Da janela do sobrado a donas da folia: como as mulheres driblaram o machismo na história do Carnaval:luva bet grupo telegram
Hoje, Renata, Débora e mais duas amigas são responsáveis pela organização do Mulheres Rodadas, que se prepara neste ano para seu nono cortejo desfile com uma banda formada principalmente por mulheres.
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Fim do Matérias recomendadas
Não há uma restrição para a participação masculina entre os instrumentistas, mas a liderança é feminina.
"Os homens já têm esse espaço nos outros blocos. Aqui, fazemos como a gente acha melhor."
Essa é uma transformação recente na história centenária do Carnaval, uma festa na qual, no início, mulheres "de família" não deveriam participar — e, mesmo quando isso mudou, coube a elas um papel secundário e por vezes invisível aos olhos da maioria,luva bet grupo telegramuma folia dominada por homens.
Isso porque, mesmo que o Carnaval seja visto muitas vezes como uma chanceluva bet grupo telegramalguém ser o que desejar eluva bet grupo telegramsubverter os papéis sociais que exerce no resto do ano, a ideia não passaluva bet grupo telegramum mito, dizem pesquisadores.
"Apesarluva bet grupo telegramse dizer que o Carnaval subverte mecanismosluva bet grupo telegramcontrole social, ele reflete a vida — e a maneira como os sexos se veem — nos outros 365 dias do ano. A mulher é subjugada no emprego e na família e também é subjugada no momentoluva bet grupo telegramfesta", diz Olga von Simson, professora do Departamentoluva bet grupo telegramCiências Sociais da Faculdadeluva bet grupo telegramEducação da Universidade Estadualluva bet grupo telegramCampinas (Unicamp) e autoraluva bet grupo telegramCarnavalluva bet grupo telegramBranco e Negro (Edusp).
Entrudos, bailes e corsos
A origem do Carnaval brasileiro remonta aos entrudos, tradição trazida pelos portugueses na época da colonizaçãoluva bet grupo telegramque as pessoas saíam às ruas nos dias que antecediam a Quaresma para travar batalhas com baldes, seringas e bisnagas d'água, alémluva bet grupo telegramlimões e laranjas-de-cheiro, bolas feitasluva bet grupo telegramcera com água perfumada dentro.
Esse costume logo se espalhou do Rioluva bet grupo telegramJaneiro para outras cidades do país.
"Mas poucas mulheres participavam, porque, durante todo período colonial, a rua era um espaço masculino. O papel da mulher era ficarluva bet grupo telegramcasa", diz Luiz Felipe Ferreira, criador do Centroluva bet grupo telegramReferência do Carnaval e professor do Institutoluva bet grupo telegramArtes da Universidade do Estado do Rioluva bet grupo telegramJaneiro (Uerj).
O pesquisador explica que era mais comum as mulheres participarem do chamado entrudo familiar, que ocorria dentro das residências.
"Essas festas também eram uma formaluva bet grupo telegramcontato social e uma chance das mocinhas assumirem a iniciativa nas relações amorosas, ao jogar um limão-de-cheiro no rapazluva bet grupo telegramque elas estavam interessadas", afirma Ferreira.
Esse tipoluva bet grupo telegramfesta reinou sozinha até a primeira metade do séculoluva bet grupo telegram19. A partirluva bet grupo telegramentão, as antigas tradições ligadas aos portugueses foram aos poucos dando lugar ou se misturando com novos costumes importados da Europa. Entre eles, um Carnaval mais sofisticado e elegante, com bailes a fantasia e desfilesluva bet grupo telegramcarros alegóricos, organizados pelos homens que estavam à frenteluva bet grupo telegramsociedades carnavalescas.
Nos bailes, as mulheres podiam assistir à festa dos camarotes, mas não pular Carnaval no salão. Também era das janelas dos sobrados que elas viam os carros alegóricos desfilarem pelas ruas.
A participação feminina, entretanto, não era totalmente vetada nos cortejos.
"As prostitutas polonesas e francesas das casas mais ricas e sofisticadas desfilavam luxuosamente despidas nos carros. Foram elas, inclusive, que ensinaram aos homens como se fazia um Carnaval, porque muitos deles nunca tinham ido à Europa", diz Von Simson.
A cientista social conta que não demorou para que mulheres cariocas, insatisfeitas por não poderem participar do Carnaval, procurassem o escritor Joséluva bet grupo telegramAlencarluva bet grupo telegrambuscaluva bet grupo telegramuma solução. Ele propôs, então, que fossem feitos bailesluva bet grupo telegramque elas "pudessem tomar parte e não ser meras espectadoras".
