O país que contratou caminhões para transportar fantasmas:o betano paga mesmo

Crédito, Xinhua/Alamy
"Whoopi Goldberg?"
"Sim", ele assentiu com a cabeça, "Whoopi Goldberg."
Demorei um pouco para entender que o capitão era um fã do filme Ghost - Do Outro Lado da Vida,o betano paga mesmoque a atriz americana interpreta uma médium que se comunica com os mortos.
Fui até Naypyidaw, capitalo betano paga mesmoMianmar, para conversar com o capitão sobre a logísticao betano paga mesmotransportar os espíritos dos mortos, prática baseada nas crenças espirituais da antiga Birmânia. Estávamos sentados do ladoo betano paga mesmoforao betano paga mesmoum café quase deserto; eu tomava um sucoo betano paga mesmomamão, enquanto o capitão bebia água. Ao nosso lado havia um canal que ajudava a refrescar o ar escaldante. Ao longoo betano paga mesmosuas margens, árvoreso betano paga mesmotamarindo coloriam a paisagemo betano paga mesmolaranja.
Naypyidaw — que significa literalmente "Morada dos Reis" — é diferenteo betano paga mesmoqualquer outra cidadeo betano paga mesmoMianmar. Apesaro betano paga mesmoter uma vasta área, tem baixa densidade populacional. As ruas quase não têm trânsito, e há pouco para se ver.
É chamada por muitoso betano paga mesmo"cidade fantasma", mas, segundo a crença local, a realidade é mais inusitada: se Naypyidaw é uma cidade fantasma, ela é uma cidade fantasma sem fantasmas.
A capitalo betano paga mesmoMianmar foi oficialmente transferidao betano paga mesmoYangon para Naypyidawo betano paga mesmo2006. Os motivos da mudança são uma mistura obscurao betano paga mesmoconveniência política; paranoia sobre a proximidadeo betano paga mesmoYangon com o mar e o riscoo betano paga mesmoinvasão; e a recomendaçãoo betano paga mesmovidentes que advertiram o ex-chefeo betano paga mesmoEstado birmanês Than Shweo betano paga mesmoque se ele não mudasse a capital do país, ele e seu regime cairiam. Ao contrárioo betano paga mesmoYangon, que ainda era assombrada pelo passado colonial, Naypyidaw representava um novo começo.

Crédito, Nico Adriaan Kelder/Alamy
Foi por isso que eu vim conversar com o capitão:o betano paga mesmo2010, ele foi encarregado da realocação do cemitérioo betano paga mesmoTatkon (um dos distritos que fazem parteo betano paga mesmoNaypyidaw) — o terreno precisava ser liberado como parteo betano paga mesmoum projetoo betano paga mesmourbanização e desenvolvimento. O governo planejava construir um mosteiro e um novo prédio para o tribunal distrital. Mas primeiro, precisavam transferir o cemitério.
Realocaçõeso betano paga mesmocemitérios podem ser controversas, e as famílias dos mortos nem sempre ficam felizes com a remoção dos restos mortaiso betano paga mesmoseus entes queridos. Mas isso aconteceuo betano paga mesmo2010, um ano antes do fimo betano paga mesmoquase meio séculoo betano paga mesmoregime militar no país. Portanto, se o povoo betano paga mesmoTatkon estava descontente com a transferência do cemitério, ninguém protestou. Como um moradoro betano paga mesmoTatkon me disse: "Na época, estávamos sob domínio militar. Você não tem como resistir".
Mas havia outra razão pela qual a remoção do cemitério era considerada particularmente "perigosa". Junto com o cemitério, era necessário transportar os fantasmas, retirá-los do local que supostamente seriao betano paga mesmoúltima morada. E os habitantes do cemitérioo betano paga mesmoTatkon eram especialmente problemáticos.
Bénédicte Braco betano paga mesmoLa Perrière, que estuda a religiãoo betano paga mesmoMianmar, me contou que, na Segunda Guerra Mundial, Tatkon era um cemitérioo betano paga mesmosoldados japoneses. E, pela crença birmanesa, aqueles que sofrem mortes violentas "criam resíduos espirituais que os funerais não são capazeso betano paga mesmoliberar totalmente".
A remoção do cemitérioo betano paga mesmoTatkon era, portanto, um negócio arriscado.
"Temos medo dos fantasmas", diz o capitão. "Se eles não querem se mudar, ficam com raiva. São um perigo para as pessoas da cidade."

Crédito, Keith Levit/Alamy
O capitão me contou como eles transferiram os restos mortais para um novo cemitério, fora da cidade. E, na sequência, sorriu:
"Depoiso betano paga mesmofazer a mudança dos túmulos, o governo contratou caminhões para transportar os fantasmas. Chamaram um natsaya (guru espiritual) para supervisionar e direcionar os fantasmas para os caminhões. Havia 12 caminhões, que fizeram três viagens por dia durante três dias."
O número, suspeitei, não era por acaso. Os caminhões fizeram um totalo betano paga mesmo108 viagens, número auspicioso na numerologia budista. As pegadaso betano paga mesmoBuda, por exemplo, são tradicionalmente marcadas com 108 símbolos sagrados.
"Havia maiso betano paga mesmomil sepulturas para transportar", afirmou o capitão. "Então, havia 10 fantasmas ou mais por caminhão".
Eu não sabia quantos fantasmas poderiam caber teoricamenteo betano paga mesmoum caminhão. Imaginei que seria mais do que isso. Mas acontece que os fantasmas birmaneses não são entidades esguias e exíguas. Para aqueles que conseguem vê-los, são altos — maiso betano paga mesmo2 metroso betano paga mesmoaltura — fortes e corpulentos, com orelhas e presas enormes, alémo betano paga mesmolínguas terrivelmente longas.
E podem ser passageiros desagradáveis. Ao realizaro betano paga mesmopesquisa na décadao betano paga mesmo1990, Braco betano paga mesmola Perrière ouviu histórias sobre remoçõeso betano paga mesmocemitérioso betano paga mesmoYangon,o betano paga mesmoque os fantasmas causaram "problemas nos motores" e "caminhões paravam ou se moviam sozinhos, deixando os motoristas assustados... os mortos estavam reagindo contrao betano paga mesmoremoção".
O capitão explicou comoo betano paga mesmoNaypyidaw os fantasmas lutavam pelo privilégioo betano paga mesmoviajar no banco da frente. Quando eles ficavam indisciplinados demais, o natsaya intervinha, ordenando que subissem pela traseira. À medida que os caminhões enchiam, conta o capitão, os veículos tinham mais dificuldadeo betano paga mesmose mover, afundando na areia fofa. "Fantasmas são pesados", diz ele, tomando um goleo betano paga mesmoágua.

