O polêmico 'muro' que divide dois paísescartas online jogoilha no Caribe:cartas online jogo

Luis Abinader

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Luis Abinader na inauguração das obras do muro entre a República Dominicana e o Haiti

"A República Dominicana não pode assumir a crise política e econômica daquele país (Haiti) ou resolver o restocartas online jogoseus problemas", disse Abinadercartas online jogoum ato com forte simbolismo patrióticocartas online jogoque o hino nacional foi cantado vigorosamente a poucos metros do Haiti, o país mais pobre das Américas.

Segundo os últimos dados do Banco Mundial e do governo dominicano, 60% da população haitiana vive na pobreza, contra 24% na dominicana. A pobreza extrema chega a 24% no Haiti enquanto écartas online jogo3,5% do outro lado da fronteira.

54 quilômetros

Os primeiros metros da cerca já podem ser vistoscartas online jogoDajabón, no noroeste da República Dominicana, um dos principais pontoscartas online jogofronteira com o Haiti.

Oito dias após o início da construção, a BBC News Mundo, serviçocartas online jogoespanhol da BBC, visitou o local. O trabalho havia sido interrompido. Apenas uma escavadeira permaneceu com o motor ligado. Dois soldados entediados guardavam a área. Vacas mugiam e lixo plástico foi armazenado no terreno ao lado.

A poucos passos do muro e do lugarcartas online jogoonde Abinader discursou, algumas crianças haitianas tomavam banho e algumas mulheres lavavam suas roupas no rio Masacre, cuja escassa correntecartas online jogoágua forma uma fronteira flexível entre os dois países.

O muro promete ser muito mais firme.

Muro

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Barreira começou a ser construídacartas online jogo2017

Em uma primeira fase, com conclusão prevista para o primeiro semestre deste ano, segundo o governo dominicano, serão construídos 54 quilômetroscartas online jogobetão armado e estrutura metálica, como o traçadocartas online jogoDajabón. Além disso, haverá 19 torrescartas online jogovigia e 10 portõescartas online jogoacesso. O muro não vai cobrir toda a extensa fronteira territorial, mas se elevará acima das "áreas mais populosas e sensíveis".

Na segunda fase, que deve começar assim que a primeira estiver concluída, serão construídos mais 110 kmcartas online jogomuro, com um investimento totalcartas online jogocercacartas online jogoUS$ 30 milhões (R$ 145,1 milhões), segundo dados do governo.

"É um muro que vai beneficiar os dois países. Vai controlar o comércio bilateral, regular os fluxos migratórios para combater as máfias que traficam pessoas, alémcartas online jogolidar com o narcotráfico e a venda ilegalcartas online jogoarmas, e proteger a criação e as colheitascartas online jogopecuaristas e produtores agrícolas", disse Abinader.

'Não gosto do muro'

Nenhum membro do governo haitiano esteve presente no atocartas online jogo20cartas online jogofevereiro. Também não comentou a construção do muro, erguidocartas online jogosolo dominicano.

Mapa
Legenda da foto, Mapa da Ilhacartas online jogoSão Domingos

O Haiti tem um governo interino desde que o presidente Jovenel Moise foi assassinado,cartas online jogojulho do ano passado. As eleições para um novo presidente foram adiadas devido ao elevado nívelcartas online jogoviolência no país, segundo o atual Poder Executivo chefiado por Ariel Henry.

A crise econômicacartas online jogocurso no Haiti, os desastres naturais e os conflitos políticos historicamente fizeram com que muitos haitianos buscassem uma vida melhor, ou pelo menos uma maneiracartas online jogoganhar dinheiro, no país com o qual compartilham a ilha.

Uma dessas pessoas é Novilia, uma haitiana que mora na República Dominicana. Ela vive uma casa feitacartas online jogochapa e pisocartas online jogoareia, a poucos metros da primeira vala da cerca que Abinader inaugurou.

"Os haitianos fazem negócios com os dominicanos aqui. Por que temos que erguer um muro? Não temos presidente no Haiti e as coisas estão difíceis", diz a mulher, que está no país vizinho há 12 anos.

"Eu não gosto (do muro), é ruim para os negócios, todo mundo tem dificuldade, todo mundo está procurando alguma coisa aqui (na Dominicana)... Não é bom", diz, ao ladocartas online jogoum vizinho e amigo, também haitiano. O rapaz afirma ser capazcartas online jogolimpar três casas dominicanascartas online jogouma única manhã.

