A questão é saber se chegaremos ao final da pandemia com vergonha ou com decência, diz Mario Sergio Cortella:estrela x bet

Crédito, CHICO MAX
"No convento todos nós tínhamos que trabalhar o tempo todo", diz o professor, que era responsável pela criaçãoestrela x betcoelhos e pelo cultivo dos pinheiros na comunidade.
Lidando "sem sufoco" com o isolamento atual,estrela x betmaior preocupação no momento é justamente com o "fosso" existente entre as diferentes condiçõesestrela x betque muitos brasileiros estão enfrentando a pandemia.
"Se nós não dermos conta, enquanto nação, do cuidado com aqueles que são mais vitimados pela ausênciaestrela x betrecursos financeiros,estrela x betemprego decente,estrela x betalimentação,estrela x betuma moradia saudável, se nós não cuidarmos disso desde agora haverá um aprofundamento desses fossos", alerta o acadêmico, que defende que um dos papéis da filosofia é iluminar o caminho sobre os perigosestrela x bettemposestrela x betangústia como o atual.
Adepto do "otimismo crítico", como ele define, Cortella diz que a pandemia levanta questionamentos éticos a todos os brasileiros sobre como foi possível que a situação chegasse a tal ponto.
"A questão não é só eu chegar ao final desse túnel escuro que é a pandemia, e ali respirar aliviado porque eu o atravessei. É como é que eu chegarei? Se eu chegarei com decência, se eu chegarei com a ideiaestrela x betque mereci mesmo atravessar e lá chegar, ou se chegarei envergonhado", afirma.
"Para que eu não tenha nenhuma vergonhaestrela x betdeixarestrela x betfazer o que eu deveria ter feito,estrela x better esquecido que eu poderia ter feito, e mais do que tudo, aquilo que é parteestrela x betuma solidariedade que neste momento não podeestrela x betmodo algum ser só retórica, 'estamos juntos!', 'estou com você!'. Como é que é isso no cotidiano?", questiona.
"O descuido vem da onde? Ele não vem só daquilo que se faz, mas também daquilo que não se faz. Vem também não só daquilo que se diz, mas daquilo que se omite. O descuido vem quando há ausênciaestrela x betcompaixão, ausênciaestrela x bettransparência, e nós podemos ter issoestrela x betvárias nações e também na nossa encontramos isso."
Cortella diz, no entanto, acreditar que prevalecerá a capacidade humanaestrela x betreinventar novos modosestrela x betsuperação.
"Persisteestrela x betmim a possibilidadeestrela x betimaginar algo que eu sempre lembro e que os nosso avós, bisavós, trisavós, diziam sempre: não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe."
Leia os principais trechos da entrevista, concedida por meioestrela x betteleconferência:
estrela x bet BBC News Brasil - Eu sei que o senhor é um otimista nato. Na quarentena o senhor continua otimista? Como tem sido esse isolamento para o senhor?
estrela x bet Mario Sergio Cortella - São dois momentos e dois movimentos que não são idênticos. Para mim não é tão complexo o isolamento, por várias razões. Primeiro, eu estou habituado a um trabalho, uma atividade que, emboraestrela x betvários momentos sejaestrela x betmeio ao público, a palestras, a viagens, à convivência, a hotéis, cidades, etc, ainda assim, uma parte da minha atividade é mais quieta, na medidaestrela x betque eu também escrevo, também faço atividades que me colocamestrela x betum certo silêncio.
Do pontoestrela x betvista material, das circunstâncias, eu não tenho e não tive até o momento nenhum obstáculo intransponível,estrela x betrelação às minhas provisões, às minhas capacidades, minhas necessidades. Cláudia, com quem sou casado e eu,estrela x bettodo esse tempo, partilhamos nossas tarefas e cada umestrela x betnós continua atuando, naquilo que é possível, pelo trabalho a partirestrela x betcasa.
Há, no entanto, uma agonia muito grande na medidaestrela x betque a gente, mesmo estando protegido, sabe o númeroestrela x betpessoas que,estrela x betuma atividade essencial, que não é o caso da minha, têm que se colocarestrela x betuma vulnerabilidade maior.
