O que um juiz aprende ao trabalhar como faxineiro por um dia:baixar blaze app
- Letícia Mori
- Enviada da BBC News Brasil ao Riobaixar blaze appJaneiro

Crédito, Arquivo Pessoal
O juiz do Trabalho Pedro Ivo Arruda é um dos 23 magistrados que participaram do projeto neste ano
baixar blaze app Em alguns dos processos que chegam ao Tribunal do Trabalho do Rio do Janeiro, há "situações relatadas pelos trabalhadores que a gente fica na dúvida se são verdade ou não", diz a juíza do trabalho Adriana Leandro,baixar blaze app50 anos. Na primeira sexta-feirabaixar blaze appagosto, a juíza pôde ver por conta própria que algumas delas são mesmo reais.
Ela foi telefonistabaixar blaze appuma agência bancária por um dia, sem que colegas e superiores diretos soubessembaixar blaze appsua verdadeira profissão. E viu uma colega passar as 6 horasbaixar blaze appexpediente sem tomar um gole d'água. "Não porque houvesse alguém impedindo, mas porque ela tinha tanto medobaixar blaze appperder o emprego, e se se levantasse não haveria ninguém pra fazer o atendimento, que ela simplesmente não tinha coragembaixar blaze appir beber água", conta Adriana.
A magistrada foi uma das 23 participantes deste anobaixar blaze appum projeto da Escola Judicial do TRT-RJ que visa a melhorar a empatia dos juízes e desembargadores. Para isso, eles passam um dia na pelebaixar blaze appoutros trabalhadores. Os magistrados fazem aulas teóricas, um diabaixar blaze apptreinamento e depois trabalham por um dia como faxineiros, garis, telefonistas, cobradores, ajudantes gerais.
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"A empatia é essencial para todos, mas para nós especialmente, diariamente. A gente tem que se colocar no lugar do outro. Se colocar na pele tanto do trabalhador, quando do empregador, para entender as dificuldades que eles enfrentam", diz o juiz Thiago Mafra da Silva, também do TRT do Riobaixar blaze appJaneiro, que trabalhou um dia como gari para a Comlurb, a empresabaixar blaze applimpeza da cidade.
"O juiz que perdeu a capacidadebaixar blaze appolhar com empatia para o outro, perdeu a capacidadebaixar blaze appser juiz", diz Marcelo Augusto Soutobaixar blaze appOliveira, diretor da Escola Judicial e um dos responsáveis pela implementação da ideia.

Crédito, Letícia Mori/BBC
O juiz aposentado Jorge Pinto Lopes trabalhou como ajudantebaixar blaze appserviços gerais durante um dia
Na última sexta-feirabaixar blaze appjulho, Thiago estava entre a meia dúziabaixar blaze apptrabalhadores que faziam a limpeza da praia do Leme. Moradorbaixar blaze appBotafogo, ele não teve a experiênciabaixar blaze appacordar todos os dias às 4h20 da manhã para ir ao trabalho, como seu colega naquele dia Alexander Santos Pereira,baixar blaze app44 anos, gari há dez anos. Também nunca soube o que é viver com o saláriobaixar blaze appR$ 1,5 mil que Alexander recebe.
Mas sentiu por um dia como é passar cinco horas trabalhando sob o sol quente retirando da areia copos plásticos, restosbaixar blaze appcomida e bitucasbaixar blaze appcigarro. Sem o chapéu e sem protetor solar, Thiago sofreu insolação. "Foi bem pesado, cheguei a vomitar por causa da insolação", conta.
Mesmo assim, Thiago achou a experiência importante e positiva. "É um exercício importante, porque a nossa cargabaixar blaze appprocessos é muito grande. Se não tomarmos cuidado, corre o riscobaixar blaze appvirar automático,baixar blaze appvirar só mais um processo. Sendo que para as partes não é isso, às vezes é uma das coisas mais importantes da vida delas", diz.
Resistência
Implantado pela Escola Judicialbaixar blaze app2017, o projeto quase acabou pouco depoisbaixar blaze appcomeçar. Muitos juizes e desembargadores não reagiram bem à ideiabaixar blaze apppassar um diabaixar blaze apptrabalhos com menor remuneração e, na visão deles,baixar blaze appmenor prestígio, conta o diretor da Escola Judicial Marcelo Augusto.
