Terror sem medida: por que o Rio não sabe o númerofutebol clubebalas perdidas que tem:futebol clube

Residentes da Cidadefutebol clubeDeus olham para policial

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Apesarfutebol clubetragédias recentes, Rio não tem estatística oficialfutebol clubevítimasfutebol clubebalas perdidas

"É simplesmente inaceitável que o ISP (Institutofutebol clubeSegurança Pública) e a Secretariafutebol clubeSegurança Pública ainda não tenham chegado a uma fórmula para acompanhar o númerofutebol clubecasos, e precisamos ficar nos valendofutebol clubelevantamentos feitos por jornalistas para tentar rastrear a situação", afirma Silvia Ramos, do Centrofutebol clubeEstudosfutebol clubeSegurança e Cidadania da Cândido Mendes (Cesec).

Klebson Cosme carrega o caixãofutebol clubeseu filho Arthur Cosm baleado na barriga da mãe

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Levantamento do jornal Extra indicou 632 pessoas atingidas por balas perdidas entre janeiro e julho

'Pior pesadelo da violência urbana'

Sem dados oficiais, a imprensa e as organizações sociais fazem levantamentos periódicos para tentar conhecer a dimensão do problema. Tais contagens são feitas majoritariamente com basefutebol clubecasos que viram notícia, sujeitas a subnotificação e com grandes disparidades entre si.

De acordo com um levantamento feito pela BandNews,futebol clubejaneiro até o dia 6futebol clubejulho deste ano, o Rio teve 113 casosfutebol clubebala perdida, com 33 mortos. Já o jornal Extra chegou a um número muito maior. De acordo com o diário, foram 632 pessoas atingidas por balas perdidas entre janeiro e julho, e 67 vítimas fatais. O número equivaleria a uma vítima a cada sete horas.

O Extra obteve acesso aos dados sobre bala perdida da Polícia Civil, que, entretanto, não são disponibilizados à imprensa por vias oficiais - como constatou a BBC Brasil, informada pela assessoriafutebol clubeimprensafutebol clubeque "a Polícia Civil não possui esses dados para divulgação".

Silvia Ramos estima que maisfutebol clube90% das vítimasfutebol clubebalas perdidas sejam moradoresfutebol clubefavelas ou bairros pobres. Ela compara o temor despertado pelas balas perdidas ao medo gerado pela imprevisibilidadefutebol clubeataques terroristasfutebol clubepaíses que sofrem com esse tipofutebol clubeproblema.

"Casos como o da grávida atingida traumatizam a cidade. A chamada "bala perdida" se tornou um dos fenômenosfutebol clubeviolência que mais assusta a população. Essa ideiafutebol clubeque você está tocando afutebol clubevida efutebol cluberepente vem uma bala, não se sabefutebol clubeonde, e pode te matar - esse é o pior pesadelo que a violência urbana pode gerar."

Parentesfutebol clubefuneralfutebol clubeMarlene Maria da Conceição efutebol clubefilha, mortas aparentemente por balas perdidasfutebol clubeoperação policial contra traficantes na favela da Mangueira

Crédito, Antonio Lacerda

Legenda da foto, Funeralfutebol clubeMarlene Maria da Conceição, mortafutebol clubejulho na favela da Mangueira por bala perdida

Brasil: recordefutebol clubevítimas na região

Entre os países da América Latina e Caribe, o Brasil tem o maior númerofutebol clubemortes causadas por bala perdida,futebol clubeacordo com um estudo do Centro Regional das Nações Unidos pela Paz, Desarmamento e Desenvolvimento na América Latina e Caribe (Unlirec, na siglafutebol clubeinglês).

A pesquisa também é baseadafutebol clubenotícias na imprensa e calcula que o Brasil teve 197 vítimasfutebol clubebala perdida entre 2014 e 2015, com 98 mortes e 115 pessoas feridas. Depois vieram México, com 116 casos; e Colômbia, com 101 casos.

Robert Muggah, especialistafutebol clubesegurança e desenvolvimento e coordenadorfutebol clubepesquisas do Instituto Igarapé, diz que registrar balas perdidas é um grande desafio e que a informação existente é cheiafutebol clubelacunas.