Por isso eu não passo por nenhum tipoestrela x betsufoco neste momento, exceto o sufoco interior relativo à preocupação com a vidaestrela x betgeral, com outras pessoa à minha volta, não só a família, o cicloestrela x betamigos, mas todo o conjunto do modo da vida humana que sofreu ali uma alteração.
Mas como você lembrava, eu tenho sim um otimismo crítico, não é um otimismo ingênuoestrela x betque eu acho que tudo ficará bem, que basta nós aguardarmos e virá. Mas eu acho que nós humanos e humanas somos capazes, na nossa trajetória, na reinvençãoestrela x betmuitos modosestrela x betsuperação.
Esse [momento] é muito complexo, instigou a necessidadeestrela x betmaior humildade da nossa parte, especialmente quanto à nossa suposição equivocadaestrela x betque éramos absolutamente invencíveis. Mas também nos gerou outros modosestrela x betcontato e relação.
Por isso, persisteestrela x betmim a ideia da esperança ativa, persisteestrela x betmim a possibilidadeestrela x betimaginar algo que eu sempre lembro e que os nosso avós, bisavós, trisavós, diziam sempre: não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe.
Eu não supus, aos 66 anosestrela x betidade que eu tenho, que eu encontraria essa condição. E fico imaginando o que dirão meus quatro netos daqui a 30, 40 anos, o que que eles viveram. O que que isso significou, qual foi o impacto na vida deles. Isto é, como é que será relatado o passadoestrela x betum futuro daqui a algumas décadas.
estrela x bet BBC News Brasil - O senhor, quando moravaestrela x betLondrina, pertencia à ordem católica dos Carmelitas Descalços, onde o senhor viveu um período enclausurado.
estrela x bet Cortella - É, mas não foiestrela x betLondrina (PR). Eu nasciestrela x betLondrina, meus pais paulistas estavam ali no norte do Paraná. De lá saí para a cidadeestrela x betSão Paulo, onde moro até hoje, no final do anoestrela x bet1967.
E aqui eu estudei, terminei o que seria o antigo ginásio. E quando eu entrei na universidade, quando terminei o primeiro anoestrela x betfilosofia, eu tinha 18 anos. Decidi que eu queria fazer uma experiência religiosa mais intensa.
A religiosidade é uma herança familiar, minha família tem uma tradição familiar católica, minha mãe — hoje com 91 anosestrela x betidade, e moramos perto, a um quarteirão e meio — tem formação católica.
Eu sempre tive a perspectivaestrela x betque poderia, na minha profissão, mais adiante, também ter a escolha da atividade da pregação, do trabalho missionário, que é algo que eu tinha desde Londrina, como uma condição mais direta.
E ao fazer 18 anos e entrar na universidade eu decidi que ia entrarestrela x betuma ordem religiosa na qual pudesse viver uma experiênciaestrela x betclausura, isto é, enquanto estava na universidade, que eu pudesse ficar fechado numa clausura aprendendo coisas, lidando com a vida, olhando mais para o chão e não apenas para o alto das coisas e, portanto, fiquei três anosestrela x betum convento da Ordem Carmelitana Descalça, na Rodovia Anhanguera, no km 18,5.
Da janela da minha "cela", do meu quarto, dava para ver o pico do Jaraguá inteirinho. Não existe mais esse convento, aquele espaço do convento foi mais tarde vendido pela ordem, que foi para outro lugar, e até hoje ele abriga um complexo localestrela x betproduçãoestrela x betnotícia,estrela x betinformação,estrela x bettelevisão, é sedeestrela x betuma das TVs que nós temos no Brasil (nota do editor: são os estúdios do SBT).
Esses pinheiros, alguns que eu ajudei a plantar e que eram pequenas mudas, olha só, 45 anos depois, esses pinheiros hoje são árvores imensas. E quando eu vou à emissoraestrela x betTV e passo pelo estacionamento eu olho os pinheiros dos dois lados, que eu ajudei a fazer.
