O estranho caso do mergulhador cujo corpo começou a inchar inexplicavelmente:zap casas a venda

Willy no Centro Médico Naval
Legenda da foto, Alejandro Ramos, o 'Willy', convive com seu corpo inchado há quatro anos | Foto: Feliciano Herrera
Legenda do vídeo, Deprimido, Alejandro Ramos deixouzap casas a vendasair na rua

As protuberâncias se fundem com seus ombros. Seu peitoral inflado cai sobre seu estômago – suas costas, cintura e coxas também têm um volume maior do que o normal. Ao fator estético, somam-se a dor nos ossos e o chiadozap casas a vendaseu peito toda vez que respira.

Willy é examinado por médico no hospital
Legenda da foto, Após três anos sem tratamento, o Centro Médico Naval estuda agora seu caso | Foto: Feliciano Herrera

Até a bexiga aguentar

Willy está convencidozap casas a vendaque tudo isso são sequelaszap casas a vendaum acidentezap casas a vendatrabalho no fimzap casas a venda2013, enquanto mergulhava a maiszap casas a venda30 metroszap casas a vendaprofundidadezap casas a vendabuscazap casas a vendamexilhões presos a penhascos e barrancos submarinos.

Os mergulhadores como ele trabalhamzap casas a vendaforma artesanal e passam horas desprendendo e coletando os moluscos anteszap casas a vendavoltar à superfície. O tempo que passam submersoszap casas a vendameio a frias correntes marítimas é determinado porzap casas a venda"necessidadezap casas a vendaurinar", como explicam vários profissionaiszap casas a vendaPisco, cidade pesqueira 230 km ao sul da capital peruana, Lima.

Willy diz que aguentava por até oito horas. "Subia para urinar às vezes, mas achava que era uma perdazap casas a vendatempo", recorda-se. Esvaziar a bexiga a tal profundidade não é uma opção quando se usa um traje feito com câmaraszap casas a vendapneuszap casas a vendacaminhão.

Mexilhões
Legenda da foto, Willy trabalhava como mergulhador na pescazap casas a vendamexilhões | Foto: Ridjin

Os mergulhadores mais jovens preferem usar roupaszap casas a vendaneoprene, que custamzap casas a vendamédia US$ 200 (R$ 650), mas, para um pescadorzap casas a vendamexilhões, elas não duram nem quatro meses, segundo Enrique Quino, um artesãozap casas a vendaPisco que desmonta rodas para fabricar os trajeszap casas a vendaborracha, pelos quais cobra US$ 183 (R$ 596) e que, segundo ele, duram por três ou quatro anos.

O traje é composto por uma jaqueta e uma calça tão grandes que dentro cabem o pescador e várias outras camadaszap casas a vendaroupaszap casas a vendafrio. Inclui pészap casas a vendapato, máscara e um cintozap casas a vendachumbo que os ajuda a afundar.

Willy e Enrique Quino mostram trajezap casas a vendaborracha
Legenda da foto, O mergulhador usava um traje feito com borrachazap casas a vendapneuzap casas a vendacaminhão | Foto: V. M. Vásquez

O acidente

Assim estava vestido Willy quando, quase ao finalzap casas a vendasua jornadazap casas a vendatrabalho, ele notou que a mangueira emzap casas a vendaboca havia começado a roubar seu arzap casas a vendaque vezzap casas a vendafornecê-lo. "Todo mergulhador sabe o que isso significa."

Um mergulhador nunca sai sozinho para pescar. Tripulantes vários metros acimazap casas a vendasua cabeça se encarregamzap casas a vendareceber o produto coletado e colocar gasolinazap casas a vendauma máquina a cada 90 minutos.

O equipamento comprime o ar e o envia ao mergulhador por meiozap casas a vendauma mangueira. A maioria dos pescadoreszap casas a vendamarisco peruanos não usa reguladores, um acessório que garantiriazap casas a venda10 a 15 minutoszap casas a vendaoxigêniozap casas a vendacasozap casas a vendaemergência.

Naquela tarde, uma lancha se aproximou demais da embarcaçãozap casas a vendaWilly,zap casas a vendaque seu filho e um colega esperavam por ele. A hélice deste barco rompeu a mangueira e obrigou o mergulhador a subir 36 metroszap casas a vendauma só vez. Um trajetozap casas a vendapoucos minutos que podia ter lhe custado a vida.