"É difícil confiar nesses dados porque eles são derivadosfutebol clubenotícias na imprensa e nãofutebol cluberegistrosfutebol clubesaúde pública", diz ele.

De acordo com o sociólogo Ignacio Cano, professor da Universidade do Estado do Riofutebol clubeJaneiro (Uerj) e pesquisador do Laboratóriofutebol clubeAnálise da Violência, não há um modelofutebol clubecontagemfutebol clubeoutros países no qual o Brasil possa se espelhar.

"Isso porque outros lugares não têm um número significativofutebol clubebalas perdidas a pontofutebol clubecausar alarme social e a necessidadefutebol cluberegistros. Nossa situação é muito atípica. Outros países não têm essa necessidade, nem têm o problema que nós temos", aponta Cano.

Crianaças durante funeralfutebol clubeVanessa dos Santos, 10, vítimafutebol clubebala perdida

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Funeralfutebol clubeVanessa dos Santos, 10, vítimafutebol clubebala perdida, que não é um tipo penal

Imbróglio conceitual e dados subaproveitados

Embora a definiçãofutebol clube"bala perdida" já esteja no senso comum, não configura um "tipo penal", ou seja, não é uma categoria criminal adotada no Código Penal Brasileiro. Uma ocorrência será registrada pelo crimefutebol clubeque resulta, seja homicídio ou lesão corporal dolosa (quando a vítima não é fatal).

Em 2015, no esforçofutebol clubecriar um mecanismo confiável para contabilizar o númerofutebol clubecasos, Ignacio Cano e Silvia Ramos participaramfutebol clubeconversas com o então chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso, e a diretora-presidente do Institutofutebol clubeSegurança Pública (ISP), Joana Monteiro. O objetivo era formular um conceito claro para casosfutebol clube"bala perdida" e viabilizar um levantamento oficial.

A discussão conceitual não foi superada - mas as conversas levaram Fernando Veloso a implementar mudanças no sistemafutebol cluberegistros da Polícia Civil.

O sistema eletrônico no qual as ocorrências são registradasfutebol clubetodas as delegacias do Estado foi modificado para incluir uma tabulação indicando "autoria ignorada - bala perdida", que poderia ser marcada ao detalhar casosfutebol clubehomicídio ou lesão corporal quando houvesse indíciosfutebol clubebala perdida.

O objetivo era gerar um fluxo constantefutebol clubeinformações para que o ISP viesse a produzir uma estatística oficial.

"Tomamos essa iniciativa por causa da sucessãofutebol clubecasos na época. Era um caso atrás do outro, e começou a haver essa demanda", lembra Veloso, que deixou o cargo na Polícia Civilfutebol clubeoutubro do ano passado.

"Não é fácil estabelecer um critério oficial do que é bala perdida ou não, mas buscamos esse caminho para tentar ter uma visão, minimamente, do quanto isso representa no problemafutebol clubeinsegurança do Rio."

Entretanto, embora o primeiro passo tenha sido dado, faltaram recursos para os passos seguintes, diz Ignacio Cano - investirfutebol clubetreinamento dos policiais para usar a nova ferramentafutebol clubemodo a gerar dados confiáveis e consistentes.

"Depoisfutebol clubenegociar a criação dessa 'caixinha' no sistema, o ISP viu que o que estava sendo registrado não tinha pé nem cabeça. Vários casos não procediam, e faltavam outros que tinham ficado conhecidos", diz Cano.

Aparentemente, os policiais não sabiam - ou não queriam - preencher corretamente os dados.

Joana Monteiro, diretora-presidente do ISP, diz que quando o instituto foi ler os dados gerados pelo novo sistema, constatou incongruências e não os considerou confiáveis. Ela diz que o ISP "ainda busca outras soluções".

"Não divulgamos porque não encontramos uma formafutebol cluberealizar uma contabilidade satisfatória para que possamos divulgar um número próximo que consideremos próximo à realidade", afirma.

