O professoresporte bettvAnatomia que promete 'vida após a vida' na busca por doaçãoesporte bettvcorpos:esporte bettv

Professor Humberto Alves

Crédito, Bruno Figueiredo/Áreaesporte bettvServiço/BBC Brasil

Legenda da foto, Professor Humberto Alves, da Faculdadeesporte bettvMedicina da UFMG, coordena programa que estimula doaçãoesporte bettvcorpos para atividadesesporte bettvensino

O tema fúnebre não deixa o clima pesado. O que se vê é um bate-papo descontraído,esporte bettvmeio a risos e muita curiosidade das mulheres decididas a doar seus corpos à Medicina.

Quem está ali para escutá-las é o professoresporte bettvanatomia da UFMG Humberto Alves. Há 16 anos, ele se dedica a obter corpos para o ensino da anatomia, dando esclarecimentos a quem opta por um fim diferente do cemitério ou do crematório.

Reunião do programa Vida após a Vida

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Legenda da foto, Alvesesporte bettventrevista com potenciais doadorasesporte bettvcorpos: cercaesporte bettv580 pessoas ouvidasesporte bettv16 anos

Se hoje as entrevistas são leves, no início eram sérias e metódicas. Com a prática, o anatomista ficou mais seguro para prolongar a conversa, passando a se aprofundar nas razões para a doação e nas histórias das pessoas.

"A aproximação com o doador é fundamental. O simples preenchimentoesporte bettvum formulário online, como acontece nos Estados Unidos, não é suficiente", defende o professor.

Formação

Nascido na cidade históricaesporte bettvOuro Preto (MG) e com formação católica, Alves foi para a capital mineira estudar medicina nos anos 1970. Durante a graduação, interessou-se pelo estudo do corpo humano - fez treinamentoesporte bettvcirurgia e foi monitoresporte bettvanatomia.

O contato com outros estudantes, detalhando a eles as estruturas do corpo, contribuiu para que o jovem optasse pela carreira acadêmica.

Também pesou na escolha a convivência com um professor que valorizava a anatomia nas artes plásticas e o trabalhoesporte bettvnomes como Leonardo Da Vinci e Michelangelo. "Isso fez com que eu admirasse a formaesporte bettvuma maneira geral, não apenas a anatomia humana", conta.

Aos 28 anos, Alves tornou-se professoresporte bettvanatomia da UFMG. Hoje, aos 62, já são 34 anosesporte bettvdocência. Desde 2000, faz parte do Vida Após a Vida, programaesporte bettvdoaçãoesporte bettvcorpos da Faculdadeesporte bettvMedicina da UFMG.

Humberto Alves

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Legenda da foto, Humberto Alvesesporte bettvlaboratórioesporte bettvanatomia: interesse pelo corpo humano e 34 anosesporte bettvdocência

Em 1999, uma senhora procurou a universidade para doar o corpo, com registroesporte bettvcartório desse último desejo. O diretor da faculdade à época, Geraldo Brasileiro, concluiu que outras pessoas poderiam ter o mesmo interesse e criou o projeto, pioneiro no Brasil.

No início, eram oito professores, dos quais só restou Alves. Atualmente, o anatomista é coordenador do projeto e o único a conduzir as entrevistas com potenciais doadores.

Em buscaesporte bettvdoadores

Na salaesporte bettvespera para a conversa com o professor, as quatro mulheres já estão com a carteirinhaesporte bettvdoador e o termoesporte bettvdoação preenchido e assinadoesporte bettvmãos. Uma delas comenta sobre a melhor maneiraesporte bettvconservar o documento.

Durante a entrevista, Maria do Carmo Couto,esporte bettv56 anos, continua com o termoesporte bettvmãos, virado para a frente, exibindo com orgulho a materializaçãoesporte bettvuma decisão tomada há cinco anos.

Enquanto o professor esclarece as principais dúvidas e destaca que a doação ajuda indiretamente centenasesporte bettvestudantes, Couto expressa satisfação. "Imagina meu corpo sendo estudado do dedinho do pé até a cabeça. Isso é maravilhoso", exclama.

Doadora com termoesporte bettvdoação do corpo para Medicina

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Legenda da foto, Maria do Carmo Couto exibe termoesporte bettvdoação do corpo: 'Imagina meu corpo sendo estudado do dedinho do pé até a cabeça'

O professor Humberto Alves já entrevistou 580 pessoas entre as cercaesporte bettv780 cadastradas no programaesporte bettvdoação.

Hoje, são 68 corpos disponíveis para estudo na faculdade, sendo que 30 ainda não foram dissecados. Ao todo, 320 estudantesesporte bettvMedicina trabalham com os corpos por semestre - uma médiaesporte bettv20 alunos por cadáver.

Antes do Vida Após a Vida, os poucos cadáveres que a faculdade recebia vinhamesporte bettvduas fontes.

Uma eram instituições públicasesporte bettvensinoesporte bettvSão Paulo e do Rioesporte bettvJaneiro que cediam corpos excedentes ainda nos anos 1980. A parceria, contudo, enfraqueceu com o surgimentoesporte bettvnovas faculdadesesporte bettvMedicina nesses Estados.