Pescadoreszap casas a vendaPisco

Crédito, AFP

Legenda da foto, Pisco é uma cidade pesqueira localizada a 230 km ao sulzap casas a vendaLima

O perigo do nitrogênio

"Quando mergulhamos, estamos a uma pressão maior, o que faz com que o ar e o oxigênio sofram mudanças físicas", explica Raúl Alejandro Aguado, médico subaquático do Centro Médico Naval.

O ar é 78% composto por um gás que o corpo humano não usa: o nitrogênio. A pressão no fundo do mar faz com que ele se dissolva e se abrigue no tecido adiposo. Mas, no retorno à superfície, o nitrogênio entra no sistema sanguíneo, onde começa a voltar a seu estado gasoso.

Por isso, um mergulhador deve subirzap casas a vendaetapas, com paradaszap casas a vendatemposzap casas a vendatempos. Uma subida rápida pode gerar bolhaszap casas a vendanitrogênio grandes demais, que podem obstruir a circulação sanguínea e gerar uma síndromezap casas a vendadescompressão.

Porzap casas a vendavez, uma subida mais lenta dá ao gás tempo suficiente para viajar pelos vasos enquanto ainda tem pouco volume até chegar aos pulmões, por onde são expelidos do organismo. Há tabelas que indicam quantos minutos ou até mesmo horas que devem dedicar à subidazap casas a vendafunção do tempo e da profundidade a que ficaram submersos.

Willy na praia
Legenda da foto, A princípio, os médicos pensavam que a causa do problema seria nitrogênio presozap casas a vendaseu corpo | Foto: V. M. Vásquez

Não seguir isso pode fazer com que o nitrogênio se expandazap casas a vendalocais como os ossos, gerando necrose, a mortezap casas a vendaum tecido por faltazap casas a vendairrigação. Esse mal pode ser identificado por sintomas como inchaço, doreszap casas a vendacabeça e cansaço. Em casos mais graves, pode causar acidentes cardiovasculares que podem deixar uma pessoa paralisada e até matá-la.

42 metros abaixo d'água

Willy perdeu uma das pernas aos 30 anos, pouco depoiszap casas a vendater decidido seguir os pais e trabalhar com a pesca submarina. "Mas isso é normal acontecer com mergulhadores", afirma.

Naquela época, seus colegas o chamavamzap casas a vendapampito, porque ele não se atrevia a ir muito fundo (os pescadores peruanos chamamzap casas a vendapampa a parte mais rasa). "Mas meu fiho mais velho era asmático. Respirava com dificuldade", conta.

Ele começou a ir mais fundo nas águaszap casas a vendaPisco para encontrar mais mexilhões e pagar pelo tratamento do menino, já que não tinha um planozap casas a vendasaúde. "Na época do meu pai, todas as ilhaszap casas a vendaPisco tinham mexilhões. Não era preciso ir alémzap casas a venda14 metroszap casas a vendaprofundidade. Agora, só os encontramos partir dos 25 metros", lamenta.

Pescadores vendem suas mercadorias no portozap casas a vendaPisco
Legenda da foto, Mergulhar e pescar frutos do mar são apenas uma parte do trabalho: é preciso vendê-los | Foto: V. M. Vásquez

Mas, às vezes, é preciso ir mais fundo, chegando a 42 metros. "Temos que nos arriscar, senão não faturamos."

'Deformado', mas vivo

No dia do acidente, quando Willy por fim chegou à superfície, tevezap casas a vendarecorrer a uma manobrazap casas a vendaemergência: voltar a submergir à mesma profundidade e subir respeitando as paradaszap casas a vendasegurança. "É como retomar uma descompressão que não foi feita", explica Aguado. "Ajuda um pouco... mas não é algo muito seguro, porque, se o mergulhador ficar inconsciente na água, pode se afogar."

O pescador assumiu o risco e afundou novamente no mar com um compressor emprestado por um lancha próxima. Mas os tripulantes deste barco estavam impacientes. Haviam terminadozap casas a vendajornadazap casas a vendatrabalho e queriam ir ao porto venderzap casas a vendamercadoria.

Barcos no portozap casas a vendaPisco
Legenda da foto, É comum encontrar no porto outros pescadores com sequelas deixadas pela síndromezap casas a vendadescompressão | Foto: V. M. Vásquez

A pressa falou mais alto que a solidariedade, e eles foram embora, deixando Willy sem um compressor. Assim, ele só pôde completar os primeiros 30 minutos das duas horas que, segundo as tabelaszap casas a vendadescompressão, deveria ter dedicado à subida.

