática apenas facilitou a permanência1xbetttChávez no poder. "Na Venezuela, Chávez passou a ser o próprio Estado. Ou os políticos e grupos1xbetttoposição da sociedade civil encontravam espaço político para operar dentro da revolução bolivariana, ou não havia espaço real fora dali. No caso brasileiro é diferente, Bolsonaro não tem o domínio das instituições e tem como antagonista um personagem forte, Lula. Em última instância, isso o impede1xbetttrealmente ser capaz1xbetttassumir as rédeas do poder no Brasil por mais1xbetttdois mandatos", afirma Grant.

Ioris, da Universidade do Colorado, vai mais longe. Para ele, a escalada1xbettttensão do presidente brasileiro1xbetttrelação às demais instituições por meio1xbetttataques verborrágicos é um dos poucos recursos que sobram a Bolsonaro nesse momento. "Diferente1xbetttChávez, o governo Bolsonaro sequer chega a ter uma agenda muito clara. Defende acabar com muitas coisas, mas não sabe bem o que colocar no lugar. Então escolhe questões pontuais pra defender. Devemos ver cada vez mais lives raivosas", aposta.

Elas, no entanto, podem ter um efeito negativo para o próprio presidente. A live1xbetttduas horas1xbetttque defendeu o voto impresso e disseminou informação falsa sobre o sistema eleitoral renderam a Bolsonaro a abertura1xbetttinquéritos tanto pelo Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal. Se o Judiciário concluir que houve abuso1xbetttpoder econômico e político e crime eleitoral, Bolsonaro poderá até mesmo ser barrado da disputa presidencial1xbettt2022.

"Há mais consciência dos perigos do populismo autoritário na América Latina, do que havia com Chávez, no começo dos anos 2000. Todos nós já vimos esse filme. Sabemos como isso termina. E essa consciência, tanto dentro quanto fora do Brasil, é certamente uma das diferenças mais importantes entre as situações dos países1xbetttChávez e Bolsonaro", resume Jorge Castañeda, da New York University.