Vacina para HIV: O estudante que perdeu o tio para a aids e decidiu ajudar na busca por imunizante:slots brasil
- Vinícius Lemos - @oviniciuslemos
- Da BBC News Brasilslots brasilSão Paulo
slots brasil No inícioslots brasil2008, o então adolescente Thiago Storari foi ao Institutoslots brasilInfectologia Emílio Ribas,slots brasilSão Paulo (SP), para visitar o tio que estavaslots brasilseus últimos mesesslots brasilvidaslots brasildecorrênciaslots brasilcomplicações da aids, a doença causada pelo vírus HIV.
Em maio deste ano, Thiago retornou à unidadeslots brasilsaúde. Hoje com 29 anos e estudando direito, ele voltou ao local para ser voluntário na pesquisaslots brasiluma vacina que está sendo testada contra o HIV.
Para o estudante, participar da pesquisa é uma formaslots brasilajudar a ciência e tentar evitar que outros sofram como o tio dele.
"Não quero que mais ninguém fique doente por causa do HIV, nem que outra família passe pelo que a minha passou", relata à BBC News Brasil.
O estudo do qual ele está participando, intitulado Mosaico, é o únicoslots brasilfase três contra o HIVslots brasiltodo o mundo atualmente. Essa é a última etapa antesslots brasilo imunizante, caso aprovado nessa fase, ser disponibilizado para a população.
Os responsáveis pelo estudo são a empresa Janssen, controlada pela Johnson & Johnson, o Instituto Nacionalslots brasilAlergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NIAID, na siglaslots brasilinglês), a Redeslots brasilEnsaiosslots brasilVacinas contra o HIV e o Comandoslots brasilPesquisa e Desenvolvimento Médico do Exército dos EUA.
A pesquisa é considerada um avanço muito importante no combate ao vírus, que teve os primeiros casos confirmados no início da décadaslots brasil80.
Nas últimas décadas, diversos cientistas trabalharam para tentar descobrir um imunizante contra o HIV. Já foram testadas outras vacinas, mas nenhuma foi considerada eficaz o suficiente para ser aplicada na população.
Entre os grandes desafios para encontrar um imunizante contra o HIV estão o fatoslots brasilele possuir muitas variedades e sofrer diversas mutações para evitar ser atacado pelo sistema imunológico.
No caso do estudoslots brasilfase três atualmente, os cientistas desenvolveram o imunizante por meioslots brasilpartes diferentes do HIV — uma espécieslots brasilmosaico — para atuar contra os mais diversos tipos do vírus.
Os especialistas têm grandes expectativas sobre o estudo Mosaico porque consideram que os conhecimentos que adquiriram nas últimas décadas, e até as tentativas frustradasslots brasilencontrar um imunizante, foram fundamentais para chegar à vacina que está sendo testada atualmente.
A morte do tio
Por muitos anos, a imagem que Thiago carregou do HIV era a do tio, que se chamava Vagner,slots brasilfase terminal.
Vagner contraiu o HIVslots brasilmeados dos anos 90. "Ele foi infectado por usar drogas injetáveis. Pouco depois, foi preso por rouboslots brasilcarga. Na prisão, teve tuberculose duas vezes e a minha tia conta que foi lá que ele começou o tratamento com antirretrovirais contra o HIV", relata Thiago.
O usoslots brasilmedicamentos antirretrovirais, distribuídos gratuitamente por meio do Sistema Únicoslots brasilSaúde (SUS), permite que um paciente possa viver bem e impede que desenvolva a aids.
Desde 1996, o Brasil garante o tratamento universal e gratuito por meio do SUS a pessoas que vivem com o HIV. Atualmente, 640 mil pessoas recebem medicamentos contra o vírus no país, segundo o Ministério da Saúde.
A saúdeslots brasilVagner piorou quando ele decidiu, por voltaslots brasil2007, suspender as medicações. Segundo a família, o homem acreditava que estava curado do vírus.
Essa decisão foi crucial para que Vagner ficasse cada vez mais debilitado. Isso porque os antirretrovirais devem ser consumidosslots brasilmodo contínuo, pois são a única formaslots brasilgarantir que um paciente possa viver bem com o HIV e fique indetectável — quando deixaslots brasiltransmitir o vírus. Sem eles, o sistema imunológico do paciente é duramente afetado.