Entendi que minha rotaestrela x betvida não se daria naquela direção, que eu gostava mesmo da docência porque num convento e numa atividade missionária que acontecia nos intervalos da universidade, eu gostava muitoestrela x betatividadesestrela x betconvivênciaestrela x betregiões distantes no Brasil. Estive na Amazônia algumas vezes,estrela x betcomunidadesestrela x betnações indígenas, e outrasestrela x betcomunidades mais distantes.

estrela x bet BBC News Brasil - A minha curiosidade é: agora, nessa experiênciaestrela x betisolamento, isso despertou memórias do senhor dessa época? Tem aspectos que o senhor compara?
estrela x bet Cortella - Claro,estrela x betvários momentos. Porqueestrela x betuma ordem religiosa, especialmenteestrela x betuma ordem carmelitana, embora a gente não fique isoladoestrela x betmodo contínuo, existe um isolamento programático, isto é, momentosestrela x betque a solidão é necessária para a meditação, para a produção, para o estudo.
Digamos que, afora as quatro horas que eu passava na universidade toda manhã, no restante do dia eu tinha companhia por apenas duas horas. Também no restante eram momentosestrela x betquietude.
Até quando se ia para a capela, naquilo que se chama no mundo religioso católico das ordensestrela x betmomento do ofício, se fazia ali um momentoestrela x betsilêncio,estrela x betreclusão. Por isso eu reavivei várias situações desse tipo — embora hoje eu não possa dizer que seja católico, porque seria ofensivo dizer que sou um praticanteestrela x betuma religião dado que não frequento igrejas, não vou a cultos, etc —, a ideia da forma mais isoladaestrela x betser, o silêncio, dado que o convento ficava afastado da beirada da estrada, havia um silêncio imenso naquele lugar. E também daquilo que é o trabalho doméstico, digamos.
Durante boa parte da minha vida eu contei com auxílioestrela x betpessoasestrela x betrelação a alimentação, roupa, faxina, limpeza, por contaestrela x better uma atividade externa. Mas no convento, não. No convento, todos nós tínhamos que trabalhar o tempo todo. Um dos lemas clássicos que o cristianismo coloca a partirestrela x betuma cartaestrela x betum dos apóstolos que não conheceu Jesus, mas é o principal teólogo na origem cristã, que é Paulo,estrela x betuma das cartasestrela x betPaulo, ele diz: quem não trabalha não come.
E eu tinha duas atividades: afora ter que cuidar das minhas coisas, afora o fatoestrela x betque nós não tínhamos propriedade privada no convento, isto é, tudo era comunitário. Até financeiramente. Se eu recebesse algum presente, algum dinheiro, alguma contribuição, era colocadaestrela x betuma caixinha, literalmente, uma caixaestrela x betsapato. E ali, quem precisava pegava, e quem tinha, colocava.
Esse modoestrela x betvida comunitária foi facilitador, mas eu cuidavaestrela x betduas coisas: a mim cabia cuidarestrela x betalgo que hoje eu acho um pouco estranho, eu ajudava a cuidarestrela x betcoelhos, que compunham parte da alimentação do convento.
E a segunda: eu cuidava dos pinheiros, isto é, da área imensaestrela x betpinheiros que se tinha, e como sabem muitas pessoas, ele pega fogo com facilidade. Porque ele tem uma resina. Então, para manter toda a parteestrela x betbaixo sempre limpa.
estrela x bet BBC News Brasil - Falando um pouco agoraestrela x betoutro aspecto da pandemia sobre o qual o senhor fala muito, que é a cidadania. Essa pandemia evidenciou que muitos brasileiros não têm esse direito à cidadania, a direitos básicos, e questõesestrela x betdesigualdade com as quais nós convivemos na sociedade viraram uma questãoestrela x betvida ou morte. Como essa convivênciaestrela x betnós brasileiros com tantas pessoas sem cidadania nos afeta?
estrela x bet Cortella - Uma das questões mais sérias deste momento é nós trazermos à mente algumas perguntas decisivas, especialmente no campo ético. A pandemia evidenciou desigualdades, fissuras, fossos. Ela não os criou ainda, mas vai criá-los.