Os arquivos da Biblioteca Nacional apontam ainda que,luva bet grupo telegram1907, surgiu no Rio um novo tipoluva bet grupo telegramcelebração que seria adotadaluva bet grupo telegramoutras cidades brasileiras. Nos "corsos", as famílias mais ricas da cidade desfilavamluva bet grupo telegramluxuosos carros abertos pela antiga Avenida Central.
A iniciativa partiu das filhas do então presidente Afonso Pena e foi copiada pelos outros donosluva bet grupo telegramautomóveis na época. Os ocupantes jogavam confete, serpentina e lança-perfumeluva bet grupo telegramquem estava nos outros carros ao longo do trajeto, enquanto as classes populares assistiam a tudo do chão.
"Mesmo assim, as mulheres participavam dos bailes e desfiles como acompanhantes do pai ou do marido,luva bet grupo telegramum papel secundárioluva bet grupo telegramfilha ou mulher", diz Ferreira.
As matriarcas do Carnaval
O controle sobre a participação da mulher no Carnaval começou a se afrouxar com o surgimento dos cordões, blocos e ranchos carnavalescos, na segunda metade do século 19.
Organizados por gruposluva bet grupo telegramamigos e famílias das camadas sociais menos abastadas, os cordões e blocos desfilavam a pé pelas ruas da cidade.
A presença feminina foiluva bet grupo telegraminício bastante restrita ou mesmo nula nestes cortejos, porque eles eram proibidos pela polícia. Foi somente mais tarde, nas primeiras décadas do século 20, com o fim da repressão, que as mulheres começaram a participarluva bet grupo telegrammaior número.
Já nos ranchos, que faziam desfiles mais organizados e traziam elementos até então inéditos, como enredo e instrumentosluva bet grupo telegramsopro e cordas, a participação das mulheres foi mais precoce.
Elas cumpriam papéis fundamentais nestes festejos, confeccionando as fantasias e adereços e organizando eventos para arrecadar o dinheiro necessário para bancar o cortejo — mas não só.
O Carnaval como conhecemos hoje existeluva bet grupo telegramgrande parte graças às "tias", mulheres baianas que abriam suas casas para a reunião dos sambistas ao longo do ano e ofereciam assim um espaço seguro para que eles se reunissem sem serem perseguidos pela polícia.
"As tias são o epicentro dessa cultura do Carnaval. Suas casas eram espaçosluva bet grupo telegramsociabilização e proteção", diz a jornalista Bárbara Pereira, doutoraluva bet grupo telegramhistória social pela Universidade Federal do Estado do Rioluva bet grupo telegramJaneiro.
Uma das mais famosas entre essas matriarcas do samba é Hilária Batistaluva bet grupo telegramAlmeida, a Tia Ciata. Mas havia muitas outras, diz Pereira, que entraram para os registros históricos apenas como apoiadorasluva bet grupo telegramseus maridos ou simplesmente foram esquecidas.
"Muitos dos relatos que temos hoje sobre o início do Carnaval foram feitos por homens, e quase não há registros da participação das mulheres, porque estes homens não as enxergavam. Elas foram invisibilizadas", afirma a pesquisadora.
As mulheres vão para a avenida
O Carnaval passaria por uma nova transformação entre o final dos anos 1920 e o início dos anos 1930, quando foram fundadas as primeiras escolasluva bet grupo telegramsamba — e, com elas, as mulheres começaram a conquistar um espaço próprio nos desfilesluva bet grupo telegramCarnaval.
"O matriarcado na história do samba fez que houvesse uma presença feminina significativa desde o início das escolas, com a ala das baianas e a ala das pastoras, que cantavamluva bet grupo telegramcoro o samba-enredo junto com o puxador", diz o historiador e escritor Luiz Antônio Simas.
Isso abriu caminho para que as mulheres conquistassem com o tempo outros postos nos desfiles das escolasluva bet grupo telegramsamba. Simas destaca que a primeira mulher a sair na bateria foi Dagmar da Portela,luva bet grupo telegram1939.
Já os primeiros sambas-enredo assinados por autoras são da décadaluva bet grupo telegram1950. Carmelita Brasil, na Unidos da Ponte, foi a pioneira da composição, e,luva bet grupo telegram1965,
Dona Ivone Lara tornou-se a primeira mulher a assinar um samba-enredo por uma grande escola.
"Aos poucos, como repercussãoluva bet grupo telegrammudanças na estrutura da sociedade brasileira, as mulheres vão conquistando espaços tambémluva bet grupo telegramum meio bem machista como o do samba", diz Simas.
Foi a partir dos anos 1930 que as mulheres brasileiras conquistaram direitos políticos e receber salários iguais. Passaram a não mais terluva bet grupo telegrampedir autorização aos maridos para trabalhar, ter contaluva bet grupo telegrambanco ou viajar sozinhas. E foram reconhecidas legalmente como iguais aos homens.