"Teve magistrado dizendo: 'mas eu fiz concurso público para isso'?"
Marcelo Augusto já apresentou o projeto para 24 diretoresbaixar blaze appescolas e foi muito questionado: "E o que o juiz ganha com isso?"
"Eu não garanto que o juiz vai produzir estatísticas melhores. Não dá grife, aderir ao projeto. Não é um bom capítulo do meu currículo. Mas eu garanto que ele será uma melhor pessoa. E, como acredito que pessoas melhores são juízes melhores, acho que o projeto é essencial", defende ele que, alémbaixar blaze appimplementar o projeto, também participou nas três edições.
Logo no início, um colunista no Riobaixar blaze appJaneiro deu uma nota sobre a iniciativa com o título que pode ser considerado jocoso "sandálias da humildade", o que gerou mais repercussão negativa por parte dos magistrados. Além disso, o nome oficial, "Vivendo o Trabalho Subalterno", também não foi bem recebido na imprensa. "Ficaram dizendo: 'que nome horrível, que humilhante, não é subalterno', diz Marcelo.

Crédito, Letícia Mori/BBC
Os garis Alexander Santos Pereira e Sérgio Jesus Teixeira são parte da equipe que faz a limpeza do Leme, no Rio
Mas ele defende a escolha. "Poderíamos chamarbaixar blaze apptrabalho subordinado, mas,baixar blaze apptermos legais, toda pessoa contratada por CLT é subordinada. Mas nem toda profissão passa pelo processobaixar blaze appinvisibilidade social, onde o outro é tratado sem respeito e, muitas vezes, simplesmente não é visto", diz. "Também não é trabalho manual, temos juízes trabalhando como telefonistas e cobradoresbaixar blaze appônibus, cargos que também muitas vezes passam por esse processo."
Apesar da resistênciabaixar blaze appmuitos juízes, o projeto foi implementado, já que a escola tem autonomia. No primeiro ano,baixar blaze app20 vagas disponíveis, só 12 foram preenchidas. Em 2019 foram 24 participantes, alguns atébaixar blaze appoutros Estados. Do projeto, resultaram um livro e um documentário – e hoje uma experiência parecida está sendo feita no TRT-4.
Invisibilidade
O tema da invisibilidade pública já vinha sendo tratado na Escola Judicial há tempos, desde que foi introduzido pelo juiz auxiliar da escola e professorbaixar blaze appdireito Roberto Fragale Filho. A ideia veiobaixar blaze appum livro do sociólogo da USP Fernando Braga, que trabalhou como gari na universidade durante cinco anos e escreveu sobre a enorme distância que é criada pelas diferenças entre as classes sociais.
Em seu trabalho, Braga explica como o não enxergar o outro como uma pessoa por causa do uniforme é um processo que pode serbaixar blaze appparte inconsciente, e relatabaixar blaze apppropria experiência como gari. Uniformizado, frequentemente não era reconhecido pelos colegas da USP com quem convivia.
Fragale convidou Braga para participar da formação dos juízes no tribunal, mas a Escola considerou que as falas sozinhas não estavam surtindo o efeito necessário – e decidiu aprofundar a experiência, levando os juízes para mais perto da realidade que quem trabalhabaixar blaze appcargos com menor remuneração.
A principal preocupação, diz Marcelo Augusto, diretor da Escola, era respeitar as pessoas que fazem os trabalhosbaixar blaze appverdade e evitar que o projeto não se tornasse um "espetáculo", uma representação superficialbaixar blaze appuma categoria profissional, uma espéciebaixar blaze app"turismo".
Para isso, diz ele, os juízes têm aulas teóricas, passam por um treinamento com todos os outros trabalhadores e, no fim do dia, podem revelar que estão ali para experimentar a realidade do trabalhador. Depois disso, passam mais dois dias relatando e discutindo a experiência. No total, são 50 horasbaixar blaze appcurso.
"Quem adere ao projeto já estábaixar blaze appum processo préviobaixar blaze appquestionamento", diz Marcelo. "Então, não é uma Disneylândia, porque o projeto não goza dos maiores elogios entre a magistratura. Acho até que é um projeto que não é para todos os juízes. Porque não é a maioria que quer trabalhar a empatia."