Se nós não dermos conta, enquanto nação, do cuidado com aqueles que são mais vitimados pela ausênciaestrela x betrecursos financeiros,estrela x betemprego decente,estrela x betalimentação,estrela x betuma moradia saudável, se nós não cuidarmos disso desde agora, haverá um aprofundamento desses fossos. Esses fossos existiam, mas agora ganharam uma nitidez imensa. Eles estão à nossa volta como parte daquilo que no jornalismo se chamaestrela x betpauta. Uma pauta cotidiana, que está à mostra.
Há duas atitudes possíveis: uma é fechar os olhos e imaginar que não está acontecendo, o que não só é tolo, comoestrela x betnada adiantaráestrela x betrelação a levar a uma solução. A segunda forma é fazer-se uma pergunta que é: mas o que foi que eu fiz? Porque uma tendência nossa nessas situações é dizer: o que foi que eu fiz? Porque a resposta é fácil (...): eu não fiz nada para isso (pandemia) acontecer.
Mas a pergunta tem que ser outra: o que foi que eu não fiz? O que que eu deixeiestrela x betfazer, eu Cortella, como uma pessoa que vive nesta nação, para que coisas como essas que agora estão sendo evidenciadas chegassemestrela x betum nível que ganham uma característica aterrorizante para quem nessa situação já está?
Segundo: se aquilo que eu deixeiestrela x betfazer é algo que eu não posso refazer, porque aquele tempo não existe, o que eu posso fazer desde agora? É necessário que a gente olhe sempre com uma perspectiva: face aquilo que temos, ou a pessoa diz 'o que eu posso fazer',estrela x betmodo entregue, desanimado, até acovardado e, eventualmente, cúmplice. Ou coloca um pontoestrela x betinterrogação e diz 'o que eu posso fazer?' E saiestrela x betbuscaestrela x betuma resposta e vai buscá-la.
Será vergonhoso, e eu venho insistindo nesse tema, todas as vezes que alguém toca nesse assunto como você agora fez. A questão não é só eu chegar ao final desse túnel escuro que é a pandemia, e ali respirar aliviado porque eu o atravessei. É: como é que eu chegarei? Se eu chegarei com decência, se eu chegarei com a ideiaestrela x betque mereci mesmo atravessar e lá chegar, ou se chegarei envergonhado.
É preciso também que eu me sinta mais respeitoso comigo e olhe tudo o que houve para que eu não tenha nenhuma vergonhaestrela x betdeixarestrela x betfazer o que eu deveria ter feito,estrela x better esquecido que eu poderia ter feito, e mais do que tudo, aquilo que é parteestrela x betuma solidariedade que neste momento não podeestrela x betmodo algum ser só retórica, "estamos juntos!", "estou com você!". Como é que é isso no cotidiano?
Ora, nosso país passará por momentos mais difíceis do que estamos vivendo agora no ponto da capacidadeestrela x betacesso a bens, a meios, ao provimento da vida. O mundo passará, mas nós também. (...) Por isso volto e concluo: O que foi que eu não fiz? E aí pensar no que eu devo fazer.

Crédito, Tomás Arthuzzi
estrela x bet BBC News Brasil - A pandemia, alémestrela x betmexer com a nossa rotina, nos traz novos questionamentos éticos, sobre como convivemos com isso até agora. E quando se fala do poder público? Em muitos países, o governante teve esse papelestrela x betunir as pessoas, dar esse sentimentoestrela x betnação. Aqui no Brasil nosso presidente tem sido mal avaliado na condução da pandemia e acusadoestrela x betdemonstrar pouca solidariedade. Isso pode ser considerada uma postura antiética neste momento?
estrela x bet Cortella - Duas coisas. Primeiro, Millôr Fernandes lembrava sempre, é verdade, que um povo que precisaestrela x betsalvador não merece ser salvo. Afinalestrela x betcontas, nós temos que negar o queestrela x betlarga razão teve Lima Barreto quando disse que no Brasil nós não temos povo, nós temos público.
Há pouco menosestrela x bet100 anos, ele dizia, com toda razão, e porque é parte da nossa trajetória a posturaestrela x betespectadores daquilo que está acontecendo à nossa volta. É algo que agrava a circunstância, mas não é uma fatalidade que nos leve a ficarmos sem ação.
