Quando a pesquisa acadêmica vira casobet brasil esportepolícia, assassinato e incidente diplomático:bet brasil esporte

  • Fernanda Odilla
  • Da BBC News Brasilbet brasil esporteLondres
Giulio Regenibet brasil esportevídeo, poucas semanas antesbet brasil esporteser morto

Crédito, Al Oula

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O pesquisador italiano Giulio Regeni foi encontrado morto numa vala, com o corpo mutilado e sinaisbet brasil esportetortura no Cairo

bet brasil esporte Alunobet brasil esportedoutorado da Universidadebet brasil esporteCambridge, no Reino Unido, o pesquisador italiano Giulio Regeni,bet brasil esporte28 anos, foi morar no Cairo para estudarbet brasil esporteperto a atuaçãobet brasil esportesindicatos independentes. Apareceu morto numa vala, com o corpo mutilado, sinaisbet brasil esporteespancamento ebet brasil esportetortura.

O corpo ficou tão desfigurado que a mãebet brasil esporteRegeni disse ter reconhecido o filho "pela ponta do nariz" no necrotério.

"Naquele rosto, eu vi todo o mal do mundo e me perguntei porque todo mal do mundo se virou contra ele", disse a mãe do pesquisador, durante uma entrevista concedida pouco maisbet brasil esporteum mês depois da notícia da morte do estudante.

O corpobet brasil esporteGiulio Regeni foi encontradobet brasil esportefevereirobet brasil esporte2016 e somente nesta semana, quase três anos depois do crime, um promotorbet brasil esporteRoma anunciou que cinco oficiaisbet brasil esportesegurança estão sendo investigados por suspeitabet brasil esporteterem sequestrado o pesquisador. Quatro deles são integrantes do primeiro escalão da Agênciabet brasil esporteSegurança Nacional do Egito e são oficiaisbet brasil esportealta patente - um general, dois coronéis e um major estão entre os investigados.

O casobet brasil esporteRegeni é acompanhadobet brasil esporteperto pela Scholars at Risk (Acadêmicosbet brasil esporteRisco), uma entidade sem fins lucrativos que monitora a liberdade acadêmicabet brasil esportedezenasbet brasil esportepaíses, e que cobra um desfecho com identificação e punição dos culpados pela morte do italiano.

Relatório da entidade lançado no fimbet brasil esportenovembro, contabilizou 294 casos que classificam como ataques contra pesquisadoresbet brasil esporte47 países, registrados num períodobet brasil esporte12 meses, entre setembrobet brasil esporte2017 e agosto deste ano.

A maioria deles ébet brasil esporteprisões (88 casos),bet brasil esporteassassinatos, desaparecimento e violência (79) ebet brasil esporteprocessos (60). Há ainda casosbet brasil esportedemissões, restrições para viajar e ameaças contra pesquisadores.

Carteirinhabet brasil esporteGiulio Regeni da Universidadebet brasil esporteCambridge

Crédito, EPA

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Giulio Regeni era alunobet brasil esportedoutorado da Universidadebet brasil esporteCambridge

"Descrevemos os ataques ao redor do mundo como uma crise que existe há algum tempo. Estamos vendo um aumento das pressõesbet brasil esportealguns países como na Turquia, Nicarágua e Hungria. Ao mesmo tempo, nosso trabalhobet brasil esportegrande parte é lançar luz sobre um problema que é subnotificado", afirma Jesse Levine, consultora sênior da Scholars at Risk, quando questionada se as situaçõesbet brasil esporterisco enfrentadas por acadêmicos está crescendo.

Ela explica que o aumento dos casos registrados pode representar, ao mesmo tempo, mais ataques e, ao mesmo tempo, o reconhecimentobet brasil esporteincidentes que antes não eram encarados como ataques à liberdade acadêmica.

Ameaça à 'segurança nacional'

Levine afirma que a Scholars at Risk sempre levabet brasil esporteconsideração as justificativas dos governos usadas para prender, deter ou processar pesquisadores nacionais e estrangeiros. Mas, segundo ela, há indicativosbet brasil esporteque frequentemente governos evocam leisbet brasil esportesegurança nacional "mais como pretexto do que por uma ameaça genuína".

Em casosbet brasil esporteestrangeiros, por exemplo, o trabalho do pesquisador corre o riscobet brasil esportevirar incidente diplomático, alémbet brasil esportecasobet brasil esportepolícia.

Tudo indica ser esse o caso do estudantebet brasil esportedoutorado Matthew Hedges,bet brasil esporte31 anos, acusadobet brasil esporteser um espião britânico. Depoisbet brasil esportesete meses detido nos Emirados Árabes, o aluno da universidadebet brasil esporteDurham recebeu o perdão da penabet brasil esporteprisão perpétua e foi mandadobet brasil esportevolta ao Reino Unido.