Crédito, Paula Bronstein/Getty Images
Depoiso betano paga mesmotrês dias, a transferência foi concluída — mas a situação não ficou completamente tranquila. Na noite seguinte ao término da mudança, o assistente do capitão sonhou com três fantasmas que disseram a ele terem sido deixados para trás. No dia seguinte, o capitão voltou ao cemitério e encontrou mais três sepulturas no meio do mato. Um fantasma particularmente complicado se recusou a se mudar;o betano paga mesmovez disso, passou a morar no carro do assistente, provocando uma sérieo betano paga mesmopequenas calamidades.
As escavadeiras que trabalhavam no projetoo betano paga mesmoconstrução quebraram. O gato que morava no conjunto habitacional do Comitêo betano paga mesmoDesenvolvimentoo betano paga mesmoNaypyidaw morreuo betano paga mesmorepente. O assistente sentiu que era empurrado para fora da cama por mãos fantasmagóricas à noite. Somente quando o capitão chamou um monge para recitar as escrituras budistas é que o espírito problemático finalmente se acalmou.
O capitão não tem mais contato com o natsaya que participou do transporte dos fantasmas, mas meu intérprete disse que conhecia um natsaya que havia testemunhado o exorcismoo betano paga mesmomassa e que me apresentaria a ele no dia seguinte. Agradeci ao capitão pela entrevista e aperteio betano paga mesmomão. Quando ele se despediu, tinha o aro betano paga mesmoum homem satisfeito,o betano paga mesmoquem fez um trabalho bem feito.
No dia seguinte, U Nain La Shwe foi até o meu hotel. De cabelos grisalhos e quase 70 anos, o natsaya estava com uma camisa branca impecável e um longyi — tradicional sarongue birmanês — cuidadosamente amarrado. Ele trabalhava como astrólogo e médium espiritual, se autopromovendo com o slogan "Acreditar para ver", palavras que vieram até eleo betano paga mesmoum sonho.
U Nain La Shwe estava familiarizado com os cemitérioso betano paga mesmoNaypyidaw. Sentadoo betano paga mesmopernas cruzadaso betano paga mesmoum sofá no saguão do hotel, ele me contou que costumava meditar nos cemitérios da cidade. Disse que era devotoo betano paga mesmoMa Phae Wa, espírito que carrega os caixões. Muitas vezes, ela se aproximava dele e perguntava se precisavao betano paga mesmoalgo. Eles se davam muito bem.
"Ela é presidente do conselho", afirma. "É responsável por todos os outros espíritos dos cemitérioso betano paga mesmoMianmar. É muito pura e bonita", diz ele, com um ar melancólico.
U Nain La Shwe testemunhou o transporte dos fantasmaso betano paga mesmoTatkon — viu os espíritos se amontoando nos caminhões e as rodas dos veículos atolarem na areia devido ao peso, conta.
Quando o natsaya que comandava a operação ordenou a saídao betano paga mesmoalguns fantasmas, U Nain La Shwe diz que presenciou como os caminhões começaram a se mover novamente.
"No cemitério, há uma lei específica", explica.
Uma lei que demanda os serviçoso betano paga mesmoum natsaya para ser compreendida.
Apenas um médium espiritual é capazo betano paga mesmotransitar entre o mundo dos vivos, o mundo dos mortos e o mundo espiritual, e conseguem assim, como escreve Braco betano paga mesmola Perrière, fornecer "alguma compensação" para as almas que tiveram uma morte violenta.
No meu último diao betano paga mesmoNaypyidaw, aluguei uma moto e saí para explorar a cidade. Percorri as estradas desertaso betano paga mesmooito pistas. Muitoo betano paga mesmovezo betano paga mesmoquando, um carro aparecia no meu espelho retrovisor, avançando na minha direção e me ultrapassando. Mas, na maior parte do tempo, eu estava sozinho. Dirigi por horas, parandoo betano paga mesmopagodes e templos budistas. Só voltei quando escureceu.
A cercao betano paga mesmo10 km do hotel, percebi pelo marcador que a gasolina estava acabando. Havia algoo betano paga mesmosinistro nas ruas vaziaso betano paga mesmoNaypyidaw após o pôr do sol e, por um momento, depoiso betano paga mesmotodo aquele papo sobre espíritos, senti um arrepio diante da ideiao betano paga mesmoficar parado sem combustível no meio daquelas ruas desertas. Me imaginei empurrando a moto pela estrada vazia, acompanhado apenas pelo vento frio da noite — e estremeci.
Mas depois me lembrei que não havia problema. O capitão Aung Khant já havia dado um jeito nisso. Nesta cidade fantasma sem fantasmas, não havia nada a temer.
o betano paga mesmo Leia a versão original o betano paga mesmo desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel o betano paga mesmo .

Crédito, Getty Images
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