Neste momento eu acho extremamente desconcertante o modo como a gestão do Executivo federal vem fazendo a condução daquilo que é a atual crise profunda que o país vive. Nós temos exemplos cotidianosestrela x betcolisões internas.
Voltando ao teu pontoestrela x betpartida: será que é antiético? Se a gente entender a ética como sendo o cuidado com a vida coletiva. Todas as vezes que há um descuido isso acaba se tornando antiético. E o descuido vem da onde? Ele não vem só daquilo que se faz, mas também daquilo que não se faz.
Vem não só daquilo que se diz, mas daquilo que se omite. O descuido vem quando há ausênciaestrela x betcompaixão, ausênciaestrela x bettransparência, e nós podemos ter issoestrela x betvárias nações e também na nossa encontramos isso.
Aliás, uma das coisas que nos faz falta hoje são lideranças comprometidas com a preservação da integridade das vidas do país,estrela x betmodo que não se resvale apenas para a disputa no campo da ideologia ou da política.
estrela x bet BBC News Brasil - Há um climaestrela x betconflito entre os poderes, e se discute se há riscos para a democracia. Isso preocupa o senhor?
estrela x bet Cortella - Eu tenho um livro com o Renato Janine Ribeiro que eu gosto muito do título dele, do conteúdo também: Política para não ser idiota foi lançado há muitos anos e é um diálogo entre nós. E nós ali lembramos que a palavra idiota significava uma pessoa que ficava olhando só para o próprio umbigo, que não era capazestrela x bettomar conta também da vida da comunidade. E político era aquele que ajudava a cuidar da comunidade.
Sendo eu um cidadão, eu não sou um político institucional, eu não sou um político partidarizado, não sou um político formalizado como atividade profissional. Mas eu sou um cidadão, por isso eu sou alguém que tem que se interessar pela vida da comunidade.
Eu nasciestrela x bet1954. A primeira vez que eu votei para a Presidência da República foiestrela x bet1989, 100 anos após a proclamação da República.
E eu já era alguém que estava como adulto, já era pai. Isso significa que essa castraçãoestrela x betalguns dos mecanismos do cidadãoestrela x betrelação ao voto (ocorreu) durante um período. Havia um movimentoestrela x betcensura, havia uma atividadeestrela x betque se tinha uma repressão a várias manifestações, e o nosso país ultrapassou essa fase.
Nosso tempo republicano não é tão extenso, ele tem 131 anos. Mas dentro dessa República, desde 1989, nós ainda temos um período muito restritoestrela x betdemocracia no sentido mais amplo.
Nós tivemos durante o período republicano governosestrela x betque o voto era censitário,estrela x betque se votava a partir do tantoestrela x betpropriedade que se tinha. A proibição do voto ao analfabeto até 1988 na nossa Constituição tirou do circuito da possibilidadeestrela x betescolha milhões e milhõesestrela x betbrasileiros.
Nossa democracia é muito recente. Pessoas com mais idade como eu entendem mais fortemente qual é o impacto que traz a ausência da democracia na possibilidadeestrela x betliberdadeestrela x betação,estrela x betpensamento.
Quando nós temos hoje manifestações quase que cotidianasestrela x betalgumas pessoas que se dizem avessas à democracia, embora na democracia se possa isso dizer, a grande diferença entre uma democracia e uma ditadura, que alguns reivindicam, é queestrela x betuma democracia eu posso reivindicar a ditadura, mas na ditadura eu não posso reivindicar a democracia. Essa é uma diferença decisiva.
Por outro lado, nós brasileiros temos, eu digo vez ou outra, um afeto um pouco mais limitado pela nossa democracia. A gente não a afaga com tanta tranquilidade.
Uma democracia é aquela que fez com que os conflitos sejam coordenados, para que a gente não chegue ao confronto. O fatoestrela x betalguém pensar diferenteestrela x betmim na política não significa que a pessoa esteja equivocada. Mas não é porque ela pensa como eu que só por isso ela está certa.
Nós podemos ter pensamentos diferentes, eles podem ser até divergentes, estãoestrela x betcampos separados, mas isso não colocaestrela x betmim o desejoestrela x betfazer com que essa pessoa seja enclausurada, detida, descartada, a menos que ela cometa algo que é considerado absolutamente criminoso, inconstitucional, uma brutalidade na nossa sociedade.
