Como o trigo 'domesticou' a humanidade – e vice-versa:fan tan cassino

Crédito, Edison Veiga/BBC News Brasil
O trigo domesticou a humanidadefan tan cassinotal forma que não é exagero dizer que ele acabou sendo o combustível - até mesmo literalmente,fan tan cassinoformafan tan cassinocalorias ingeridas - para que as civilizações fossem criadas.
Era só mato
Por voltafan tan cassino18 mil anos atrás, com o fim da última Era Glacial, o aquecimento global provocou um períodofan tan cassinofortes e intensas chuvas. Essa mudança climática favoreceu uma gramínea na região do Oriente Médio.
Era trigo, mas não como o conhecemos hoje. As sementinhas eram ralas e pequenas. O vento conseguia espalhá-las - e, assim, a planta se multiplicava. Os ancestrais humanos daquela época viviamfan tan cassinobandos nômades. Eram caçadores-coletores - alimentavam-se basicamentefan tan cassinocarne e frutas.

Crédito, Tofazzal Islam/ BSMRAU,
Em algum momento dessa história - oufan tan cassinovários momentos, já que uma descoberta assim não ocorrefan tan cassinoforma tão linear -, os Homo sapiens perceberam que havia animais que se alimentavamfan tan cassinogramíneas. E decidiram experimentar.
Conforme relata o historiador Heinrich Eduard Jacob (1889-1967)fan tan cassinoseu livro Seis Mil Anosfan tan cassinoPão - A Civilização Humana Atravésfan tan cassinoSeu Principal Alimento, começaram colocando sementes na carne. E viram que suavizava o sabor. Caía bem.
"As pessoas começaram a comer mais trigo e, sem querer, favoreceram seu crescimento e difusão", afirma o historiador Yuval Noah Harari, no best-seller Sapiens: Uma Breve História da Humanidade. "Como era impossível comer grãos silvestres sem antes escolhê-los, moê-los e cozinhá-los, as pessoas que coletavam esses grãos os carregavam a seus acampamentos temporários para processá-los."
Mas os grãosfan tan cassinotrigo eram pequenos e numerosos. "Alguns deles inevitavelmente caíam a caminho do acampamento e se perdiam", pontua Harari. "Com o tempo, cada vez mais trigo cresceu perto dos acampamentos e dos caminhos preferidos pelos humanos."
Jacob frisa que, naquele tempo, trigo era só mato. Ou gramíneas. "Todos os cereais eram primitivamente plantas herbáceas selvagens", escreve. "Todos os cereais foram originariamente herbáceas cujas sementes tinham um saborfan tan cassinoque o homem primitivo gostava. Mas o homem tinha, para além dos insetos, um rival bem mais temível que lhe estragava a colheita dessas plantas. Era o grande criador do tapete verdefan tan cassinoervas. O vento."
Se o vento espalhava as sementes - e isto garantia a perpetuação do trigo -, ele atrapalhava o homem: afinal, não era possível colher o cereal maduro, este "voava" embora antes.
Seleção artificial: a domesticação do trigo
Sem entender nadafan tan cassinogenética, nossos ancestrais acabaram interferindo na evolução do trigo. "O primeiro objetivo do homem tevefan tan cassinoser portanto ofan tan cassinoconseguir fazer com que as espécies que eram mais do seu agrado não perdessem os grãos com tanta facilidade. E foi o que efetivamente sucedeu, já que o homem ao longofan tan cassinomilharesfan tan cassinoanos foi cultivando apenas aqueles exemplares que guardavam os grãos durante mais tempo na espiga", diz Jacob.
"Nasceram assim, a partir das herbáceas selvagens, devidamente protegidos pelos seus elmos, os heróis da nossa epopeia da alimentação", completa o historiador, referindo-se às versões do cereal que, evoluídas, "têm frutos que se fixam tão bem ao eixo da espiga que só se desprendem com golpes ou sob pressão, ou seja, por intermédiofan tan cassinouma ação voluntária, aquilo a que chamamos a debulha."
Como efeito disso, o trigo contemporâneo não sobrevive sem a mão humana. "A questão é precisamente o campofan tan cassinobatalha entre a robustez da espiga e o desejo que o homem temfan tan cassinoobter a farinha", sintetiza Jacob. "Os 'cereais domésticos' morreriam amanhã se o homem desaparecesse."