Matthew Hedges e a mulher, Daniela Tejada

Crédito, Daniela Tejada

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Matthew Hedges, ao lado da esposa Daniela Tejada, foi acusadobet brasil esporteser um espião britânico

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Hedges não é o único acadêmico acusadobet brasil esportese travestirbet brasil esportepesquisador para disfarçar a real intençãobet brasil esportecoletar dados estratégicos para serviçosbet brasil esporteinteligência. No casobet brasil esporteHedges, o Reino Unido nega que ele seja um agente do MI-6, o serviçobet brasil esporteinteligência britânico - mas os Emirados Árabes gravarambet brasil esportevídeo uma suposta confissão.

Segundo o relatório da Scholars at Risk, o médico e professor sueco-iraniano Ahmadreza Djalali, que pesquisa medicinabet brasil esportedesastres, foi forçado a assinar uma falsa confissão no ano passado na qual admitia crimes relacionados à segurança nacional no Irã e,bet brasil esporteseguida, condenado à morte.

Ele foi detidobet brasil esporteabrilbet brasil esporte2016 quando participavabet brasil esporteuma conferência e permanece preso na penitenciária Evin,bet brasil esporteTeerã. Em agosto deste ano, Djalali teve negado o pedidobet brasil esporteter assistência médica mesmo depoisbet brasil esportedeclarar ter problemasbet brasil esportesaúde.

O estudantebet brasil esportegraduação Xiyue Wang, da Universidadebet brasil esportePrinceton (EUA), também foi preso no Irãbet brasil esporte2016. Condenado a dez anosbet brasil esporteprisão, ele é acusadobet brasil esporteestar "infiltrado" enquanto pesquisava documentos no arquivo nacional no país. Wang tinha conseguido autorização prévia para consultar documentos produzidos nos séculos 19 e no começo do 20, mas autoridades iranianas alegam que ele estava compartilhando os papéis com entidades internacionais, entre elas o Departamentobet brasil esporteEstado dos EUA.

"Wang permanece detido na penitenciária Evin, onde foi submetido a tortura e sofrebet brasil esporteproblemasbet brasil esportesaúde", diz o relatório da Scholars at Risk.

Na mesma prisão está Hamid Babaei, um estudantebet brasil esportedoutoradobet brasil esportefinanças da universidade belgabet brasil esporteLiège. Babaei foi preso quando fazia uma viagem com a esposa ao Irã. Segundo a Scholars at Risk, ele teria se recusado a espionar colegas iranianos na Bélgica e foi detido por "agir contra a segurança nacional por comunicar com um governo hostil". Ele cumpre penabet brasil esporteseis anosbet brasil esporteprisão.

O italiano Giulio Regeni também teria sido confundido com um espião. Semanas antesbet brasil esporteaparecer morto no Egito, Regeni havia sido denunciado à polícia por Mohamed Abdallah, presidente do sindicatobet brasil esportevendedoresbet brasil esporterua. Abdallah declarou que procurou a polícia por acreditar que o pesquisador fazia espionagem.

Profissãobet brasil esporterisco

Mas,bet brasil esporteacordo com uma representante da Scholars at Risk, ser pesquisador pode ser uma profissãobet brasil esporterisco não apenasbet brasil esportepaíses da África ou do Oriente Médio. Casosbet brasil esporteviolência e ameaças, tampouco, estão restritos a regimes autoritários.

Ahmadreza Djalali

Crédito, Cortesia/Scholars at Risk

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O professor sueco-iraniano Ahmadreza Djalali foi forçado a assinar uma falsa confissão que foi usada embet brasil esportecondenação à morte

O Brasil não é citado no relatório deste ano da Scholars at Risk, mas na listabet brasil esportepaíses onde foram registrados casosbet brasil esporterestriçõesbet brasil esporteliberdade acadêmicabet brasil esporte2017 e 2018 estão, por exemplo, a Argentina, os EUA, o Japão, alémbet brasil esporteChina, Irã, Turquia e Paquistão.

"Não acho que seja possível dizer que certos tiposbet brasil esporteregimes promovem certos tiposbet brasil esporteataques. Os ataques que documentamos acontecembet brasil esportetodos os lugares,bet brasil esportepaíses autoritários ebet brasil esportedemocracias saudáveis também", afirma. "Apesarbet brasil esporteenvolverem diferentes níveisbet brasil esportegravidade, identificamos que são contínuos, todos com motivação semelhante: silenciar acadêmicos, estudantes e o espaço da educação superior".