Como centenascartas online jogohaitianoscartas online jogoDajabón e milharescartas online jogotoda a República Dominicana, a dupla reflete os laços econômicos que unem os dois povos, especialmente ao longo da fronteira.

De acordo com a última Pesquisa Nacionalcartas online jogoImigrantes na República Dominicana,cartas online jogo2017 havia meio milhãocartas online jogohaitianos no país, representando 87% da população estrangeira. Mas, cinco anos depois e com o acirramento dos problemas no Haiti, especialistas dizem que esse contingentecartas online jogoimigrantes pode ser 25% maior.

Esses haitianos são fundamentais para a economia dominicana, a segunda que mais cresceu na América Latina e no Caribe na última década. Estima-se que 80% da forçacartas online jogotrabalho nos setores agrícola ecartas online jogoconstrução civil na República Dominicana seja haitiana.

Novilia
Legenda da foto, Novilia mora a metroscartas online jogoonde o muro começou a ser construído

Em 2021, o Haiti foi o terceiro maior destino das exportações dominicanas depois da Suíça e dos Estados Unidos, segundo dados da Direção Geralcartas online jogoAlfândegas.

Mas a balança comercial é extremamente favorável à República Dominicana, algocartas online jogoque se queixa o Haiti, que pede mais ajuda financeira para exportar rum, cerveja e tabaco, sobretudo, para o outro lado da fronteira.

Em 2021, a República Dominicana gastou US$ 4 milhões (cercacartas online jogoR$ 20 milhões)cartas online jogoimportaçõescartas online jogoprodutos haitianos. Por outro lado, exportou US$ 500 milhões (R$ 2,5 bilhões)cartas online jogoprodutos nacionais ao país vizinho.

Necessidade mútua

Para além da economia, a relação entre haitianos e dominicanos acontececartas online jogoum nível mais modesto na fronteira.

"O dominicano precisa do haitiano, o haitiano precisa do dominicano", resume Novilia emcartas online jogohumilde casa.

Apesar dessa realidade ser aceita por quase todos na ilha, muitos haitianos enfrentam problemas para regularizarcartas online jogosituação imigratória e, às vezes, convivem com hostilidadecartas online jogoseus vizinhos do leste.

Em um pasto com dezenascartas online jogogados, Ernesto Alfonso Martínez Peña destaca a necessidade mútuacartas online jogoambos os lados da linha.

"O presidente (Abinader) deve canalizar legalmente quem vem trabalhar na fazenda. Se os haitianos não vierem, a produçãocartas online jogoleite, a agricultura e a construção vão cair", diz Martínez, que é a favor do muro porque sofreu com rouboscartas online jogogado - crime que ele atribui aos haitianos.

Um mercado sem muro

Portãocartas online jogoacesso à fronteira

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Maiscartas online jogo500 mil haitianos viviam na República Dominicanacartas online jogo2017

Ernesto Peña, o fazendeiro, não é o único que defende a construção do muro.

Santos tem 58 anos, é dominicano e dirige uma das milharescartas online jogobarracas do Mercado Binacionalcartas online jogoDajabón, que abre todas as segundas e quintas-feiras para reunir comerciantes dos dois lados da fronteira.

Às 8h da manhã, a ponte sobre o rio Masacre se enchecartas online jogohaitianos que, carregando fardoscartas online jogomercadorias nos ombros, cruzam o local e correm diante do olhar vigilante e às vezes ameaçadorcartas online jogosoldados dominicanos armados e vestidos com ternocartas online jogocampanha marrom-claro.

"Há muito tempo somos invadidos. Há mais haitianos aqui do que no Haiti", exagera Santos, que vende molhos e conservas no mercado.

"Quem tem trabalho aqui são os haitianos. É ruim para nós. O que podemos ganhar está sendo ganho por eles", reclama.

No entanto, ele também admite que "viver junto é bom".

"É isso que você vive na fronteira: negócios com haitianos", ele nos conta.

Ela dividecartas online jogobarraca no mercado - onde a música alta esconde o burburinho das compras e vendas na fronteira - com um amigo haitiano, que troca dinheiro.

Santos é uma das muitas pessoas na fronteira que se beneficiam do comércio com os haitianos, mas ao mesmo tempo se distanciam deles.

