Como colonizadores infectaram milharesbet esporteíndios no Brasil com presentes e promessas falsas:bet esporte

Gravurabet esporteRugendas retrata indígenas no início do século 19

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Relatos registrados ao longo da história do Brasil apontam para o uso propositalbet esportedoenças como armas biológicas

"Além da similaridadebet esportemétodos, o conflitobet esporteterras era a motivação mais comum para esses episódios", explica.

O impacto devastadorbet esportedoenças trazidas pelos europeus ao Brasil entre os índios é largamente conhecido. Além da baixa imunidade, os hábitos coletivos e a faltabet esportetratamentos tornavam a população nativa especialmente vulnerável a doenças trazidas por estrangeiros, como conta o professorbet esporteantropologia da Universidade Estadualbet esporteSanta Cruz Carlos José Santos.

"Povos inteiros foram massacrados pelos contágiosbet esportedoenças infecciosas. Aliás, muitos foram considerados extintos por elas, como é o caso dos goitacá", diz Santos, que é indígena e conhecido pelo nome Casé Angatu.

Doenças como varíola, sarampo, febre amarela ou mesmo a gripe estão entre as razões para o declínio das populações indígenas no território nacional, passandobet esporte3 milhõesbet esporteíndiosbet esporte1500, segundo estimativa da Funai (Fundação Nacional do Índio), para cercabet esporte750 mil hoje,bet esporteacordo com dados do governo.

As causas dessas epidemias são comumente tratadas pela história como involuntárias. Há, no entanto, diversos relatosbet esporteinfecção propositalbet esportetribos indígenas no país: entre os timbira, no Maranhão, os botocudos, na região do vale do Rio Doce, os tupinambá e pataxó, na Bahia, os cinta-larga,bet esporteMato Grosso e Roraima, entre vários outros.

Gravurabet esporteRugendas retrata indígenas no início do século 19

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Doenças como varíola, sarampo, febre amarela ou mesmo a gripe estão entre as razões para o declínio das populações indígenas no território nacional

Segundo a antropóloga Helena Palmquist, que pesquisa genocídio indígena no Brasil, o métodobet esporteinfecção era comum. "É uma estratégia muito difícilbet esporteprovar, e os casos aconteciambet esporterincões, no Brasil profundo, lugaresbet esporteque ninguém queria entrar."

"Essas histórias não são desconhecidas, só não são levadas a sério. Os casos não foram apurados e nenhuma medida foi tomada, esses episódios eram divulgados pelos órgãos oficiais como fatalidades", afirma Pacheco.

O massacre dos timbira

O caso mais bem documentado aconteceu com índios timbira no Estado do Maranhão, por voltabet esporte1816. Na região, eles travaram, ao longobet esportedécadas, uma guerra violenta contra criadoresbet esportegado, que vinham invadindo suas terras desde o início do século 19.

Em meio às constantes escaramuças, era comum que tribos selassem a paz com povoados brancosbet esportebuscabet esporteuma aliança contra povos inimigos. Foi o que aconteceu com os canela, ou kapiekrã, que, inicialmente derrotadosbet esportebatalha pelos sakamekrã, acabaram por vencê-los com a ajudabet esportealiados brancos.

Em determinado ponto, a proximidade desses índios com os ditos civilizados foi tão grande que a tribo largou as terras onde vivia para morar junto a eles. Os brancos, porbet esportevez, esperavam receber uma ajuda financeira do governo para sustentar os novos agregados.

Esse auxílio, porém, nunca veio, fazendo com que os índios famintos se dispersassem e entrassembet esporteconflito com o povoado. De um lado, a tribo buscava formasbet esportesobreviver. Do outro, os fazendeiros se negavam a dividir seus parcos recursos, acusando os índiosbet esporteroubar plantações e atacar o gado.

"Perpetraram sobre os habitantesbet esportetodo o distrito enormíssimas extorsões, furtando-lhe gado, matando os bezerros e devorando as roçasbet esportemantimentos com tão decisiva destruição que, exasperados, muitos dos referidos habitantes largaram as suas propriedades e fugiram da capitania", narrabet esporterelatório para a corte o capitão Franciscobet esportePaula Ribeiro, que presenciou o conflito.

Índia Yanomami

Crédito, Fiona Watson/Survival

Legenda da foto, Em 2014, relatório da Comissão Nacional da Verdade identificou entre as causas da mortebet esportecinco mil índiosbet esporteMato Grosso e Rondônia, a partir da décadabet esporte1950, 'aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola', enviados por seringalistas, mineradores, madeireiros e garimpeiros, com a conivência do governo federal

Para dar cabo da ameaça indígena, os proprietários locais, sob o falso pretextobet esporteuma guerra contra outra tribo, teriam atraído os canela à vilabet esporteCaxias, que na época sofria com uma epidemiabet esportevaríola.

Ali chegando, os índios nada receberam para comer e, ao tentarem saciar a fome nas plantações locais, foram imediatamente punidos. "Foram presos e espancados, inclusive mulheres e crianças, e dentre elas, a esposa do principal chefe da tribo, que, ao reclamar contra este tratamento, foi também fustigado", conta Darcy Ribeiro.

