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Como civilizações antigas lidavam com efeitos psicológicos da violência das guerras:ice casino
No entanto, embora as relíquias físicas dessa violência tenham se dissolvido emice casinomaior parte no solo ácido da região, a evidência do seu impacto psicológico permaneceuice casinoum obscuro documento medieval.
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A guerra mais antiga registrada na história ocorreu na Mesopotâmiaice casino2700 a.C., entre as civilizações da Suméria eice casinoElam, há muito tempo desaparecidas. E, apesarice casinoperíodos ocasionaisice casinorelativa paz, como no início do século 21, a guerra tem pairado sobre nossa espécie desde então.
Como eraice casinose esperar, nossos ancestrais não estavam imunes aos efeitos psicológicosice casinotoda essa matança, assim como não estamos hoje.
Mas, na ausênciaice casinotratamentos modernos, muitas sociedades antigas desenvolveram seus próprios métodos engenhosos para lidar com o trauma — desde justificativas religiosas até rituaisice casinopurificação e peçasice casinoteatro imersivas.
O que será que podemos aprender com estas práticas?
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Apenas um ano após a conquista normanda, um grupoice casinobispos se reuniu para criar uma lista incomum. O chamado ato Penitencialice casinoErmenfrid registra um conjuntoice casinoinstruções para aqueles que participaram do derramamentoice casinosangue, definindo as açõesice casinoarrependimento que deveriam realizar para expiar seus atos.
Há penitências específicas para cada circunstância: se os soldados cometeram estupro, mataram alguém, infligiram um ferimento ou não sabiam quantas pessoas haviam matado.
Se tivesse sobrevivido, o soldado responsável pelos ferimentos do "esqueleto 180" teria que se submeter a penitências por um ano inteiro.
Esse documento medieval não era um ato ordinárioice casinocompaixão.
Atualmente, acredita-se que a penitência pode ter sido uma tentativaice casinoabsolver os soldados normandos do "dano moral" — as consequências angustiantesice casinoagirice casinouma forma que vai contra seus valores morais.
"Está claro que os combatentes medievais sabiam que o trauma era uma possibilidade", diz Kathryn Hurlock, professoraice casinohistória medieval na Universidade Metropolitanaice casinoManchester, no Reino Unido.
As batalhas na Idade Média envolviam principalmente combates corpo a corpo, um estiloice casinoluta sanguinário que causava ferimentos horríveis e, às vezes, milharesice casinomortesice casinoum único dia.
Até mesmo a Tapeçariaice casinoBayeux — uma obra-prima medievalice casino68 metros que conta a história da invasão normanda — contém cenas dilacerantes.
Enquanto as tropas normandas e inglesas se enfrentam com machados, espadas, porretes, lanças, arcos e lanças, a carnificina se espalha pelas margens do tecido; cavalos feridos por lanças caem, soldados retiram armadurasice casinocadáveres nus e a contagemice casinocabeças e outras partes do corpo desmembradas se acumula.
Mas as evidências do impacto psicológicoice casinotoda essa violência são escassas —ice casinoparte, porque os registros medievais tendem a ser contos heroicos ou relatos factuaisice casinoeventos, explica Hurlock.
"Os relatosice casinoprimeira pessoa dos combatentes são raros, e a autorreflexão é praticamente inexistente", ela acrescenta.
Algumas pistas do trauma
Mas há algumas pistas. Por exemplo: o Livro da Cavalaria, um manualice casinocombate escrito durante a Guerra dos Cem Anos (um conflito entre França e Inglaterra ocorrido entre 1337 e1453) por um dos cavaleiros mais famosos da época.
Alémice casinofornecer instruções práticas sobre técnicasice casinocombate, o autor adverte sobre os tiposice casinocoisas que hoje reconheceríamos como causadorasice casinotrauma, diz Hurlock, escrevendo sobre "grandes terrores", inclusive quando os cavaleiros não estavamice casinoperigo imediato.
Segundo ela, outros registros da época mencionam até mesmo sintomas específicos, como medo, vergonha e traição.
"Havia expectativas sobre o que deveria e o que não deveria acontecer na guerra, como fazer reféns para pedir resgate, e quando essas expectativas ou 'regras' eram transgredidas, as pessoas pareciam ter maior probabilidadeice casinosofrer algum tipoice casinotrauma", observa Hurlock.
Aqui entra o dano moral, um tipoice casinoferida psicológica que parece ser universal, afetando guerreirosice casinovárias culturas humanas diferentes ao longoice casinomilharesice casinoanos, desde os cristãos medievais até os veteranos da Guerra do Vietnã no século passado.
Para ajudar os veteranos a evitar traumas e fornecer ferramentas para lidar com eles, as sociedades medievais dependiam,ice casinogrande parte, da religião.
Havia orações e bênçãosice casinosacerdotes antes das batalhas, e as penitências permitiam que os veteranos fossem absolvidosice casinoqualquer atrocidade que tivessem cometido.
Mais tarde, durante as Cruzadas, as pessoas foram informadas que entrarice casinoguerra era um ato sagradoice casinosi — e poderia acabar com todas as transgressões anteriores, diz Hurlock.
