O curso que tenta ensinar homens a não agredirem mais mulheres:prêmio mega da virada 2024

  • Renata Mendonça - @renata_mendonca
  • Da BBC Brasilprêmio mega da virada 2024São Paulo
Violência contra a mulher

Crédito, Thinkstock

prêmio mega da virada 2024 Uma salaprêmio mega da virada 2024aula onde os alunos são todos - e somente - homens. Brancos, negros, jovens, idosos,prêmio mega da virada 2024todas as classes sociais, eles formam um grupo heterogêneo e cheioprêmio mega da virada 2024diferenças, mas carregam consigo uma característicaprêmio mega da virada 2024comum: todos estão ali por terem cometido crimesprêmio mega da virada 2024violência contra a mulher.

O casoprêmio mega da virada 2024João* aconteceu no último dia 25prêmio mega da virada 2024dezembro, no Natal. Uma discussão com a mulher por uma foto apagadaprêmio mega da virada 2024um celular motivou uma briga que fugiu do controle. Entre xingamentos e insultos, ele a empurrou na cama, deu tapas e quebrou o espelho, até ela gritar por socorro e o filho chamar a polícia.

Aos 27 anos, Pedro* nunca teve um perfil violento, segundo a mulher, mas um dia também a agrediu por ciúme - uma raiva que não conseguiu conter no momento, como ele diz.

Já separados, os dois viviam na mesma casa por causa dos filhos, e quando ela chegou mais tarde do trabalho um dia ele resolveu tirar satisfação. Foiprêmio mega da virada 2024"vagabunda' para baixo, com outros xingamentos que ele mesmo descreve como "impublicáveis" - mas não parou por aí.

"Com essa mão aqui eu dei três tapas na orelha dela que fizeram sangrar. Dei chute no útero, acho que no joelho também. Agredi, sim, não vou mentir", disse à BBC Brasil. Tudo isso na frente dos filhosprêmio mega da virada 2024quatro anos e dois anos.

Rubens* partiu para cima da filha. Com 60 anosprêmio mega da virada 2024idade - e um corpo todoprêmio mega da virada 2024fisiculturistaprêmio mega da virada 2024vidradoprêmio mega da virada 2024academia -, ele teve seus desentendimentos com a jovemprêmio mega da virada 202418 anos.

"Eu a repreendia, controlava muito horário dela sair e chegar", conta. Um dia, avançou para a agressão e, quando a mãe, que sofreprêmio mega da virada 2024câncer e estáprêmio mega da virada 2024tratamento, entrou na frente para defender a menina, acabou apanhando também. As duas o denunciaram.

Esses três homens agora estão sendo processados com base na lei Maria da Penha e viraram colegasprêmio mega da virada 2024sala no curso "Tempoprêmio mega da virada 2024Despertar", promovido pelo Ministério Públicoprêmio mega da virada 2024São Paulo com o objetivoprêmio mega da virada 2024reduzir a reincidênciaprêmio mega da virada 2024casosprêmio mega da virada 2024violência contra a mulher.

"É uma formaprêmio mega da virada 2024prevenir a violência contra a mulher. Percebi que os casosprêmio mega da virada 2024reincidênciaprêmio mega da virada 2024violência doméstica eram muito altos,prêmio mega da virada 2024tornoprêmio mega da virada 202465%. Buscando projetos internacionaisprêmio mega da virada 2024sucesso, consegui achar dois que trabalhavam com o homem, com a desconstrução do machismo, da masculinidade", explicou à reportagem a promotora e criadora do curso, Gabriela Manssur.

Tempoprêmio mega da virada 2024Despertar

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Legenda da foto,

Promotora Gabriela Manssur é quem coordena o projeto Tempoprêmio mega da virada 2024Despertar; Sergio Barbosa faz parte dos gruposprêmio mega da virada 2024reflexão que incluem bate-papos com homens agressores

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"A pessoa mais beneficiada com esse curso é a mulher. Nas três edições (do curso) que fizemos, tivemos somente um homem que voltou a cometer violência. Ou seja, reduzimos a reincidência para praticamente zero. Portanto, se temos 17 homens aqui, vamos ter menos 17 casosprêmio mega da virada 2024violência contra a mulher no Ministério Público ano que vem", afirmou.

"O que é melhor: não é só o processo, dentro do processo tem uma vida, uma família que sofre, uma vítima que sofre. Então são menos 17 vítimas sofrendoprêmio mega da virada 2024violência contra a mulher."

O curso é composto por oito aulas que,prêmio mega da virada 2024geral, são realizadas a cada duas semanas. Aborda temas relacionados a gênero, direitos das mulheres, lei Maria da Penha, masculinidade, sexualidade e DSTs (doenças sexualmente transmissíveis), álcool e drogas, paternidade e afetividade, entre outros.