Veloso diz que a iniciativa esbarrou no cenáriofutebol clubefaltafutebol cluberecursos que só tem se agravado na segurança pública. "Pode ser que o número não retrate a realidade dos fatos, pela faltafutebol clubeum conceito clarofutebol clubebala perdida, mas também porque você tem que investir na qualificaçãofutebol clubepoliciaisfutebol clubeforma intensiva para que os resultados sejam efetivos. E logo depois da implementação, a carênciafutebol cluberecursos começou a restringir a própria sobrevivência do sistema da polícia."

Soldados param moradoresfutebol clubeentradafutebol clubefavela

Crédito, AFP/Getty Images

Legenda da foto, É "extremamente difícil" ter estatísticafutebol clubebala perdida que possa ser divulgada com frequência, diz diretora do Institutofutebol clubeSegurança Pública

Chefe da Polícia Civil ignora sistema internofutebol clubecontagem

Monteiro afirma que o ISP costuma ser cobrado por um dado oficial por já ter feito essa divulgação no passado. Entre 2007 e o primeiro semestre 2012, o ISP divulgou periodicamente os chamados "Relatórios Temáticosfutebol clubeBala Perdida".

De acordo com os relatórios, o númerofutebol clubepessoas atingidas por balas perdidas apresentou queda constante entre 2007 e 2011. Em 2011, houve 88 vítimas, com sete mortes;futebol clube2007, foram 279 casos, com 21 vítimas fatais.

Mas os dados foram submetidos a sucessivos questionamentos e a contagem foi abandonada. De acordo com Monteiro, a metodologia era "muito simples", baseando-se meramente na busca por casos onde policiais tivessem usado a expressão "bala perdida" na descrição da dinâmica da ocorrência nos registros. "Várias pessoas concordavam que não era satisfatório."

Nesse sentido, a ferramenta acrescentada ao sistema da Polícia Civil seria mais segura, porque a denominação "bala perdida" poderia ser marcada pelos policiais ao registrarem casosfutebol clubehomicídio ou lesão corporal. Perguntado sobre o uso da ferramenta, no entanto, o atual chefe da Polícia Civil, Carlos Leba, demonstrou desconhecer o mecanismo.

Leba disse se lembrar do debate ocorrido à épocafutebol clubeseu antecessor, Fernando Veloso, e que era preciso averiguar se a tabulação continuava na plataforma, fato confirmado posteriormente pela BBC Brasil com o departamentofutebol clubetecnologia da informação.

Soldados revistam moradores do Morro do Macaco, no Rio

Crédito, AFP/Getty Images

Legenda da foto, De acordo com relatórios do ISP, númerosfutebol clubepessoas atingidas por balas perdidas caiufutebol clube2007 a 2011

O chefe da Polícia Civil afirmou que o sistema tem "subtítulos e detalhamentos às centenas". "Criar um subtítulo é fácil, o problema é fidedignidade do dado", afirmou, ressaltando as dificuldadesfutebol clubese identificarfutebol clubeimediato se um caso resultoufutebol clube"bala perdida" ou não - um fato que precisará ser investigado.

Ele diz concordar que dados sobre esse tipofutebol clubecaso sãofutebol clubeinteresse público. "É do DNA da Polícia Civil se interessar por isso. A Polícia Civil tem obrigaçãofutebol clubetentar saberfutebol clubeonde veio (o tiro) para relacionar causa e efeitofutebol clubeum evento. Tentar saber se uma bala foi motivada por uma ação dolosa ou foi acidental, 'perdida', nós já fazemos isso diuturnamente", diz Leba. Para ele, a missão da Polícia Civil éfutebol clubeinvestigar, enquanto o do ISP éfutebol clubedivulgar.

Joana Monteiro diz que "ainda não desistiu", mas considera "extremamente difícil" ter uma estatísticafutebol clubebala perdida que possa ser divulgada com frequência e precisão.

"A bala perdida é um fenômeno que deixa as pessoas muito angustiadas. Entendo o clamor social. Mas a questão central do Rio é se debruçar sobre a origem do problema da letalidade violenta como um todo. A bala perdida é partefutebol clubeum quadrofutebol clubeviolência estrutural, não éfutebol clubeúnica consequência", afirma ela.