A acadêmica britânica Bridget Wooding, pesquisadora da imigração haitiana na República Dominicana, resume essa forma do dominicanocartas online jogose relacionar com o vizinho, que oscila entre a convivência e o repúdio. "Os haitianos são necessários, mas indesejados", diz.

Outras paredes

Portãocartas online jogoacesso à fronteira. Homens e mulheres com sacolas são revistados por soldados dominicanos

Crédito, ERIKA SANTELICES

Legenda da foto, Haitianos costumam atravessar a fronteira diariamente para trabalhar

Wooding vê o muro como um elemento "extremo" na dura história dominicanacartas online jogorelação aos haitianos, emcartas online jogomaioria negros. Essa história remonta aos tempos do ditador Rafael Leónidas Trujillo (1930-1961) e seu projeto do branqueamento da sociedade dominicana.

Mais recentemente, continuou com a polêmica decisãocartas online jogo2013 que "desnacionalizou" maiscartas online jogo130 mil dominicanoscartas online jogoascendência haitiana.

O Tribunal Constitucional dominicano entendeu que pessoas nascidas no país desde 1929 e cujos pais estrangeiros não tivessem personalidade jurídica não correspondiam à nacionalidade dominicana.

Em maiocartas online jogo2014, o Congresso dominicano aprovou uma leicartas online jogonaturalizaçãocartas online jogoresposta a essa decisão que causou críticas internacionais. No finalcartas online jogo2013, também foi decretado um planocartas online jogoregularização para estrangeiros.

Mas nada disso gerou processos eficazes ou simples para milharescartas online jogohaitianos e descendentes nascidos na República Dominicana.

Río Masacre
Legenda da foto, O rio Masacre marca a fronteira entre a República Dominicana e o Haiti

"Eles tiveram que se registrar como estrangeiros no país onde nasceram e, depoiscartas online jogodois anos, naturalizar-se como dominicanos", explica Wooding, que conhece os trâmites burocráticos.

Uma dessas pessoas é Zuleica Jiménez.

Ela mora com o marido Rafael e seus filhos na comunidade ruralcartas online jogoPinzón, pertocartas online jogoComendador, na província dominicanacartas online jogoElías Piña, centro do país.

Seus pais haitianos foram documentados na República Dominicana, onde ela nasceu. Zuleica, no entanto, nunca foi registrada e agora não possui os documentos que comprovemcartas online jogonacionalidade.

"Nasci e crescicartas online jogoElías Piña, mas não tenho documentos e me sinto mal porque tenho meus filhos sem declarar", diz Zuleica, ao lado do marido, emcartas online jogoprecária casa à beiracartas online jogouma estradacartas online jogoterra, a poucos metros da fronteira - áreacartas online jogoque Haiti e República Dominicana se misturam até se fundirem.

Rafael y Zuleica
Legenda da foto, Rafael e Zuleica afirmam que não têm seus filhos registrados como dominicanos apesarcartas online jogoterem nascido no país

Após a leicartas online jogo2014, Zuleica tentou regularizarcartas online jogosituação. "Gastei muito dinheiro com issocartas online jogovão... Depoiscartas online jogolevar os papéis para Santo Domingo (capital dominicana), nada aconteceu."

Ela é a favor do muro, mas preferiria que o governocartas online jogoseu país, que não a reconhece e a mantém apátrida, gastasse o dinheirocartas online jogoforma diferente.

"Estou mais interessadocartas online jogogastá-lo no processo. O muro é importante, mas estou interessado no processo."

Por que agora?

Em 2019, o então presidente Danilo Medina já havia construído alguns quilômetroscartas online jogoum muro na provínciacartas online jogoElías Piña, que agora será superado pela moderna cerca tecnológica.

Mas Abinader, eleitocartas online jogojulhocartas online jogo2020, foi mais longe ao apostar no muro como nenhum político local havia feito.

A Presidência e os ministérios da Defesa ecartas online jogoRelações Exteriores não responderam aos inúmeros pedidoscartas online jogoentrevistas da BBC News Mundo para falar sobre o muro e os processoscartas online jogoregularização como ocartas online jogoZuleica Jiménez, bem como sobre as recentes deportaçõescartas online jogomulheres grávidas haitianas.

Bridget Wooding, diretora do Centrocartas online jogoPesquisa Aplicadacartas online jogoDinâmica Migratorias (Obmica), afirma que o "muro perimetral faz partecartas online jogoum projeto que tenta mostrar o haitiano como um invasor".