O papel da superstição
O ano era 264 a.C., os romanos estavam no porto da cidade sicilianaice casinoDrepana, e estavam prontos para atacar uma frotaice casinonavios pertencentes ao inimigo, os cartagineses.
O comandante do Exército estava realizando o ritual pré-batalha para determinar se os deuses estavam a seu favor — tudo o que eles precisavam fazer era soltar um grupoice casinogalinhas sagradas da gaiola e convencê-las a comer alguns grãos.
Quanto mais avidamente elas bicassem, mais favorável seria a previsão.
O problema é que os romanos estavam com um poucoice casinopressa. Assim,ice casinovezice casinorealizar o ritual antesice casinolançar as embarcações, ainda na praia, o comandante insistiu que deveria ser realizado dentro do barco.
É possível que as galinhas tenham ficado um pouco mareadas. Elas se recusaram terminantemente a comer, e ele as jogou no mar com raiva. O Exército foi derrotado rapidamente.
O comandante romano havia cometido um erro elementar.
"Os soldados sempre foram supersticiosos, e os romanos não eram exceção", observa Barry Strauss, professorice casinoestudos humanísticos da Universidadeice casinoCornell,ice casinoNova York, nos EUA.
Segundo ele, este presságio não só teria abalado a confiança do Exército ao entrarice casinocombate, como também teria potencialmente tornado suas experiências mais traumáticas depois.
De fato, os antigos romanos investiam bastanteice casinoobter a devida permissão dos deuses para suas guerras.
"Os romanos eram um povo muito legalista", diz Strauss. Eles só consideravam aceitável a guerra defensiva — e cada conflito era aprovado por um comitê especialice casinosacerdotes, os feciais.
"Claro, isso é um absurdo, os romanos passaram séculos conquistando um império, então é claro que eles se envolveramice casinoagressões. Mas os feciais sempre insistiam que o que estava acontecendo era defensivo, e que a guerra era justificada", acrescenta Strauss.
Roma Antiga: permissão especial e combatesice casinogladiadores
Isso era importante, uma vez que a guerra romana era particularmente violenta e sangrenta para os combatentes envolvidos.
Enquanto a Grécia Antiga tinha hoplitas (soldadosice casinoinfantaria fortemente armados que se moviamice casinoformaçãoice casinofalange e atacavam o inimigo com lançasice casino2,4 metros), a estratégia romana usava uma distância muito menor.
Eles lutavam com o gládio, um tipoice casinoespada curta, segundo Strauss, "semelhante a um facão", sugerindo que teria sido mais difícil ocultar o horror do que estava acontecendo.
"Ouvimos falarice casinosoldadosice casinobatalhas romanas que caminhavamice casinomeio ao sangue; havia o perigoice casinoescorregar, porque havia muito sangue."
Mas os romanos tinham outra maneiraice casinoevitar que os soldados ficassem traumatizados: os combatesice casinogladiadores. Estes espetáculos sangrentos eram muitas vezes usados como uma formaice casinoacostumar os jovens com a violência, diz Strauss, e o públicoice casinogeral adorava.
"Encontramos souvenirsice casinojogosice casinogladiadoresice casinotodos os lugares,ice casinouma ponta a outra do império, eice casinoPompeia há grafitesice casinofãs dos gladiadores", afirma.
"Sabemos que alguns deles foram feitos por crianças, porque foram escritosice casinoum patamar muito baixo, na alturaice casinoque as crianças conseguem alcançar."
Mas Strauss não está convencidoice casinoque estas estratégias eram totalmente eficazes na prevençãoice casinotraumas. "O mundo antigo está repletoice casinoadvertências — não fuja da batalha —, o que nos diz que as pessoas fugiam da batalha porque ela era muito aterrorizante", afirma.
Grécia Antiga: peçasice casinoteatro imersivas
A cercaice casino40 quilômetros a nordesteice casinoAtenas, há uma planície coberta por um gramado. Esse local tranquilo, que hoje está repletoice casinoflores silvestres e cercado por pinheiros e oliveiras, foi onde,ice casinoum diaice casinooutonoice casino490 a.C., maisice casino6 mil guerreiros antigos morreram na Batalhaice casinoMaratona.
O dramaturgo e veterano militar Ésquilo estava lá naquele dia, como parte do antigo Exército grego que avançou contra uma força persa invasora.
Mais tarde, ele escreveu cercaice casino90 peçasice casinoteatro, embora apenas sete tenham sobrevivido — muitas das quais descrevem as consequências destes conflitos, inclusive os traumas psicológicos.
Na verdade, Ésquilo era conhecido como soldado. Apósice casinomorte, o epitáfioice casinoseu túmulo não mencionava seu trabalho como dramaturgo, mas destacavaice casinobravura no campoice casinobatalha.
Peter Meineck, professorice casinoclássicos do mundo moderno na Universidadeice casinoNova York, nos EUA, acredita que os gregos antigos usavam peçasice casinoteatro dramáticas como formaice casinocatarse, o que ajudava os veteranos a processar essas experiências.