"Esse é um problemabaixar blaze appquem tem poder. Quem tem poder raramente está pronto e aberto para ser questionado. Para ser chamado a abrir mãobaixar blaze appparcela desse poder, oubaixar blaze appexercê-lo como se ele não tivesse o poder", diz Marcelo. "Abrir mãobaixar blaze apppoder, mesmo por um dia, é uma dificuldade humana. Porque o poder é inebriante."
No início,baixar blaze app2017, diversas emissoras e programasbaixar blaze appTV queriam acompanhar com câmeras e microfones escondidos, mas a Escola não autorizou.

Crédito, Arquivo Pessoal
A juiza Adriana Leandro trabalhou como telefonista por um dia
"Se eu quero trabalhar empatia com meus juizes, o colocar-se no lugar do outro, essa coisabaixar blaze appperceber-se um privilegiado, eu não posso oferecer para ele um prêmio como resultado da adesão. Uma divulgação, uma capabaixar blaze apprevista, um nome na imprensa. Aí, eu perdi o projeto", diz Marcelo Augusto.
"Eu quero trabalhar o contrário, eu quero que ele perca o seu lugar confortável. Se eu filmo o cara com um microfone escondido, uma câmara escondida, aí vai fazer fila aqui na portabaixar blaze appjuiz querendo aparecer no próximo Fantástico."
A BBC News Brasil teve permissão para acompanhar parte do diabaixar blaze appcampo dos juízes, masbaixar blaze applonge e sem interferir no trabalho – que os juízes depois relatarambaixar blaze appdetalhes.
Juíza na faxina
Para alguns dos juízes, a experiência é nova muito antesbaixar blaze appchegar à parte do trabalhobaixar blaze appsi. Para a juíza gaúcha Patrícia Lampert, foi a primeira vez que ela andoubaixar blaze apptrem no Riobaixar blaze appJaneiro. Ela foi para a Fiocruz trabalhar como faxineira.
"Em poucos minutos, já estava fazendo tudo errado. Eu fazia muita força, fazia muito esforço, abaixava errado. Muito desajeitada" conta.
Mas as colegas ensinaram tudo: como usar a enceradeira, qual sapato evitar para fazer a lavação, a maneira corretabaixar blaze appfazer a limpeza para não ficar com dor. "É um desemprego muito grande, e mesmo assim me explicaram, senti uma solidariedade muito grande, não uma competição."
As colegas comentaram muito que os funcionários deveriam aproveitar o último diabaixar blaze appaula antes da volta dos alunos, quando os banheiros que estavam sendo limpos ainda estavambaixar blaze appboas condições.
"Porque as pessoas não respeitam, eles chegam a jogar coco nas paredes. É uma sensaçãobaixar blaze apptotal desconsideração com o outro. E os faxineiros, ao mesmo que ficam indignados, dizem 'é assim mesmo'", conta.
"Então, não é uma desvalorização só pelo valor do salário, é essa sensação do trabalho ser invisível,baixar blaze appparecer que o banheiro se limpa sozinho. Eles dizem, 'a gente bota placa, bota o carrinho, e eles pisam assim mesmo'."
'Miopia social'
Patrícia trabalhoubaixar blaze appcompanhia com outra juíza na Fiocruz – ambas brancas,baixar blaze appmesmo tombaixar blaze apppele e cabelo preto. "Não somos parecidas, mas lá nós éramos. Nos perguntaram se éramos irmãs", conta.
Negros têm cargosbaixar blaze apprendimento mais baixo do que brancos no Brasil – ganham R$ 1,2 mil a menos na média, segundo dadosbaixar blaze app2018 do Instituto Brasileirobaixar blaze appGeografia e Estatística (IBGE).
"A gente sabe que existe desigualdade, mas quando a gente vê assim... Eu ainda não absorvi a experiência toda. É como se [no dia a dia] você andasse um pouco com miopia."
Marcelo Augusto reconhece que apenas um diabaixar blaze apptrabalho é uma vivência bastante limitada. Depois disso, os juízes vão voltar para seus apartamentos na Zona Sul, seus bons salários,baixar blaze appsegurança no emprego, seus privilégios.