Outra opção era o Instituto Médico Legal, que fornecia corpos não reclamados. Mas, devido às condições precárias do IML, muitos chegavam jáesporte bettvestadoesporte bettvdecomposição. A questão policial também era um empecilho, pois não há cessão quando a morte é suspeita.

Importância

Ainda que existam recursos tecnológicos e modelosesporte bettv3D do corpo humano, nada substitui o cadáver, afirma Alves. Tanto pela formaesporte bettvaprendizado diferenciada que proporciona como pela humanização dos estudantes que, muitas vezes, tocam pela primeira vezesporte bettvum corpo sem vida.

Aulaesporte bettvanatomia na UFMG

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Legenda da foto, Estudantesesporte bettvMedicinaesporte bettvaulaesporte bettvanatomia na UFMG; para professor, contato com corpos provoca reflexão sobre morte e 'liçãoesporte bettvhumildade' diante da vida

"Os jovens, geralmente, entram na faculdade pensando que são imortais e aqui veem que não são", afirma o professor.

É o casoesporte bettvum aluno que notou um anel no dedo do cadáver durante uma aula. "Ele disse que ali 'caiu a ficha', pois percebeu que aquela pessoa vivera como ele, mas teve um fim e se doou para ajudar outras pessoas", avalia Alves.

Há três anos, o professor decidiu que as entrevistas deixariamesporte bettvser individuais e seriam feitas preferencialmenteesporte bettvgrupo. A mudança, afirma ele, trouxe mais leveza ao processo, bem como identificação entre os participantes.

"A pessoa percebe que não está sozinha emesporte bettvdecisão e se sente parteesporte bettvum grupo especial. Quanto maior o grupo, mais vontade as pessoas têmesporte bettvdoar", diz.

No início, o projeto atendia sobretudo idosos, mas o númeroesporte bettvjovens aumentou e hoje o perfil dos doadores é diverso.

Há quem se comprometa a entregar o corpo por gratidão ao atendimento médico recebidoesporte bettvvida. Outros não gostamesporte bettventerro ou cremação. Medoesporte bettvser enterrado vivo e até repulsa à ideiaesporte bettvter o corpo deteriorado por vermes também aparecem nas conversas.

Entrevista com doadoras

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Legenda da foto, Nas entrevistas, medoesporte bettvser enterrado vivo eesporte bettvter morte antecipada por 'chás' misteriosos costuma ser citado por doadores

Quando essas razões são compartilhadas, surgem risos e brincadeiras, já que uns entendem os outros. A maioria chega decidida pela doação, tendo superado entraves culturais.

Mesmo com a decisão tomada, uma desconfiança peculiar costuma aparecer nas conversas: a possibilidadeesporte bettva morte ser aceleradaesporte bettvforma proposital por meioesporte bettvalgo como um "chá da meia-noite".

Diz a lenda que, caso um doador preciseesporte bettvatendimento no hospital da faculdade, um funcionário poderia ministrar o tal chá para que o corpo ficasse disponível para doação mais rapidamente.

Entre risos gerais, o professor garante que a história é falsa e deseja vida longa aos doadores.

Percurso da doação

Candidatos à doação procuram a Faculdadeesporte bettvMedicina da UFMG e deixam contatos para agendamento da entrevista. Após esse processo, assinam um termoesporte bettvdoação baseado na lei 8.501,esporte bettv1992, que garante que o corpo será utilizado apenas para finsesporte bettvestudo.

O cadastrado recebe a carteirinhaesporte bettvdoador, com os telefones para familiares ligarem quando a morte acontecer.

"Parentes reconhecerem e estaremesporte bettvacordo é fundamental", explica o professor, pois somente a assinatura do termo não garante que o cadáver seja levado para a unidade.

Alunosesporte bettvaula práticaesporte bettvanatomia na UFMG

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Legenda da foto, Alunosesporte bettvaula práticaesporte bettvanatomia na UFMG; maior aberturaesporte bettvvagasesporte bettvcursos aumentou demanda por corpos

Da mesma forma, uma pessoa que não assinou o termoesporte bettvdoação, mas deixou algum familiar cienteesporte bettvque gostariaesporte bettvdoar o corpo, não terá dificuldadeesporte bettvter o corpo cedido para ensino, desde que a família procure a instituição.

Após a comunicação do óbito, um funcionário fica responsável pelo traslado e pela documentação.

No entanto, mesmo com tudo acordado entre doador, familiares e faculdade, situações inesperadas podem acontecer.

Houve um casoesporte bettvum familiar que pediu o corpoesporte bettvvolta. A doadora havia realizado os procedimentosesporte bettvvida para a doação. No dia da morte, os parentes assinaram o termoesporte bettvcessão e o cadáver foi levado para a faculdade.

Entretanto, um irmão que não estava no momento da assinatura reclamou o corpo dias depois. O pedido foi atendido sem objeção. "Quando os familiares decidem, não interferimos", diz Alves. Foi o único pedidoesporte bettvdevolução na faculdade até o momento.