Por isso sim, é muito ruim nós já termos uma pandemia que é massiva e enquanto isso temos também que lidar com contínuas ameaças à nossa estabilidade democrática. Afinal, se alguém tem algum tipoestrela x betintençãoestrela x betrelação ao debate sobre a nossa democracia, esse não é o momento mais adequado.
Porque até quem defende a presençaestrela x betuma ditadura, por exemplo, essa ditadura o que fariaestrela x betrelação à pandemia no nosso país? Ofereceria o quê? São as instituições democráticas que estão atrapalhando o combate ao vírus? O contrário.
Todas as vezesestrela x betque há um abalo nas instituições democráticas se retarda a condiçãoestrela x betcombate ao vírus.
Seria uma contribuição patriótica tão grande, não que a gente deixasse as nossas diferenças, porque elas estão abaixo ou acimaestrela x betnós, mas que elas fossem colocadas lateralmente nesse momento para que a gente pudesse lidar com aquilo que é decisivo.

Crédito, REUTERS/AMANDA PEROBELLI
estrela x bet BBC News Brasil - Neste momentoestrela x betque estamos vivendo tantas crises ao mesmo tempo, a filosofia pode ajudar? Que pensamentos ela oferece para momentosestrela x betangústia como o atual?
estrela x bet Cortella - A filosofia não tem a finalidadeestrela x betserenar. Mais do que isso, a tarefa da filosofia é levantar indagações sobre o sentido das coisas, por que fazemos o que fazemos.
estrela x bet BBC News Brasil - Me refiro a esse sentido, porque as pessoas estão se questionando mais.
estrela x bet Cortella - Isso. A filosofia não é um conhecimento prático no sentido operacional técnico. Ela é uma possibilidadeestrela x betpensar o próprio pensamento,estrela x betpensar o sentido como significado e direção das nossas ações. Nessa hora, auxilia.
Não que ela vá fazer com que você passe a ter mais trabalho, que a economia se reative. Mas quando a gente mergulhaestrela x betalguns pensadores, algumas convicções, ela retiraestrela x bet nós algumasestrela x betnossas certezas imobilizadas, e também nos colocaestrela x betum campoestrela x betcriatividade.
O pensamento filosófico, que é metódico, estruturado, aumenta nossa condiçãoestrela x betrepertório para nossa criatividadeestrela x betenfrentamento. Embora não seja consoladora, a filosofia ainda assim contribui para que a gente consiga entender que parteestrela x betaquilo que conosco está não decorreestrela x betuma fatalidade, masestrela x betuma circunstância, que talvez nós consigamos aprender mais com aquilo que estamos vivendo do que os danos que isso poderá trazer para quem passar pela pandemia sem qualquer tipoestrela x betcicatriz mais densa.
Pessoas ligadas a essa área, também da filosofia, têm sido muito convidadas para participaremestrela x betconversas,estrela x betentrevistas, não porque a gente consiga dizer 'é aqui que é a direção', mas porque a gente consegue, por vez ou outra, lembrar a fraseestrela x betum filósofo mineiro que já faleceu, o Neidson Rodrigues, 'a tarefa da filosofia é como a do farol no mar'. Aquele farol na ilha. A tarefa do farol não é dizer para onde você vai, é alertarestrela x betrelação aos perigos.
estrela x bet BBC News Brasil - Duas coisas que mudaram radicalmente agora, entre tantas, foi a educação. Muitos paisestrela x betrepente se transformaramestrela x betprofessores e numa convivência com os filhos totalmente diferente. E outro público que me vem à cabeça é o jovem, que ia começar agora seu plano,estrela x beteducação, fazer o Enem, fazer a faculdade. O senhor como educador experimentadíssimo, o que diria para esses dois públicos?
estrela x bet Cortella - Fico feliz que a gente conclua a nossa conversa com essa questão porque eu gosto muitoestrela x beteducação escolar também. O que a pandemia nesse novo modo nos ensina é que esta atividade que hoje é feitaestrela x betcasa não é substitutiva àquilo que a escola no dia a dia oferece. A escola é uma experiência sociocultural insubstituível.