Crédito, Getty Images
Harari conta que os acampamentos daqueles nômades começaram a se fixar ao redorfan tan cassinolocais onde havia mais trigo. Para facilitar, eles "limpavam" o entorno, derrubando árvores e promovendo queimadas. Sem conhecer nem os rudimentos da agricultura, acabavam favorecendo justamente as gramíneas: que podiam crescer sem concorrência, livres das sombras das grandes árvores.
Foi o início do sedentarismo. O princípio da chamada Revolução Agrícola. "No começo, talvez eles acampassem por quatro semanas durante a colheita. Na geração seguinte, com a multiplicação e o alastramento do trigo, o acampamento da colheita talvez durasse cinco semanas, depois seis, até que se tornou um assentamento permanente", conta Harari. "Evidênciasfan tan cassinotais acampamentos foram encontradasfan tan cassinotodo o Oriente Médio, sobretudo no Levante, onde a cultura natufiana floresceufan tan cassino12,5 mil a.C. a 9,5 mil a.C."
Os natufianos ainda eram caçadores-coletores, mas viviamfan tan cassinoassentamentos permanentes. Inventaram ferramentas - como pilõesfan tan cassinopedra para moer trigo -e armazenavam os cereais para épocasfan tan cassinonecessidade.
Seus descendentes descobriram que podiam semear. Além disso, se enterrassem os grãos sob o solo, tinham resultados mais interessantes do que se simplesmente os espalhassem pela superfície.
Descobertas recentes apontam para a provável localização geográficafan tan cassinoque primeiro aconteceu esse fenômeno. Por meiofan tan cassinoanálises genéticas, cientistas descobriram que pelo menos a variedade Triticum monococcum começou a ser domesticada na regiãofan tan cassinoKaraca Dag, no leste da atual Turquia, há cercafan tan cassino9 mil anos.
"À medida que dedicavam mais esforços ao cultivofan tan cassinocereais, havia menos tempo para coletar e caçar espécies silvestres", relata Harari. "Os caçadores-coletores se tornavam agricultores."
No anofan tan cassino8,5 mil a.C., o Oriente Médio estava cheiofan tan cassinopovoados fixos. O excedentefan tan cassinoalimentos fez com que a população crescesse.
E o homem também acabou domesticado
No livro Sapiens, Harari apresenta uma visão interessante sobre essa evolução concomitante homem-trigo. Para ele, se a Revolução Agrícola aumentou o totalfan tan cassinoalimentos à disposição da humanidade, isso não se refletiufan tan cassinouma dieta melhor - tampoucofan tan cassinouma vida melhor. "Em média, um agricultor trabalhava mais que um caçador-coletor e obtinhafan tan cassinotroca uma dieta pior. A Revolução Agrícola foi a maior fraude da história", diz ele.
"Quem foi o responsável? Nem reis, nem padres, nem mercadores", completa. "Os culpados foram um punhadofan tan cassinoespécies vegetais, entre as quais o trigo, o arroz e a batata. As plantas domesticaram o Homo sapiens, e não o contrário."

Crédito, Getty Images
O historiador afirma que, para passarfan tan cassinogramíneas insignificantes a cereais onipresentes, o trigo "manipulou" o ser humano "a seu bel-prazer". "Esse primata vivia uma vida confortável como caçador-coletor até por voltafan tan cassino10 mil anos atrás, quando começou a dedicar cada vez mais esforços ao cultivo do trigo. Em poucos milênios", ressalta, "os humanosfan tan cassinomuitas partes do mundo estavam fazendo não muito mais do que cuidarfan tan cassinoplantasfan tan cassinotrigo do amanhecer ao entardecer."
"Nós não domesticamos o trigo; o trigo nos domesticou", enfatiza. "A palavra domesticar vem do latim 'domus', que significa casa. Quem é que estava vivendofan tan cassinouma casa? Não o trigo. Os sapiens."
Pesquisador do Departamentofan tan cassinoCiência e Tecnologiafan tan cassinoAlimentos da Universidade Federalfan tan cassinoSanta Catarina (UFSC), o bioquímico Juliano Lindner corrobora a tese: para ele o trigo foi o principal motivo que levou a humanidade a se tornar sedentária.
"Quando o Homo sapiens deixoufan tan cassinoser coletor e passou a domesticar plantas e animais, o trigo foi um dos primeiros cultivos a serem controlados e se tornou uma das plantas mais prósperas na história do planeta", diz ele,fan tan cassinoentrevista à BBC News Brasil. "Esse momento da evolução, pelo simples efeito que a domesticaçãofan tan cassinoanimais e plantas gerou na possibilidade da sociedade se organizar sem a necessidade vital do nomadismo, ocasionou o grande salto da civilização humana."
Tal tipofan tan cassinorelação entre homem e trigo,fan tan cassinoque ambas as espécies sofrem um processofan tan cassinotransformação resultante da relação entre elas, é abordado pela médica e escritora Alice Roberts no livro Tamed - Ten Species That Changed Our World (Domesticadas - Dez Espécies que Mudaram O Nosso Mundo,fan tan cassinotradução livre). Além do trigo, a pesquisadora aponta que fenômenos semelhantes ocorreram com a vaca, o cachorro, o milho e a maçã, entre outras espécies.
Onipresença x pouca variedade
Saltemos para o século 20. A civilização humana, alimentada com derivadosfan tan cassinotrigo, chegou a um estágiofan tan cassinodesenvolvimento industrial e científico intenso. O cultivo do estimado cereal, aliás, desde então cobre 2,25 milhõesfan tan cassinoquilômetros quadrados do globo - nove vezes o tamanho do Estadofan tan cassinoSão Paulo.
Harari conclui que o trigo "não ofereceu nada para as pessoas enquanto indivíduos, mas concedeu algo ao Homo sapiens enquanto espécie". "O cultivofan tan cassinotrigo proporcionou muito mais alimento por unidadefan tan cassinoterritório e, com isso, permitiu que o Homo sapiens se multiplicasse exponencialmente", afirma o historiador.
A população da humanidade, atualmente na casa dos 7,7 bilhõesfan tan cassinohabitantes, confirma isso. E, sozinho, o trigo fornece 15% do consumo calórico global. De acordo com informações relatadas pelo pesquisador Juliano Lindner, da UFSC, maisfan tan cassino75% das calorias ingeridas pela humanidade hoje são resultantesfan tan cassinoplantas domesticadas milharesfan tan cassinoanos atrás - além do trigo, o milho, o arroz, a batata, entre outros.