Velório simbólico

A orientação nos casosesporte bettvdoação é que ocorra um velório apenas simbólico, mais curto do que as cerimônias tradicionais, já que o corpo precisaesporte bettvpreparo quase imediato para emprego adequadoesporte bettvlaboratório. O local mais comum é o necrotério do hospital. Não há um tempo máximo para a despedida, mas geralmente ela duraesporte bettvduas a quatro horas.

Órgãos preservados para usoesporte bettvaula

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Legenda da foto, Órgãos preservados para usoesporte bettvaula; uma vez doado, corpo não pode ser visitado por parentes

É raro, mas há parentes que optam pelo velório com caixão, flores e serviço funerário. Nesse caso, a despedida também é mais curta e a funerária não faz cortes ou alterações significativas no cadáver, apenas injeta uma substância conservante para impedir a decomposição.

Grande parte dos doadores prefere o velório simbólico para amenizar o desgaste emocional e financeiro dos familiares. Além disso, o professor deixa claro que, uma vez doado, é como se o corpo estivesse enterrado - o que significa que não pode ser visitado.

A religião não chega a ser determinante na decisão, diz Alves. O professor explica que pessoas que seguem a mesma religião podem ter pensamentos diferentes sobre a doação.

"Alguns católicos acham que é um gesto nobre, outros pensam que o corpo deve ser mantido íntegro. Já para os espíritas,esporte bettvgeral, o corpo é apenas uma matéria e o que importa é o espírito", exemplifica Alves.

Um ponto que motiva questionamentos dos próprios doadores é o fatoesporte bettvnão haver um túmulo que sirva como referência do morto para a família.

Nesse sentido há um projeto antigoesporte bettvcriar um mausoléuesporte bettvhomenagem àqueles que cederam o corpo voluntariamente, mas a ideia nunca saiu do papel por faltaesporte bettvrecursos.

Aulaesporte bettvanatomia na UFMG

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Legenda da foto, Sociedade Brasileiraesporte bettvAnatomia não tem dados sobre númeroesporte bettvcorpos disponíveis para estudoesporte bettvuniversidades brasileiras, pois cada instituição tem programa específico

Enquanto isso, fragmentos retirados durante a dissecação dos cadáveres são enterrados no jazigo da Faculdadeesporte bettvMedicinaesporte bettvum cemitério da cidade. Ossos e órgãos permanecem no acervo do departamento.

Conservação e conhecimento

Ao chegar à faculdade, o corpo segue para o setoresporte bettvnecropsia, onde ficaesporte bettvuma câmara fria, com temperaturasesporte bettv4ºC a 6ºC. O sangue é substituído por uma substância conservante.

Após a preparação, o cadáver é mantido submersoesporte bettvum tanqueesporte bettvformol, o que impede seu ressecamento, até o momentoesporte bettvser utilizado.

Os corpos usados nos laboratórios são retirados dos tanques na segunda-feira e recolhidosesporte bettvvolta na sexta-feira. O procedimento é feito com o corpo inteiro e partes isoladas.

O professor já dissecou corposesporte bettvdoadores que entrevistou. A última vez que isso ocorreu foi há dois anos. Como corpos que chegam não são usados imediatamente, há um intervalo entre a entrevista e a dissecação. Essa conversa foi, portanto, há uma década.

"Fico muito mais tranquiloesporte bettvtrabalhar com um corpo que conhecia porque sei que ele fez a escolhaesporte bettvvir para cá", explica o docente.

"Senti uma certa tristeza", reconhece ele, "mas lembrei da conversaesporte bettvque ele disse não querer dar trabalho aos familiares e que morava sozinho e isso me tranquilizou".

O professor não costuma mencionar isso aos doadores - apenas quando questionado -, mas também é um candidato à doação.

E enfrenta um desafio parecido com oesporte bettvseus entrevistados: convencer os familiares - no caso dele, umaesporte bettvespecial.

Humberto Alves

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Legenda da foto, Humberto Alves já entrevistou pessoas que depois morreram e tiveram corpos usadosesporte bettvaulas; professor também pretende ser doador

"(A decisão) foi facilmente aceita pelo meu filho, mas não pela minha mulher. Ela ainda fica reticente."

A mulher costuma evitar o assunto, enquanto Alves procura retomá-loesporte bettvsituações triviais do dia a dia, como um café da manhã. "Não é que queira morrer logo, só quero que minha vontade seja respeitada quando chegar o momento."

Na entrevista com as doadoras, Maria do Carmo Generoso,esporte bettv50 anos, diz que não revelou para toda a família a decisão que acabouesporte bettvformalizar. "É uma decisão muito pessoal. Só meu filho e meu marido sabem", diz.

"Achei divino", afirma uma das participantes, que não quis ser identificada. Ela afirma que nunca gostou dos rituaisesporte bettventerro e cremação, e que viu na doação uma alternativa. "Eu resolvi doar, mas tenho medo da morte. A vida é muito boa. A gente ama viver."