Participam da iniciativa homens denunciados por violência doméstica e sob investigação, cumprindo medida protetiva e/ou aguardando julgamento. O comparecimento é obrigatório e pode reduzir eventuais penasprêmio mega da virada 2024casoprêmio mega da virada 2024condenação.

A BBC Brasil acompanhou três diasprêmio mega da virada 2024curso e conversou com organizadores, participantes e mulheres vítimasprêmio mega da virada 2024violência cometida por eles.

Chegada

Quem entrasse desavisado naquela sala no fórum regional da Penha (zona lesteprêmio mega da virada 2024São Paulo) dificilmente entenderia quem eram aqueles homens e o que faziam ali.

Um grupo que reunia jovensprêmio mega da virada 202420 e poucos anos com óculos Rayban escorados na testa; idososprêmio mega da virada 2024cabelos brancos; brancos, ruivos, negros, pardos, barbudos, com dreads no cabelo; homens escolarizados, com diploma universitário; ou que mal haviam terminado o colégio; homens fortes, altos, musculosos; outros franzinos, miúdos.

"Não existe perfil do agressor. É aquele homem, aquele jovem, aquele idoso, que não respeita os direitos das mulheres. São homens que não entendem que as mulheres têm os mesmos direitos que eles, que foram criados no reflexoprêmio mega da virada 2024uma sociedade machistaprêmio mega da virada 2024forma a entender que a mulher tem que servi-lo, que a mulher tem que ser controlada, que a mulher que sai com roupa curta é vadia, etc", afirma Manssur.

E, logo no primeiro diaprêmio mega da virada 2024curso, já era possível perceber um sentimentoprêmio mega da virada 2024comum: a revolta por estarem ali "sem terem cometido crime nenhum".

"Eles chegam aqui revoltados. Sem entender por que estão ali. Eles falam: 'Eu não sou criminoso, o que eu estou fazendo aqui?'. Não entendem por que as mulheres estão querendo tantas coisas, por que elas querem se igualar aos homens. Xingam até a Maria da Penha", conta Sergio Barbosa, um dos gestores do curso.

Réu por violência doméstica

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"Não entendia o que estava fazendo aqui. Depois, comecei a entender e aprender coisas que eu nunca tinha ouvido na vida, que existem vários tiposprêmio mega da virada 2024agressão, que agressão verbal também é violência", disse João

O primeiro trabalho éprêmio mega da virada 2024conscientização sobre os direitos das mulheres, o feminismo e a masculinidade. Nas aulas, especialistas convidados pelos organizadores falam sobre mudanças da sociedade e conquistas recentes das mulheres, sobre a importânciaprêmio mega da virada 2024combater a ideiaprêmio mega da virada 2024que "homem tem que ser duro" ouprêmio mega da virada 2024que "homem não pode chorar" e tentam chamar a atenção para as razões dos erros dos participantes.

"Cheguei aqui e achava que jamais tinha sido agressivo, que nunca tinha sido agressor. Não entendia o que estava fazendo aqui. comecei a entender e aprender coisas que eu nunca tinha ouvido na vida, que existem vários tiposprêmio mega da virada 2024agressão, que agressão verbal também é violência. Aí no primeiro encontro já vi que eu estava errado", relatou João.

Reflexões

Além das palestras, os homens são reunidosprêmio mega da virada 2024gruposprêmio mega da virada 2024reflexão onde debatem como podem melhorar suas atitudes. Em um deles,prêmio mega da virada 2024que o assunto era autocontrole, a reportagem acompanhou o momentoprêmio mega da virada 2024que a conversa passou a tratar das "roupas que as mulheres vestem".

"Minha mulher pode vestir o que quiser. Eu só aviso para ela: 'Você quer sair assim? Você sabe como os homens vão olhar'. Mas eu respeito a escolha dela", disse um deles. O outro reclamou do batom escuro e vermelho que a esposa usava - semelhante ao da repórter diante dele. "Não gosto. Acho ridículo", disse com veemência.

Sergio Barbosa, que monitorava o grupo, imediatamente tentava direcionar o pensamento delesprêmio mega da virada 2024outra forma. "Mas qual é o problema do batom? E ela não pode usar?"

Um dos acusados também chegou a transparecer uma insatisfação por estar respondendo pelo crime. "No meu caso, foi só (violência) verbal, ela não precisava ter colocado na lei Maria da Penha". Ao que Barbosa rebatia: "Mas agressão verbal também é violência. Quando alguém te xinga, te rebaixa, te humilha, você gosta? Como você se sente?"