"Há muito preconceito contra um grupo étnico e seus descendentes, os haitianos, devido às complexidades da história sociocultural", diz.

O sociólogo dominicano Juan Carlos Pérez, professor da Universidade Autônomacartas online jogoSanto Domingo e graduado pelo Institutocartas online jogoEstudos Políticoscartas online jogoParis, argumenta que há um sentimento anti-hiatiano entre parte da elite dominicana.

"Os políticos tentam ganhar o apoio do voto usando um discurso que divide para que os daqui se sintam protegidos doscartas online jogolá. É uma formacartas online jogodesviar a atenção dos problemas reaiscartas online jogoum país, usando uma população migrante como causador do mal", afirma.

E ele alerta para as consequências do novo.

"Nenhuma políticacartas online jogoboa vizinhança pode ser promovida a partir da política do muro. Isso tem um efeito simbólicocartas online jogoagressão, violência e maus-tratos à população que vive do outro lado."

O muro econômico

Fronteira Dominicana-Haiti
Legenda da foto, O comércio entre dominicanos e haitianos é movimentado na fronteira entre os dois países

Essa opinião é compartilhada por Lesly Theogene, diretor do Ministério do Comércio e Indústria do Haiti, que prefere falar como cidadão e não como membro do governo interino.

"Achamos que Abinader poderia construir um muro econômico, não um muro eletrificado que vai causar mortes", diz ele, sobre a ponte que liga os dois paísescartas online jogoDajabón, a cidade fronteiriça onde começa o muro e que reflete as tensões, mas sobretudo os laçoscartas online jogobenefício mútuo entre os dois povos.

Santiago Riverón, prefeito da cidade fronteiriça dominicana, concorda com ele.

"Um muro não vai separar esses dois países. Bem ou mal, estamos condenados a viver juntos, eles no país deles e nós no nosso."

Riverón,cartas online jogochapéu e voz grossa, faz parte do partido do presidente Abinader.

No entanto, ele não concorda que a cerca vai parar a imigração ilegal e diz que o que é necessário é "um muro econômico", ou seja, um projetocartas online jogodesenvolvimento empresarial que beneficie os dois países e que torne desnecessária a migração.

Ele cita como exemplo a zona franca, que no meio da fronteiracartas online jogoDajabón emprega 18 mil trabalhadores haitianos e da qual dependem cercacartas online jogo40 mil pessoas na área.

"Essas pessoas que estão trabalhando lá nunca vão deixarcartas online jogoterra natal."

Jocelin é um dos haitianos que deixaram o país — ele tinha 12 anos. Como ele, muitas crianças haitianas continuam a atravessar sozinhas a pontecartas online jogoDajabón para a República Dominicana todos os dias para trabalharcartas online jogoqualquer emprego.

Jocelin
Legenda da foto, Jocelin quer que seu futuro sejacartas online jogoseu país, o Haiti

"Passei fome no Haiti", recorda Jocelin, prestes a completar 18 anos,cartas online jogoum centrocartas online jogoacolhimentocartas online jogoOuanaminthe, no lado haitiano da fronteira, onde se vê claramente o contraste com o lado dominicano: há poucas ruas pavimentadas, muito mais lixo nas ruas e faltacartas online jogosaneamento básico.

Jocelin engraxava sapatos no país vizinho. Ele acaboucartas online jogoum orfanatocartas online jogoDajabón, onde hoje muitas crianças haitianas são vistas vagando sozinhas oucartas online jogogrupos, sem nenhum adulto. Elas se oferecem principalmente para engraxar sapatos, mas muitos são vítimascartas online jogotrabalho e exploração sexual.

De volta ao Haiti, no centrocartas online jogoacolhimento Lakay Jezy (A Casacartas online jogoJesus), Jocelin encontrou três refeições por dia, um luxo para muitas crianças haitianas, e a obrigaçãocartas online jogosair das ruas e voltar à escola.

Agora ele se tornou costureiro e quer ganhar a vida como alfaiate. Seus colegas adolescentes pedem para ele ajeitar seus jeans para que fiquem mais apertados e elegantes.

"Na República Dominicana há pessoas que nos tratam bem e outras que nos tratam mal", diz,cartas online jogomaneira tímida.

"Quero trabalhar, ter independência pessoal, quero ficar no Haiti, amo o Haiti", diz quando questionado sobre o futuro.

Línea

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