"Enquanto o meu tio fazia tratamento, ele estava bem. Ele se tornou pastorslots brasiluma igreja e formou família. Mas quando ele acreditou que não precisava dos remédios mais, emagreceu muito e ficou muito frágil. Qualquer gripe que ele tinha já o deixava muito ruim. A gente sabia que era porque ele havia abandonado o tratamento contra o HIV", relembra Thiago.
Mesmo com a saúde cada vez mais debilitada, Vagner insistia que não precisavaslots brasilremédios porque estava bem. "Até que ele ficou tão mal que precisou ser internado no Emílio Ribas no inícioslots brasil2008", comenta o sobrinho dele.
Thiago, na época com 16 anos, chegou a visitar o tio no hospital. "Ele estava muito fragilizado", relembra.
Após cercaslots brasiltrês mesesslots brasilinternação, os médicos pediram que Vagner fosse levado para a casa da família. "Disseram que o estado dele era irreversível, porque ele não quis fazer o tratamento, e pediram que ele morresse perto dos parentes", diz Thiago.
Em casa, Vagner estava muito magro, não conseguia se alimentar direito e passava quase o dia inteiro deitado emslots brasilcama.
Na época, ele se separou e passou a morar com a mãe. O homem sobreviveu por mais quatro meses após deixar o hospital. "O meu tio chegou a pesar 30 quilos no fim da vida, por causa da aids. Quando ele contraiu uma pneumonia, não resistiu", relata o sobrinho. Vagner morreuslots brasilsetembroslots brasil2008, aos 37 anos.
Voluntárioslots brasilpesquisa sobre imunizante
Desde a morte do tio, Thiago passou a conviver com o medoslots brasilser infectado pelo HIV e viver situação semelhante àslots brasilVagner. Ele admite que até anos atrás desconhecia sobre o tema e hoje entende que é possível viver bem por meio dos antirretrovirais.
O jovem afirma que a história do tio fez com que ele tivesse um cuidado maiorslots brasilrelação ao HIV ou outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs),
Quando passou a ter uma vida sexual ativa, há cercaslots brasilquatro anos, começou a fazer exames com frequência. "Vivi diversos conflitos internos sobre a sexualidade, por causa da religião. Mas aos 25 ou 26 anos, me entendi como um homem gay e sabia da importânciaslots brasilfazer os exames com frequência", relata.
No início deste ano, quando foi a um postoslots brasilsaúde para fazer exames, ele viu um anúncio sobre o estudo da vacina contra o HIV. No informativo, os responsáveis pela pesquisa diziam estar à procuraslots brasilvoluntários.
"Eu já tinha visto sobre essa pesquisaslots brasiluma propaganda no Instagram. Mas fui me informar mesmo depois que vi o anúncio no postoslots brasilsaúde. Conversei com a médica, e disse que queria participar. Por ter o caso do meu tio na minha família, achei que seria interessante participar dessa iniciativa", relata.
Há alguns critérios para se tornar voluntário da pesquisa. É preciso ter entre 18 e 60 anos e não pode viver com o HIV. Os participantes precisam fazer parteslots brasildois grupos sociais com alta vulnerabilidade á infecção: homem que faz sexo com outro homem ou indivíduo transgênero — é importante frisar que não somente esses grupos estão suscetíveis ao vírus.
As inscrições para voluntários permanecem abertas. Os pesquisadores pedem que mais pessoas que se enquadrem no perfil e morem nas regiõesslots brasilque esses estudos são conduzidos, como São Paulo (SP), se inscrevam na iniciativa (mais informações neste link).
Além do Brasil, a pesquisa também é feita na Argentina, Itália, México, Peru, Polônia, Espanha e Estados Unidos. O estudo deve reunir cercaslots brasil3,8 mil voluntários. As inscrições começaramslots brasilnovembroslots brasil2019, foram suspensasslots brasilrazão da pandemiaslots brasilcovid-19 no ano passado e foram retomadas por voltaslots brasiljunhoslots brasil2020.