"Um juiz que passa um dia limpando a praia nunca será um garibaixar blaze apppraia. O projeto não tem a intençãobaixar blaze apptransformar a vida inteira da pessoa por um dia. A intenção é submeter uma experiência que eu chamaria atébaixar blaze apprala, mas que é capazbaixar blaze appafetá-lo", diz.
Ele diz que não é "um gurubaixar blaze appautoajuda" que promete transformar a vida as pessoas.
"Estou entregando uma ferramenta, que pode afetá-la. Não é uma conversão religiosa, é uma experiência pedagógica, que serve para fora do Judiciário, é uma ferramentabaixar blaze appgestãobaixar blaze apppessoas muito útil para cargosbaixar blaze apppoder e autoridade. Tudo vai depender do que for feito depois com ela."
Sob o Sol
Thiago trabalhou na Comlurb – um dia limpando a praia e outro no administrativo. Assim como os outros juízes que participaram do projeto, ele conta que uma parte muito interessante da experiência foi ouvir as histórias e situaçõesbaixar blaze appoutros trabalhadores.
Thiago saiu já uniformizado do seu prédiobaixar blaze appBotafogo, bairro da classe média na Zona Sul do Riobaixar blaze appJaneiro. O porteiro, ao perguntar sobre o uniforme e ouvir sobre o projeto, começou a contar abaixar blaze appprópria experiência.
"Ele tem o segundo grau completo, mas ficou desempregado e foi ser auxiliarbaixar blaze appserviços gerais na Outback. Diz que, pela qualificação que tinha, se sentia meio constrangido na profissão e quase entroubaixar blaze appdepressão, porque a formabaixar blaze apptratamento das pessoas com ele era muito rude. Ele disse, por exemplo, que os garçons se sentiam superiores e tratavam mal os auxiliares", conta Thiago.
Ele próprio não teve outras experiências do tipo. "Claro que é um trabalho desgastante, sob o sol, difícil. Mas por ser concursado, as condições são até melhores do quebaixar blaze appoutros lugares. E os colegas demonstravam muito orgulho do trabalho e a consciência da importância que esse trabalho tem."
Na praia, sob o sol alto, uma senhora disse: "Nossa, mas você é tão branquinho para ficar no sol, não te deram o chapeubaixar blaze appproteção? Eles têm que te dar!".
"No início, achei gentil a preocupação dela, mas depois fiquei pensando: será que ela se preocuparia se eu não fosse branco? Será que ela acha que existe um perfil para fazer esse tipobaixar blaze apptrabalho?", questiona Thiago.

Crédito, Arquivo Pessoal
Os juizes Thiago Mafra e Mônica Cardoso trabalharambaixar blaze appgaris para a Comlurb, empresa que faz a limpeza do RJ
Sérgio Jesus Teixeira, que é garibaixar blaze appverdade há nove anos e também trabalha no Leme, diz quebaixar blaze appgeral as pessoas tratam bem, mas alguns episódios incomodam. "Ver a faltabaixar blaze appconsciência das pessoas jogando lixo na rua, praia... Dá uma tristeza", diz Sérgio. "E quando, na praia, as pessoas falam com tom mal educado e dando ordens do que ebaixar blaze appcomo ele deve recolher."
São situações corriqueiras na vida do trabalhador, mas que muitas vezes os juízes – que tomam decisões que os afetam diretamente – só veembaixar blaze applongebaixar blaze appaudiências. "É uma realidade muito distante para quem passa o dia no tribunal", afirma a juíza Adriana Leandro, que trabalhou como telefonista.
Medobaixar blaze appperder o emprego
"Às vezes, a gente está tão endurecido... Por mais que lide todo dia com muitos processos, sentir um pouquinho do que o empregado sente é importante para sensibilizar", diz.
Ela conta que a marcou muito o pavor que as colegas telefonistas – umabaixar blaze appespecial – tinhambaixar blaze appperder o emprego. "Ela tem outro emprego, mas o marido está desempregado, então ela ficava na angústia, um desespero fora do comum."
"Ela ficou doente e não vai ao médico, porque se ele disser que ela tem que operar, como vai fazer?", diz ela, ressaltando que a colega parecia ser uma ótima profissional, muito dedicada. "Mas é uma insegurança tão grande que isso não é suficiente para tranquilizá-la."

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