Na verdade, há uma longa tradiçãoice casinoconsiderar o poema épico Odisseia, escrito por Homero, como um livro sobre o estresseice casinocombate.
As peçasice casinoÉsquilo são atípicas, porque ele não dramatizava só acontecimentos distantes ou mitológicos. Em Os Persas, ele escreve sobre o que aconteceu após a Batalhaice casinoSalamina,ice casino480 a.C., na qual ele lutou. "Ele realmente demonstra empatia pelo inimigo", observa Meineck.
O século 5 antesice casinoCristo foi uma épocaice casinoconflitos sangrentos no mundo clássico, com as Guerras Persas e a Guerra do Peloponeso ocorrendo quaseice casinoparalelo.
"Poderíamos descrever o século 5 como uma épocaice casinoguerra e, apenas ocasionalmente,ice casinopaz", diz Meineck.
As batalhas eram sangrentas e assustadoras.
"Você vai ser empalado por uma lança, vai ser levado ao chão por uma espada, ou vai estar servindoice casinoum navio, que basicamente se choca contra outro navio, e você espera sobreviver... era terrível, terrivelmente violento", afirma.
Na opiniãoice casinoMeineck, o estresseice casinocombate que isso gerava é evidente nos registros da época. Ele cita o relatoice casinoum historiador sobre a Expedição Siciliana, uma campanha militar ateniense que começouice casino415 a.C.
O Exército teve que partir às pressas, e não pôde levar os feridos junto, embora eles implorassem para não serem deixados para trás. "Essa é uma descrição muito traumática, e qualquer pessoa que a leia pode ver como isso afetou fortemente os sobreviventes", diz ele.
A Batalhaice casinoMaratona deu origem até mesmo a uma história curiosa, que alguns especialistas veem como um relatoice casinotrauma psicológico — embora isso seja controverso.
Centenasice casinoanos após o confronto, um historiador grego escreveu sobre um homem que havia lutado na batalha quando,ice casinorepente, viu uma figura imponente, semelhante a um fantasma, com uma barba tão grande que ofuscava seu escudo. Essa aparição passou por ele, e matou o homem ao seu lado.
Daquele diaice casinodiante, embora não tivesse nenhum ferimento físico, ele ficou completamente cego.
"A sociedade grega [Antiga] era uma sociedade ritualizada", explica Meineck.
Antes da Batalhaice casinoMaratona, os atenienses prometeram sacrificar uma cabra à deusa Ártemis para cada persa que matassem — embora, no final, não tivessem cabras suficientes.
Quando os veteranos retornavam, eles podiam se inscrever nos Mistériosice casinoElêusis— rituais ultrassecretos que prometiam deixar as pessoas contentes, embora o que eles envolviam seja totalmente elusivo até hoje.
Veteranos do Iraque e Afeganistão
As obras trágicas eram uma extensão desta cultura.
Em Atenas, as peças eram encenadas apenas no inverno e na primavera, no ambiente íntimoice casinoum pequeno teatro ao ar livre. Era uma experiência imersiva sob o Sol, muitas vezes com uma narrativa mitológica que teria afetado profundamente as pessoas.
"Isso é difícilice casinoreproduzir [hojeice casinodia]", observa Meineck.
Mas isso não o impediuice casinotentar.
Após trabalhar com veteranos do Iraque e do Afeganistão, Meineck lançou o Warrior Chorus Project, uma iniciativa que ajuda as pessoas a processar seus traumas usando literatura antiga.
Ele explica que estas obras não poderiam ser mais adequadas para aqueles que regressam da guerra nos tempos modernos.
"Elas foram [originalmente] escritas por veteranosice casinocombate e interpretadas por veteranosice casinocombate, para um públicoice casinoveteranosice casinocombate", diz ele.
Mas o que dizer do trauma dos civis?
No mundo Antigo, assim como hoje, a guerra muitas vezes se espalhava pelo mundo do públicoice casinogeral — levando a casosice casinoestupro, tortura, escravidão, roubos, assassinatos e desalojamentoice casinomassaice casinopessoas, com cidades inteiras arrasadas.
"Quando um Exército atacava uma cidade, se ela se rendesse, os civis seriam,ice casinogrande parte, deixadosice casinopaz", diz Strauss.
"No entanto, se a cidade resistisse e fosse tomada após um cerco ou imediatamenteice casinoassalto, infelizmente, todos os que estivessem nela estariam sujeitos a serem atacados", ele acrescenta.
Assim como no caso do traumaice casinocombate, os gregos antigos lidavam com o impacto psicológico causado pela guerra por meioice casinopoemas, peçasice casinoteatro e rituais.
"Ouvimos muito sobre o sofrimentoice casinomulheres e crianças no [poema épicoice casinoHomero] Ilíada", diz Strauss.
Na opiniãoice casinoMeineck, temos muito a aprender com a maneira como os gregos antigos enfrentaram o trauma.
"Acho que precisamos nos reunir coletivamente e vivenciar isso juntos", diz ele. "Acho que precisamos nos emocionar com as histórias dos outros. E acho que precisamos nos abrir para a catarse... se conseguirmos fazer isso, poderemos [começar a] nos curar."
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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