Os voluntários são selecionados a partirslots brasilum questionário. Eles devem estar dispostos a passar por avaliações médicas, consultasslots brasilaconselhamento e testes regulares para o HIV.
Após se inscrever para participar da pesquisa, Thiago passou por triagem no Emílio Ribas no inícioslots brasilmaio. Foi a primeira vez que ele retornou ao hospital, referênciaslots brasilinfectologia. No local, fez uma avaliação médica e psicológica. Posteriormente, foi considerado apto para participar dos testes.
Em 26slots brasilmaio, ele foi chamado para receber a primeira dose. Por se tratarslots brasiltestes clínicos, Thiago não sabe se recebeu o imunizante ou um placebo — substância sem nenhum efeito no corpo.
Os voluntáriosslots brasiltestes clínicos são divididosslots brasildois grupos: aqueles que recebem doses do produto ativo e os que recebem placebo. Esse método é fundamental para saber se um imunizante é seguro e eficaz.
O objetivo é que o grupo imunizado esteja mais protegido contra determinada doença infecciosaslots brasilrelação aos que receberam placebo.
Ao longoslots brasilum ano, Thiago deve tomar mais três doses e fará exames frequentesslots brasilHIV. "Não fiquei com nenhum receio quando tomei a primeira dose. Sóslots brasilfazer parte desse estudo que vai mudar a vidaslots brasilmuita gente, me sinto feliz", diz.
A vacina contra o HIV
Os resultados do estudo Mosaico devem ser divulgadosslots brasilcercaslots brasildois anos e meio, avaliam os cientistas.
A vacina é considerada fundamental no combate ao HIV. Porém, é importante frisar que, além dos antirretrovirais para quem vive com o vírus, houve diversos avançosslots brasilrelação ao tema nas últimas décadas.
Atualmente há novas formasslots brasilprevenção ao vírus, além dos preservativos. Uma delas é a profilaxia pré-exposição (PrEP), comprimido com drogas antirretrovirais que previne a transmissão. Ela está disponível no SUS.
Outro avanço é a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), tratamento que deve ser feito após suspeitaslots brasilexposição ao HIV. O procedimento deve ser iniciado em, no máximo, 72 horas após o contato com o vírus e dura 28 dias. O método também está disponível no SUS.
Enquanto o Brasil, que tem cercaslots brasil920 mil pessoas vivendo com o HIV, é considerado um modelo na distribuiçãoslots brasilmedicamentos, nem todos os lugares do mundo têm o mesmo acesso aos antirretrovirais.
Para especialistas, não há dúvidasslots brasilque a vacina é a melhor formaslots brasilevitar o avanço do HIVslots brasiltodo o mundo, que atualmente tem cercaslots brasil38 milhõesslots brasilpessoas infectadas pelo vírus. Essa imunização é a forma mais eficazslots brasilerradicar doenças infecciosas.
Desde o início da busca por uma vacina contra o HIV, há cercaslots brasil40 anos, o conhecimento sobre o vírus avançou muito. Isso se deve também a muitos estudos que não conseguiram atingir o objetivoslots brasildescobrir um imunizante eficaz, mas ajudaram a avançar no tema.
"Hoje há muito mais conhecimentoslots brasilrelação ao HIV e às vacinasslots brasilgeral. Agora, com as informações dos últimos anos e o entendimento sobre o vírus é mais provável montar um esquemaslots brasilvacinação que dê certo, aliando conhecimento científico com baseslots brasiltudo o que deu certo ou errado no passado", relata o infectologista Álvaro Furtado, do Centroslots brasilReferência e Treinamento DST/Aidsslots brasilSão Paulo.
O objetivo dos cientistas é encontrar uma vacina que possa combater as inúmeras variações genéticas do HIV e estimule o sistema imunológicoslots brasilforma mais ampla, porque o vírus é muito diverso.
Por que vacina contra covid surgiuslots brasiltão menos tempo?
O imunizante do estudo Mosaico é desenvolvido por meioslots brasilum conjuntoslots brasilproteínas semelhantes às que compõem a parte externa do HIV. Os cientistas frisam que não há risco da vacina infectar os voluntários.