Crédito, Divulgação
Mas ao mesmo tempofan tan cassinoque é onipresente, o trigo representa pouca variedade. Estudo publicado na quarta-feira (29) pelo periódico Science Advances analisou geneticamente 4506 amostrasfan tan cassinotrigofan tan cassinotodo o mundo - incluindo cepas regionais -, recolhidasfan tan cassino105 países diferentes.
Os cientistas constataram que, se por um lado o trigo ajuda a traçar os antigos caminhos migratórios humanos, da Ásia para a Europa e, mais tarde, para a América, por outro lado a transformação do cerealfan tan cassinocommodity dizimoufan tan cassinovariedade.
Sobretudo no período seguinte à Segunda Guerra Mundial, quando a chamada Revolução Verde passou a empregar tecnologia para incrementar a produção agrícola mundial, o chamado pool genético do trigo acabou modificado: atualmente, praticamente toda a produçãofan tan cassinoescalafan tan cassinotrigo remonta a variedades que se desenvolveram na Europa - nas regiões sudeste, mediterrânea e ibérica.
"Nossa pesquisa traz novos olhares sobre a difusão e a diversidade genética mundial do trigo", afirma à BBC News Brasil um dos autores do estudo, o geneticista François Balfourier, cientista do Instituto Nacionalfan tan cassinoPesquisas Agronômicas da França. "Recentes seleções e disseminações levaram a um germoplasma moderno que é altamente desequilibradofan tan cassinocomparação com os ancestrais."
Do pontofan tan cassinovista da produçãofan tan cassinotrigo, seria estratégico entender e caracterizar as pouco exploradas comercialmente versões asiáticas do trigo, afirma o cientista. "Caracterizar melhor esses recursos genéticos podem resultarfan tan cassinoexploração eficiente dos mesmosfan tan cassinoprogramasfan tan cassinomelhoramento, obtendo benefíciosfan tan cassinosua resistência natural a estresses bióticos e abióticos", comenta Balfourier.

fan tan cassino Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube fan tan cassino ? Inscreva-se no nosso canal!
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosfan tan cassinoautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticafan tan cassinousofan tan cassinocookies e os termosfan tan cassinoprivacidade do Google YouTube antesfan tan cassinoconcordar. Para acessar o conteúdo cliquefan tan cassino"aceitar e continuar".
Finalfan tan cassinoYouTube post, 1
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosfan tan cassinoautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticafan tan cassinousofan tan cassinocookies e os termosfan tan cassinoprivacidade do Google YouTube antesfan tan cassinoconcordar. Para acessar o conteúdo cliquefan tan cassino"aceitar e continuar".
Finalfan tan cassinoYouTube post, 2
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosfan tan cassinoautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticafan tan cassinousofan tan cassinocookies e os termosfan tan cassinoprivacidade do Google YouTube antesfan tan cassinoconcordar. Para acessar o conteúdo cliquefan tan cassino"aceitar e continuar".
Finalfan tan cassinoYouTube post, 3