Ao mesmo tempo, na Avenida, elas ganham cada vez mais protagonismo nos desfiles, como passistas, rainhasluva bet grupo telegrambateria e destaquesluva bet grupo telegramcarros alegóricos.
Esses postos são frequentemente vistos apenas como mais uma expressão do machismo no Carnaval, que trata as mulheres como objetos sexuais. Mas Bárbara Pereira, que pesquisou as passistasluva bet grupo telegramseu doutorado, diz que não é dessa forma que elas próprias se enxergam.
"Essas mulheres têm orgulholuva bet grupo telegramserem passistas, porque muitas vezes é uma tradição passadaluva bet grupo telegrammãe para filha. E, a partir dos anos 1990, com o aumento da escolaridade feminina, muitas delas não são mulatas-show, mas estudantes e trabalhadoras que sambam porque querem sambar", diz a pesquisadora.
Ao mesmo tempo, as mulheres estão vencendo gradativamente o preconceito nas escolasluva bet grupo telegramsamba ao tocar instrumentos considerados "de homens", como surdo, caixa-de-guerra e tarol, e assumirem as funçõesluva bet grupo telegramcarnavalescas, diretoras e mestresluva bet grupo telegrambateria, puxadoras e, inclusive, presidentesluva bet grupo telegramagremiações.
"Mas ainda são poucas nestas posições, porque persiste a ideialuva bet grupo telegramque há nas escolas lugarluva bet grupo telegrammulher eluva bet grupo telegramhomem, especialmente nos postosluva bet grupo telegrampoder, como a diretoria, eluva bet grupo telegrammais prestígio, como a composição", diz historiadora Marília Belmonte, que pesquisa a velha guarda e a ala das baianasluva bet grupo telegramseis escolasluva bet grupo telegramsambaluva bet grupo telegramSão Paulo.
As mulheres conquistam espaço no Carnavalluva bet grupo telegramrua
Belmonte diz que um movimento semelhante começou a ocorrer também com os blocosluva bet grupo telegramrua,luva bet grupo telegrammeio a um debate recente e mais amplo sobre o papel das mulheres na sociedade atual.
"Isso gera uma maior conscientização entre as mulheres e faz com que elas questionem o machismo e busquem ter maior representação no Carnaval, ocupando espaços antes reservados aos homens e criando seus próprios blocos, onde conseguem se expressar sem serem cerceadas nem sofrer assédio", diz a historiadora.
Atualmente, já existe maisluva bet grupo telegramuma dezenaluva bet grupo telegramblocos pelo país que são organizados por mulheres ou até mesmo exclusivamente femininos, como Ilú Obáluva bet grupo telegramMin, Mulheresluva bet grupo telegramChico, Não é Não, Pagu, Filhas da Lua, Toco-xona e Siga Bem, Caminhoneira.
Renata Rodrigues, do Mulheres Rodadas, diz que o Carnavalluva bet grupo telegramrua mudou nos anosluva bet grupo telegramque seu bloco feminista desfila no Rioluva bet grupo telegramJaneiro.
"Existe hoje uma discussão muito mais ampla sobre o assédio e uma consciência maiorluva bet grupo telegramque não é porque a mulher está pulando Carnaval que ela pode ser assediada ou violentada. Isso aconteceu porque as mulheres que apareceram no Carnaval colocaram esse assuntoluva bet grupo telegrampauta", diz.
Ao mesmo tempo, isso fez da folia um espaço mais seguro para as mulheres e no qual elas se sentem mais confortáveis para exibir o corpo conforme quiserem.
"Nós vemos hoje muito mais mulheres com o corpo à mostra. Com o maior númeroluva bet grupo telegrammulheres, elas se sentem protegidas e capazesluva bet grupo telegramdizer 'o corpo é meu, não quero que me toque'. É um corpo que não está ali para ser consumido. É um corpo político, que carrega uma mensagemluva bet grupo telegramliberdade."
Também há mais mulheres participando ativamente do Carnaval, tocando instrumentos, montando suas bandas e fanfarras e criando seus próprios projetos.
"Temos muito orgulholuva bet grupo telegramter ajudado nesta transformação junto com outros coletivosluva bet grupo telegrammulheres."
O Mulheres Rodadas realiza oficinas ao longo do ano para ensinar mais mulheres a tocar instrumentos.
"Ainda somos franca minoria na gestão. Queremos ter cada vez mais mulheresluva bet grupo telegramposiçãoluva bet grupo telegramliderança, mas é justamente neste espaço que é mais difícil conseguir avançar", aponta Renata.