Ela não é só um localestrela x betaprendizadoestrela x betconhecimentos e informações. Ela éestrela x betconvivência,estrela x betaprendizadoestrela x betvalores,estrela x betcidadania, solidariedade. Portanto, hoje esse modo emergencialestrela x betque a escolarização está sendo feita é complementar, ela não é suplementar.
Quando nós cessarmos este momento, claro que a própria escola terá aprendido várias coisas. Uma delas é que, para recuperar uma parte do tempo que teve que ser adiado, alguns conteúdos terãoestrela x betser deixadosestrela x betlado para que se compense os patamaresestrela x betaprendizado e as referências.
E aí se notará que, ao fazer a escolhaestrela x betquais conteúdos podem ser deixados neste caminho, talvez eles não fossem necessários na rota que estava sendo trilhada. E esse é um aprendizado, que a gente chamaestrela x betseleçãoestrela x betconteúdo ou organização curricular, que é algo que nos ensinará bastante.
Eu tenho visto colegas meus educadoresestrela x beteducação básica, e alguns têm me dito isso nas escritas que fazem, nas redes sociais: nem nós somos tão ruins, dizem eles, como capacidadeestrela x betaprender o mundo tecnológico, que a gente achou que não conseguiria, nem parte das crianças e jovens é tão preparada como suporiam.
E por último, no sentido literal da expressão, o jovem que se preparava para uma etapa sabe hoje que uma circunstância, sendo elaestrela x betfato provisória, e se as autoridades públicas souberem lidar com esse momento, ela não alterará tanto esse caminho.
Quando eu tinha 17 anos e ia para a universidade, 17, 18, 20 anos era um terço da vida média, porque (vivia-se),estrela x betmédia, 60 anos.
Ora, um menino ou uma meninaestrela x bet16, 17 anos hoje estáestrela x betum quinto da vida dele. (...) Por isso, não é uma questãoestrela x betimpedir. É adiar uma circunstância. (Isso) se as autoridades públicas forem capazesestrela x betusar a racionalidade pedagógica para não produzir um assassinato das condições educacionais escolares, que são necessárias.
Portanto, talvez nós nos lembremos que esta circunstância é só um momento transitório, que terá efeitos mais adiante, mas que a educação escolar, especialmente, vem aprendendo e vem ensinando bastante.
Nunca tantas pessoas entenderam que a escola não é só um lugar para aprender os componentes curriculares, matemática, língua estrangeira moderna, biologia, física.
estrela x bet BBC News Brasil - E a valorizar os professores, né?
estrela x bet Cortella - Quem sabe. Talvez, talvez. Veremos. É uma das coisas que se pode aprender e entender. Por isso, voltando ao pontoestrela x betpartida, quandoestrela x bet1973 eu entrei na universidade para fazer filosofia e depois, na sequência, no convento da ordem carmelitana descalça, jamais eu poderia imaginar que nós viveríamos uma situação como esta.
Mas também jamais achei, desde aquela época como também não acho agora, que não houvesse alternativa, que não houvesse saída. Ela é difícil, ela é complexa, mas ela não é impossível.

estrela x bet Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube estrela x bet ? Inscreva-se no nosso canal!
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosestrela x betautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticaestrela x betusoestrela x betcookies e os termosestrela x betprivacidade do Google YouTube antesestrela x betconcordar. Para acessar o conteúdo cliqueestrela x bet"aceitar e continuar".
Finalestrela x betYouTube post, 1
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosestrela x betautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticaestrela x betusoestrela x betcookies e os termosestrela x betprivacidade do Google YouTube antesestrela x betconcordar. Para acessar o conteúdo cliqueestrela x bet"aceitar e continuar".
Finalestrela x betYouTube post, 2
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosestrela x betautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticaestrela x betusoestrela x betcookies e os termosestrela x betprivacidade do Google YouTube antesestrela x betconcordar. Para acessar o conteúdo cliqueestrela x bet"aceitar e continuar".
Finalestrela x betYouTube post, 3