Laurie Brand, professora da Universidade Southern California (EUA) e presidente do comitê para liberdade acadêmica da Associaçãobet brasil esporteEstudosbet brasil esporteOriente Médio, também reforça que "regimes autoritários e democraciasbet brasil esportetodos os tipos" podem representar perigo e riscos para acadêmicos.

"Regimes autoritários tendem a tratar seus nacionaisbet brasil esporteforma mais virulenta. E pode até ser quebet brasil esportedeterminados países não haja prisão ou processo sem fundamento, mas o pesquisador pode ser demitido e ter a carreira igualmente prejudicada. Temos casos assim nos EUA", avalia Brand.

O comitê presidido por Laurie Brand trabalha, principalmente, apurando denúncias e, quando comprovadas, redigindo cartas para mobilizar a comunidade acadêmica internacional, a sociedade civil e atores governamentais narrando cada caso. "Somos cientesbet brasil esporteque o impacto pode ser limitado, mas somos partebet brasil esporteintervenções maiores. Sentimos que vale a pena porque os familiares e os próprios acadêmicos sentem que não estão sozinhos", diz Brand, que não limitabet brasil esporteatuação a casosbet brasil esporteestrangeirosbet brasil esportesituaçãobet brasil esporteperigo mas também atua na tentativabet brasil esporteproteger pesquisadores ameaçados e perseguidos nos próprios países.

Avaliaçãobet brasil esporterisco prévia

Para Jannis Grimm, pesquisador do Institutobet brasil esporteEstudosbet brasil esporteMovimentos Sociaisbet brasil esporteBerlim e co-autor do projeto SAFEResearch, que avalia as condiçõesbet brasil esportesegurançabet brasil esportepesquisadores, governos tendem a mimetizar certas condutas contra os que dizem ser uma ameaça. Ele afirma que cada vez mais se olha com atenção para os vizinhos e outros regimes para reagir e, por isso, como a comunidade acadêmica age e como lida com os incidentes pode influenciar como novos casos serão conduzidos.

Xiyue Wang

Crédito, Cortesia/Scholars at Risk

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O estudante Xiyue Wang, da Universidadebet brasil esportePrinceton, nos EUA, está preso no Irã desde 2016

"Autoridades do Tajiquistão ou do Iraque devem ter olhadobet brasil esporteperto para a forma como os Emirados Árabes lideram com o casobet brasil esporteMatthew Hedges e como os egípcios conduziram o desaparecimentobet brasil esporteGiulio Regeni. Por outro lado, os Emirados Árabes poderiam ter agidobet brasil esporteoutra forma - e talvez Matthew ainda estaria preso - se não tivessem testemunhado o desastrebet brasil esportetermosbet brasil esporterelações públicas que os vizinhos sauditas enfrentaram com a mortebet brasil esporteJamal Khashoggi (o jornalista do Washington Post assassinado dentro do consulado sauditabet brasil esporteIstambul, Turquia).

Grimm diz que pesquisadores precisam ficar alertas porque estão cada vez mais expostos e suscetíveis a medidas repressivas.

"Os riscos variambet brasil esporteacordo com a capacidade dos agentesbet brasil esporterepressão. No Egito, por exemplo, é mais provável que acadêmicos sejam monitorados por um exércitobet brasil esporteinformantes baratos a serviçobet brasil esportequalquer agênciabet brasil esportesegurança. Já na China e na Rússia, o monitoramento digital se destaca como a maior ameaça a pesquisadores", avalia Grimm, que está prestes a lançarbet brasil esporteparceria com outros colegas um livro sobre segurança humana e digitalbet brasil esporteacadêmicos.

Ele diz ainda que detalhes da vida privadabet brasil esportepesquisadores, como orientação sexual, amizades, hábitos do dia a dia e sites acessados têm sido usados para ameaçar acadêmicosbet brasil esportediferentes países.

"Por isso é muito importante avaliar os riscos logo no início, antesbet brasil esporteir ao trabalhobet brasil esportecampo, com acadêmicos mais experientes", observa Grimm, salientando a necessidadebet brasil esportese avaliar previamente não apenas o objeto a ser estudado mas também o tipobet brasil esportepergunta que a pesquisa pretende responder e os métodos usados para coletar dados.

O professor brasileiro da universidade britânica King's College London, Vinicius Mariano Carvalho, diz haver "um certo 'romantismo'bet brasil esportedizer que se vai para uma pesquisabet brasil esportecampo". "Mas é fundamental lembrar-se que não se está indo para uma aventurabet brasil esportemochileiro apenas", salienta.