Ele chegou ao hospitalzap casas a vendaPisco "inchado como uma batata", recorda-se. "Foi um milagre eu ter me salvado. Agradeço a Deus que, bem, fiquei deformado, mas estou vivo... Ainda que, às vezes, eu fique triste porque não queria estar nesta situação."

Um tratamento às cegas

Willy tentou buscar uma cura para seu inchaço nos primeiros meses após o acidente, mas não pôde pagar por ela por muito tempo. Os médicos nunca haviam visto um caso parecido e pediram que ele fizesse uma ressonância magnética para ver o que havia sob a grande massa que fez seu peso corporal aumentarzap casas a venda30 kg. Mas é um exame caro e que deve ser feitozap casas a vendauma parte do corpo por vez.

Homem mostra cintozap casas a vendachumbo
Legenda da foto, Os mergulhadores usam um cintozap casas a vendachumbo para conseguir submergir | Foto: V. M. Vásquez

Sózap casas a vendaseu ombro, custaria ao menos US$ 150 (R$ 488), um valor muito alto para alguém que não tem renda. Mesmo com um emprego, ele teria dificuldades para pagar: como mergulhador, não ganhava mais do que US$ 30 (R$ 97) por dois diaszap casas a vendatrabalho.

Sem a ressonância, os médicos com que ele se consultou trabalharam às cegas e atribuíram a inflamação a problemaszap casas a vendadescompressão e receitaram o tratamento tradicional: a câmara hiperbárica.

Oxigênio como remédio

Mergulhadores sabem que a melhor arma contra a síndromezap casas a vendadescompressão é uma cabine onde a pressão atmosférica é elevada e se respira oxigênio. Assim, o gás consegue alcançar as zonas afetadas aonde não podia chegarzap casas a vendaforma natural.

O Hospital San Juanzap casas a vendaDioszap casas a vendaPisco tem duas câmaras doadas por um consórciozap casas a vendaempresas para beneficiar os mergulhadores da região, mas o preço das sessõeszap casas a vendatratamento é um impeditivo para eles.

Câmara hiperbárica

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, As câmaras hiperbáricas são a melhor arma contra os problemaszap casas a vendadescompressão

Pedro Espinoza Aguilar, um mergulhadorzap casas a venda58 anos que segue trabalhando mesmo após ter ficado com sequelaszap casas a vendauma síndromezap casas a vendadescompressão, admite que a câmara traz um alívio momentâneo à dor nos ossos. "Mas é muito caro. E vivemos com o que ganhamos no dia. Se você trabalha, tem dinheiro. Se não trabalha, não tem."

A maioria dos mergulhadores pensa como ele, então, só recorrem à câmara hiperbáricazap casas a vendacasoszap casas a vendaemergência. Willy, que já não pode trabalhar, diz que cobravam US$ 25 (R$ 81) por sessão. Seu médico convenceu o hospital a dar a eles sessões grátis, mas era uma tarefa difícil. "Nem por ser um caso inédito queriam me atender (gratuitamente)", queixa-se.

'Está horroroso'

Ainda que possa deixar sequelas, a síndromezap casas a vendadescompressão nunca é algo crônico, afirma Aguado. O corpozap casas a vendaWilly deveria ter voltado ao normal pouco tempo após o acidente. Ao ver que os médicos não sabiam o que se passava e que investigar sairia muito caro, ele começou a ficar desanimado.

Willy caminhazap casas a vendaum parque
Legenda da foto, Willy evitou por muitos anos sair na rua por vergonhazap casas a vendaseu corpo | Foto: V. M. Vásquez

Ele ficou ainda mais arrasado quando recebeu uma ligaçãozap casas a vendauma antiga namorada: "Ei, vi você no hospital. Você está horroroso, o que aconteceu? Nossa, que pena". "A gente paga pelo que a gente faz, o mundo dá voltas", diz o mergulhador, que décadas antes planejava se casar com a mulher – até deixá-la por outra. "Ela deve estar feliz, porque eu agora estou assim..."

Sua ex-namorada havia visto fotoszap casas a vendaWilly expostas no corredor do hospital para explicar o que era a síndromezap casas a vendadescompressão. Segundo ele, semzap casas a vendapermissão. A instituição não respondeu aos questionamentos sobre esse ponto.