Um dos especialistas que conduzem a pesquisa no Brasil, Furtado explica porque foi possível encontrar vacinas para a covid-19slots brasilmenosslots brasilum anoslots brasilpandemia, enquanto o HIV ainda não possui um imunizante efetivo.
"O HIV tem várias estratégias para encarar o sistema imunológico do paciente, porque possui uma variação genética muito grande. É como se o HIV fosse uma caixaslots brasillápisslots brasil36 cores, enquanto a covid é uma caixa com duas cores apenas", diz o infectologista.
"Como a variação genética e geográfica do HIV é muito grande, o sistema imune consegue ser enganado com mais facilidade. Por isso é preciso uma vacina que pense nisso e estimule o sistema imunológico a encontrar formasslots brasilcombater essa variação do vírus", acrescenta.
Ainda sobre a covid-19, o médico ressalta que foi possível produzir vacinasslots brasilum período considerado curto porque já havia conhecimentos sobre dois coronavírus identificados nas últimas duas décadas, o Mers e o Sars.
"Já havia conhecimento científico desses primeiros coronavírus, por isso existia uma baseslots brasilentendimento imunológico para se fazer uma vacina. Já se conhecia a estrutura do vírus e as peças do quebra-cabeça para uma vacina. Os estudos anteriores só não caminharam porque essas epidemias acabaram e não deu para estudarslots brasiluma população", explica o infectologista.
"O que aconteceu com a covid-19 é que foi uma epidemia astronomicamente maior. Com o conhecimento dos dois primeiros coronavírus, foi possível testar vacinasslots brasillarga escalaslots brasilfase um, dois e três", detalha Furtado.
A vacina contra a covid-19 tem sido fundamental para evitar novos casos e mortes pela doença pelo mundo. Países com boa parte da população imunizada têm retomado, aos poucos, a rotinaslots brasilantes da pandemia.
A expectativa éslots brasilque, assim como no caso da covid-19, uma vacina eficaz impeça o aumentoslots brasilnovas infecções pelo HIV. Segundo estatísticas globais, são registradas maisslots brasil1 milhãoslots brasilnovas infecções pelo vírus no mundo por ano.
"O objetivo é ver se a vacina é segura e se tem eficácia acimaslots brasil50%. Se reduzirslots brasil50% a transmissãoslots brasilHIV no mundo, ela já muda a história do vírus", pontua o especialista.
"Já reduziria à metade os casos. Mas é preciso haver uma cobertura vacinal grande para ter essa efetividade populacional", ressalta Furtado.
'Estamos com grande expectativa'
Para chegar aos resultados do estudo Mosaico, um comitê internacional terá acesso aos dados das pesquisas feitasslots brasildiferentes países.
"Precisamos avaliar os voluntários após o período das vacinas. O HIV não é como a covid-19slots brasilque a pessoa sai na rua sem máscara e pode pegar. É preciso avaliar se ela teve relação desprotegida, se passou por alguma situaçãoslots brasilrisco (de infecção pelo HIV) e fazer exames frequentes", explica Furtado.
"Se der certo, a intenção é que comece a ser introduzida, principalmente, antesslots brasiluma pessoa começar a ter vida sexual", acrescenta o médico.
Caso a vacina seja considerada eficaz, Furtado considera que será um momento histórico. "Estamos com grande expectativa, por ser uma vacina desenvolvida também com base nos resultados dos estudos anteriores", diz.
Ele aponta que a descoberta da vacina pode ser também o caminho para chegar a uma cura do vírus para as pessoas que vivem com HIV. "'À medidaslots brasilque há sucessoslots brasiluma vacina para prevenção, abre-se espaço para desenvolver novas linhasslots brasilpesquisa para a cura", declara.
Para Thiago, o estudoslots brasilfase três simboliza a esperança. Ele conta que os familiares, que viram o tio dele sofrer intensamente no passado, ficaram felizes ao descobrir sobre a pesquisa da vacina.
"Eu contei para o pessoal da minha família que estou participando do estudo. Uma tia comentou que é uma formaslots brasilfechar um ciclo. Ela viu o irmão falecer por complicações da aids e agora, com a ciência mais avançada, o sobrinho ajuda na busca pela prevenção", diz.
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