Hamid Babaei

Crédito, Cortesia/Scholars at Risk

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Hamid Babaei, estudantebet brasil esportedoutorado da Universidadebet brasil esporteLiège, na Bélgica, está detido na prisãobet brasil esporteXiyue Wang

Por isso, diz o professor,bet brasil esportequalquer viagembet brasil esportecampo para pesquisa ou estudo é necessário fazer uma rigorosa avaliaçãobet brasil esporteriscos, que inclua recomendações prestadas pelo serviço consular do país do pesquisador, no casobet brasil esporteestrangeiros, ebet brasil esporteautoridades e moradores locais.

Carvalho lista uma sériebet brasil esporterecomendações que considera útil tanto para estrangeiros quanto para nacionais que vão a campo fazer pesquisa:

- Em qualquer viagembet brasil esportecampo para pesquisa ou estudo, faça uma rigorosa avaliação do risco, que inclua, por exemplo, recomendações prestadas pelo serviço consular do seu país. Não se deve nunca negligenciar recomendações com relação a cuidadosbet brasil esportesaúde ebet brasil esportesegurança.

- Se não dominar a língua do local para onde se vai, tenha contatosbet brasil esportepessoas que possam servir-lhe como tradutor.

- Ouça as recomendações locais com relação a hábitos, posturas e cuidados com segurança.

- Ainda que seja tentador, não se metabet brasil esportedebates políticosbet brasil esportecontextos nos quais você não tem ideia das possíveis consequências para você e, principalmente, para as pessoas locais com as quais você estábet brasil esportecontato.

- Lembre-se quebet brasil esporteoutras culturas, você é a única coisa diferente, externa, exótica. Não deixe quebet brasil esporteprópria cultura transpareça como modelo para outros.

- O pesquisador tem que se colocar na posturabet brasil esporteaprendiz. Ouvir mil vezes mais do que falar.

- Cumpra rigorosamente as leis locais, mesmo aquelas que te pareçam absurda.

- Não questione autoridades locais sem o apoio do consulado do seu país. Na dúvida, pergunte, mas não assuma a resposta com base na experiênciabet brasil esportesua própria cultura.

"Não se deve nunca negligenciar recomendações com relação a cuidadosbet brasil esportesaúde ebet brasil esportesegurança", diz, lembrando que os cuidados a serem tomados não se limitam à segurança do próprio pesquisador mas tambémbet brasil esportepossíveis entrevistados e pessoas do local onde a pesquisa está sendo feita. "Há que ter uma enorme responsabilidade ética nesse sentido", emenda.

São Paulo

Não expor os indivíduos mas revelar o sistemabet brasil esportecorrupção, truculência e violência na Polícia Civilbet brasil esporteSão Paulo foi a maior preocupação do pesquisador Guaracy Mingardi, atualmente consultorbet brasil esportesegurança e membro do Fórum Brasileirobet brasil esporteSegurança Pública.

Mingardi é a prova que pesquisadoresbet brasil esportesituaçãobet brasil esporterisco e que recebem ameaça não é exatamente uma novidade. Nos anos 1980, quando fazia o mestrado na Unicamp, ele decidiu virar investigadorbet brasil esportepolícia para pesquisar a polícia. Passou na seleção e foi trabalhar como policial, para entender como os policiais se relacionavam com os trutas e os gansos - jargão policial da época para criminosos e informantes.

"Na época, muita gente teve medo do que eu estava fazendo. Eu não. Era a única forma e a melhorbet brasil esporteentender o que acontecia lá dentro. Vi cenasbet brasil esportetortura, como paubet brasil esportearara. Nunca batibet brasil esporteninguém, mas colocavam a gente na sala até para ver como reagiríamos", recorda.

Dois anos depoisbet brasil esportever muito e jamais revelar o real motivobet brasil esporteestar ali na delegacia, ele deixou a polícia e foi conduzir as entrevistas. Foi aí que vieram as ameaças. Foram tantas que até o enteado se acostumou a atender telefonemas nos quais a voz no outro lado da linha anunciava "você vai morrer, f.d.p...".

Mingardi foi orientado a publicar logo a pesquisa.

"Não expus ninguém individualmente, mas expus o sistema corrupto e violento e discuti a necessidadebet brasil esportereforma", afirma. "Claro, naquela época ninguém discutia ética com se discute hoje, que é muito importante", dizendo que riscos podem ser minimizados por pesquisadores mas que há situaçõesbet brasil esporteque não há como avaliar propriamente sem ser "por dentro" - e essas podem ser potencialmente perigosas a depender do objetobet brasil esporteestudo.

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