Caçados a tirosbet esporteespingarda, os que conseguiram escapar levaram consigo a doença. Assim, a varíola se espalhou entre as tribos da região, como conta Franciscobet esportePaula. Até o ano seguinte, alcançaria populações indígenas a uma distânciabet esporte1,8 mil quilômetros dali.

Segundo o capitão, a faltabet esportetratamento ou conhecimento dos índios sobre a doença ajudou a multiplicar a mortes.

"Não será fácilbet esportefazer uma ideia segurabet esportequantas mil almas nele terão perecido, uma vez que se sabe o extravagante método porque estes homens brutais haviam pretendido curar-se — que era deitando-se aos rios para refrescar-se.... ou tirando-se logo as vidas àqueles que apareciam com mais claros sintomasbet esportesemelhante moléstia", descreve.

As doenças e a miséria causada pela tomadabet esporteseu território reduziu tanto o números dos timbira,bet esporteacordo com Darcy Ribeiro, que estes se viram impossibilitadosbet esportelutar até mesmo pelas áreas reservadas a eles pelo governo após a pacificação da região.

"À custabet esportetramoias,bet esporteameaças ebet esportechacinas, os criadoresbet esportegado espoliaram a maioria deles e os remanescentesbet esportevários grupos se viram obrigados a juntar-se nas terras que lhes restavam, insuficientes para o provimento da subsistência à base da caça, da coleta e da agricultura supletiva", diz Ribeiro.

Outros relatos

Feitobet esporte1967 e só divulgado ao público 45 anos depois, o Relatório Figueiredo, produzido pelo procurador Jader Figueiredo a pedido do governo militar, relata o usobet esportevários tiposbet esporteviolência contra os indígenas por membros do órgão que deveria resguardá-los, o Serviçobet esporteProteção ao Índio (SPI).

Entre os assassinatos, abusos sexuais, casosbet esportetortura e corrupção denunciados, o relatório ressalta as acusaçõesbet esporteque uma tribobet esporteíndios pataxó do sul da Bahia teria sido levada à extinção por uma infecção proposital.

"Jamais foram apuradas as denúnciasbet esporteque foi inoculado o vírus da varíola nos infelizes indígenas para que se pudessem distribuir suas terras entre figurões do governo", aponta o documento.

Em seu vasto relatóriobet esporte2014, a Comissão Nacional da Verdade identificou entre as causas para a mortebet esportecinco mil índios cinta-largabet esporteMato Grosso e Rondônia, a partir da décadabet esporte1950, "aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola", enviados por seringalistas, mineradores, madeireiros e garimpeiros, com a conivência do governo federal.

O pesquisador Rafael Pacheco cita também casos ocorridos nas últimas décadas no Paraná e Mato Grosso do Sul,bet esporteque proprietáriosbet esporteterra fizeram chover agrotóxicobet esporteum avião sobre as águas, terras e plantaçõesbet esportetribos avá-guarani, guarani e kayowa, causando sérios danos à saúde dos índios.

De suas andanças pelo Brasil entre os anosbet esporte1816 e 1822, o naturalista francês Augustebet esporteSaint-Hilaire conta uma história ocorrida no vale do Rio Doce, onde um foragido da Justiça, acolhidobet esporteforma amigável pelos índios botocudos, teria dado a eles objetos infectadosbet esportevaríola depois que um chefe indígena se apaixonou porbet esportefilha.

"Muitos botocudos caíram vítimas dessa horrível perfídia", narra Saint-Hilaire, acrescentando que a prática era usualbet esporteoutras regiões do país.

Maloca da comunidade Moxihatëtëma, formada por diversos telhadosbet esportepalha voltados uns para os outros, com o centro aberto,bet esportemaio a clareira na floresta

Crédito, Funai

Legenda da foto, Antropólogo critica vetos recentes aplicados à leibet esporteproteção às comunidades indígenasbet esportemeio à pandemia do coronavírus

Transmissão não proposital e omissão

Para o antropólogo Casé Angatu, as doenças serviram desde o início aos interesses dos colonizadores.

"As contaminações, propositais ou não, serviram e servem para espoliar terras indígenas e para o contínuo genocídio dos povos originários", afirma.

Palmquist classifica inclusive como criminosa a políticabet esporteaproximaçãobet esportetribos indígenas instalada durante a ditadura, que teria sido diretamente responsável pelo extermíniobet esportemilharesbet esporteíndios.

"Muito rapidamente, a Funai se transformou numa promotora da atração, pacificação e contato com as tribos indígenas, num momentobet esporteque já se sabia quais eram as consequências dessa política."

No Relatório Figueiredo, a omissão é também destacada como um dentre os vários crimes cometidos por membros do SPI. "A faltabet esporteassistência, porém, é a mais eficiente maneirabet esportepraticar o assassinato", diz o documento.

Nesse sentido, Pacheco lembra da desestruturação do sistemabet esporteatenção à saúde no Brasil durante a ditadura, especialmente na décadabet esporte1970, num períodobet esporteque a políticabet esporteaproximação das comunidades indígenas funcionava a todo vapor.

"A ausênciabet esporteequipes e estruturasbet esporteassistência médicabet esportemomentosbet esporteextrema necessidade deve entrar sim na conta dos agentes públicos, dentre eles o presidente, na medidabet esporteque ela expressa uma política do governobet esporteviolar sistematicamente direitos indígenas", declara o pesquisador.

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