Projeto Tempoprêmio mega da virada 2024Despertar

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Projeto Tempoprêmio mega da virada 2024Despertar já é leiprêmio mega da virada 2024Taboão da Serra e estáprêmio mega da virada 2024processoprêmio mega da virada 2024se tornar lei na cidadeprêmio mega da virada 2024São Paulo também - maisprêmio mega da virada 202420 cidades já se interessamprêmio mega da virada 2024levar o projeto para suas regiões (promotora Gabriela Manssur à esquerda e Sergio Barbosa, um dos coordenadores do curso, à direita)

"Nós damos um panorama sobre o que é esperado da mulher na sociedade, como são colocados os direitos das mulheres na Constituição formalmente e como é isso na prática, mostrando o quanto a mulher sofre pra ter os mesmos direitos que os homens", explicou a promotora.

"Eu sempre pergunto: onde é o lugar da mulher? Eles respondem: onde ela quiser. A mulher pode trabalhar? Pode. Pode ser promotora? Pode. E eu sei que tem casos aqui que a mulher apanhou porque foi trabalhar ou foi estudar."

Alémprêmio mega da virada 2024propor a reflexão sobre a questãoprêmio mega da virada 2024gênero, o curso também traz profissionais da Justiça, para tirar dúvidas dos acusados sobre as implicações da lei Maria da Penha, e profissionais da saúde para orientá-los sobre o vícioprêmio mega da virada 2024álcool e drogas - muitos sofrem desse problema - e sobre DSTs.

Mudanças

No penúltimo encontro do curso, era possível perceber outra semelhança entre todos os homens que estavam ali. Se na primeira participação eles se sentiam revoltados, sem entender o motivoprêmio mega da virada 2024estarem ali, neste a sensação eraprêmio mega da virada 2024aprendizado.

"A principal mudança deles foi falar maisprêmio mega da virada 2024si mesmo como responsável pelo fato que aconteceu, e não ficar mais delegando a culpa à companheira. Eles perceberam que o comportamento machista os levou a essa situação", observou Sergio Barbosa.

Rubens ainda se vê com dificuldadesprêmio mega da virada 2024aceitar essas "novas regras" da sociedade que aprendeu no curso. Mas reconhece seu erro.

"Eu tenho 60 anos, é muito difícil mudar (o pensamento). Talvez eu tenha que manter minha máscara e fingir que está tudo bem. É difícil esquecer meus valores, tudo que aprendi. Mas tenho certeza que mudei", disse na reflexão com os companheirosprêmio mega da virada 2024grupo.

"Eles mostraram para mim queprêmio mega da virada 2024graça não foi, algo eu fiz. E a partir desse dia comecei a refletir que eu não era tao bom quanto achava que fosse. Se você fica preso aos paradigmas antigos, você se torna um opressor. Um dia a gente (ele e a filha) vai se aproximar, e eu penso que serei uma pessoa mais compreensiva, melhor. Ficar preso a esses paradigmas não leva a nada."

A esposaprêmio mega da virada 2024João tem sentido na prática as mudanças. Os dois ficaram separados por quatro meses após a agressão dele, mas se reaproximaram e acabaram reatando o relacionamento. "Ele mudou bastante. Na hora que vai ficar nervoso, ele pensaprêmio mega da virada 2024outra coisa e acalma. Mudou a maneiraprêmio mega da virada 2024pensar. Está mais controlado, não é tão ciumento", contou ela à BBC Brasil.

Já no casoprêmio mega da virada 2024Pedro, o casal prefere se manter separado. Mas a relação dos dois é outra a partirprêmio mega da virada 2024agora. "Mudou completamente. Até mesmo a relação com a minha família, ele não falava com a minha mãe, hoje ele vai lá, fala com a minha família. Realmente houve uma modificação, não sei se é duradoura", pontuou a esposa.

"A gente vê até pela formaprêmio mega da virada 2024se comunicar. Ele senta, conversa, não tem aquela ignorânciaprêmio mega da virada 2024se sentir superior, agora éprêmio mega da virada 2024igual pra igual."

Pedro não esconde a vergonha pelo que fez e diz que "não se perdoa". Mas agora se compromete a transmitir aos filhos tudo o que tem aprendido com a situação.

"Se eu tivesse a cabeça que tenho hoje na época, eu não teria feito isso. O que eu fiz foi um acidente, eu nunca mais vou fazer e é algo que eu me envergonho, me arrependo, nao consigo me perdoar. Converso muito com meu filho, explico que ele não pode baterprêmio mega da virada 2024mulher, que não pode bater na irmã dele, tento consertar a c***** que fiz", disse.

"Acredito que tinha que ter um pouco dissoprêmio mega da virada 2024todas as escolas do Brasil pra essas crianças e adolescentes. Isso iria eliminar muito o tipoprêmio mega da virada 2024homem que vira agressor, porque ele iria entender a importância da mulher na sociedade."

* Os nomes são fictícios - os personagens conversaram com a reportagem sob a condiçãoprêmio mega da virada 2024não serem identificados.