Após a conversa, o mergulhador entrouzap casas a vendacrise e não quis mais sair na rua. "Por três anos, várias pessoas me ligaram para dizer que eu tinha virado um monstro, que estava deformado. Fiquei deprimido. As pessoas te chamamzap casas a vendacertas coisas, sentem pena... Passaram algumas ideias pela minha cabeça."

Willy na porta da casazap casas a vendaum amigo
Legenda da foto, O mergulhador diz que hoje sente-se melhor comzap casas a vendacondição e não se importazap casas a vendaser vistozap casas a vendapúblico emzap casas a vendacidade | Foto: V. M. Vásquez

Descompressão ou tumor?

Willy só se deixava ser vistozap casas a vendapúblico quando visitava seus irmãos ou ía à praia nas horas menos movimentadas para ver o mar. "Quase não saiozap casas a vendacasa, porque sinto vergonha quando as pessoas param para me olhar como se eu fosse um animal raro", disse elezap casas a vendauma conversa por telefonezap casas a vendasetembro passado.

Agora que médicos estudam seu caso, ele garante ter recebido uma "injeçãozap casas a vendaânimo" e que a "psicose" passou. Sua apariçãozap casas a vendaum programazap casas a vendaTV peruano fez o Centro Médico Naval conhecerzap casas a vendasituação e oferecer tratamento gratuito.

Nas últimas semanas, Willy fez as ressonâncias magnéticas, ultrassons e exameszap casas a vendamedicina nuclearzap casas a vendaque tanto precisava. Ele está sendo tratado apenas para as dores por enquanto, porque os médicos não estão certoszap casas a vendaque seu problema foi causado pelo acidentezap casas a vendamergulho e buscam um diagnóstico mais preciso.

Mergulhadores

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Os mergulhadores precisam fazer paradaszap casas a vendasegurança ao retornar à superfície para não ter problemaszap casas a vendadescompressão

Segundo os primeiros resultados, o que gera as deformações não seria o gás presozap casas a vendaseu corpo, como se pensava até agora, mas a gordura que se desenvolve emzap casas a vendahipoderme, a camada mais profunda da pele, explica Aguado.

O médico acredita que seria "imprudente" adiantar conclusões, mas admite que pode se tratarzap casas a vendauma espéciezap casas a vendatumor no tecido adiposo. "Se for assim, pode ser uma enfermidade congênita que não havia se manifestado até o acidente, coincidentemente."

Outra possibilidade "mais remota", diz, é que seja uma "sequelazap casas a vendamergulho nunca antes vista". Mas já se concluiu que o mergulhador precisazap casas a vendauma cirurgiazap casas a vendaseu quadril, porque a necrose dos ossos dessa região está muito avançada.

Ele será operado gratuitamente, mas precisa obter a prótese por conta própria. Willy tem esperança que uma ONG ou empresa façam uma doação ao saberzap casas a vendaseu caso.

O fimzap casas a vendauma carreira

Enquanto isso, o mergulhador aproveita os dias livres que os médicos lhe dãozap casas a vendavezzap casas a vendaquando para ir a Pisco para ficar comzap casas a vendafamília e ir ao porto, onde relembra seus dias dentro do mar. Faz isso às segundas, quartas ou sextas-feiras, diaszap casas a vendaque pescadores vão ali vender suas mercadorias.

Entre caixas repletaszap casas a vendamexilhões, mariscos e caranguejos, é possível ver Willy caminhando com dificuldade, ainda que não seja o único nesta situação. À medida que a tarde avança, se reúnem ali mergulhadores aposentados que carregam sequelas da síndromezap casas a vendadescompressão.

Vão ao porto mendigar dinheiro ou um poucozap casas a vendafrutos do mar para vender e ter alguma renda, já quezap casas a vendaprofissão não confere a eles o direito a uma pensão ao se aposentar. "É assim que nós, mergulhadores, terminamos, porque o Estado não se preocupa com a gente", lamenta Willy.

Ele tem a sortezap casas a vendapoder contar com seus irmãos, que o ajudam e o sustentam. Mas, ainda assim, ele sonhazap casas a vendavoltar a mergulhar. "Quero continuar a fazer isso, porque, alémzap casas a vendaser minha fontezap casas a vendarenda, era meu hobby. Amo mergulhar."