Luiz Gama: textos inéditos mostram como abolicionista denunciava violência policial no século 19:como criar aposta no sportingbet

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, O ator César Mello vive Luiz Gama no filme Doutor Gama, que estreia no dia 5como criar aposta no sportingbetagosto nos cinemas

" (...) E, aí, a virtude exaspera-se, a piedade contrai-se, a liberdade confrange-se, a indignação referve, o patriotismo arma-se, trezentos concidadãos congregam-se, ajustam-se, marcham direitos ao cárcere e aí (oh! é preciso que o mundo inteiro aplauda), à faca, a pau, à enxada, a machado, matam valentemente a quatro homens; menos ainda, a quatro negros; ou, ainda menos, a quatro escravos manietadoscomo criar aposta no sportingbetuma prisão!"

Esse texto, um dos mais conhecidos do abolicionista, faz parte das Obras Completascomo criar aposta no sportingbetLuiz Gama que serão lançadas nos próximos dias pela editora Hedra, um acontecimento importante para os estudos do abolicionismo, da escravidão e do pensamento do advogado. Serão dez volumes com 750 textos, maiscomo criar aposta no sportingbet600 deles inéditos, segundo a editora. O material, que também contém teses jurídicas, nunca tinha vindo a público depoiscomo criar aposta no sportingbetpublicadoscomo criar aposta no sportingbetjornais da época ou processos judiciais.

Os textos foram garimpados pelo historiador Bruno Rodriguescomo criar aposta no sportingbetLima, doutorandocomo criar aposta no sportingbetHistória do Direito na Universidadecomo criar aposta no sportingbetFrankfurt, na Alemanha, e pesquisador do Instituto Max Planck. Lima estuda a vida e a obracomo criar aposta no sportingbetLuiz Gama há maiscomo criar aposta no sportingbetuma década e descobriu a maioria dos artigoscomo criar aposta no sportingbetarquivos públicos espalhados por São Paulo, Riocomo criar aposta no sportingbetJaneiro e Bahia.

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, O historiador Bruno Rodriguescomo criar aposta no sportingbetLima estuda a vida e a obracomo criar aposta no sportingbetLuiz Gama há maiscomo criar aposta no sportingbetuma década

A obra vem à luzcomo criar aposta no sportingbetum momentocomo criar aposta no sportingbetcrescente interesse por Luiz Gama, um ex-escravo que se tornou tipógrafo, jornalista, donocomo criar aposta no sportingbetjornal, poeta, escrivãocomo criar aposta no sportingbetpolícia, abolicionista e advogado autodidata que, usando apenas a lei, libertou centenascomo criar aposta no sportingbetpessoas da escravidão no século 19.

Nos últimos anos, uma sériecomo criar aposta no sportingbetpublicações tem resgatado seu legado, como o livro Liçõescomo criar aposta no sportingbetresistência: artigoscomo criar aposta no sportingbetLuiz Gama na imprensacomo criar aposta no sportingbetSão Paulo e do Riocomo criar aposta no sportingbetJaneiro (Edições Sesc), lançado no ano passado e organizado pela pesquisadora Lígia Fonseca Ferreira.

Na quinta-feira (5/8), estreia o filme Doutor Gama, baseado na vida do abolicionista e dirigido pelo cineasta Jeferson De. O ator César Mello interpreta o advogado no longa.

Crônica policial

Parte dos textos inéditos revelados agora reforçam uma característicacomo criar aposta no sportingbetGama pouco conhecida do grande público: alémcomo criar aposta no sportingbetadvogado que lutava contra a escravidão nos tribunais, ele foi um dos primeiros jornalistas que se dedicaram a denunciar nos jornais a violência sofrida pela população negra do país, principalmente no Estadocomo criar aposta no sportingbetSão Paulo.

"Gama era uma espéciecomo criar aposta no sportingbetcronista da violência e da cidade", explica Bruno Lima, que escreveu milharescomo criar aposta no sportingbetnotas explicativas sobre os textos no calhamaçocomo criar aposta no sportingbet5 mil páginas das Obras Completas do advogado. "Como ele viajava bastante para atuar nos tribunais, ficava sabendocomo criar aposta no sportingbetcasos que aconteciamcomo criar aposta no sportingbetmuitas comarcascomo criar aposta no sportingbetSão Paulo. Ele usava os jornais para fazer essas denúncias, que,como criar aposta no sportingbetalguns casos, até viraram processoscomo criar aposta no sportingbetque ele mesmo atuava."

Muito antes do jornalismo policial ter importância na imprensa brasileira, Gama escreveu sobre casoscomo criar aposta no sportingbetviolência policial, espancamentos, invasãocomo criar aposta no sportingbetdomicílio e assassinatos. "Ele sempre teve como mote a denúncia da violência da escravidão, mas também a violência racista sofrida pela comunidade negra que já era livre", diz Lima.

Segundo o historiador, o caso dos quatro jovens espancados até a morte não é importante apenas como registro histórico, mas também para entender o pensamentocomo criar aposta no sportingbetGamacomo criar aposta no sportingbetrelação à escravidão.

Há uma frase atribuída ao ativista, embora ele nunca tenha escrito exatamente dessa forma: "O escravo que mata o senhor, sejacomo criar aposta no sportingbetque circunstância for, mata, sempre,como criar aposta no sportingbetlegítima defesa".

Legenda da foto, Os 'quatro Spartacus' foram espancados até a morte pela multidãocomo criar aposta no sportingbetfúria

"Esse conceito aparece muitas vezes na obracomo criar aposta no sportingbetGama. Ele acreditava que, como a escravidão era uma violência contra o direito natural e inalienável do homem, o escravizado não só podia matar o seu senhor, como tinha razão moralcomo criar aposta no sportingbetfazê-lo. Para Gama, os criminosos não eram os quatro jovens, mas o senhor que os escravizava. Então, quando mataram o senhor, eles praticaram um direito natural à legítima defesa contra essa primeira violência. Para Gama, eles eram as vítimas", explica Lima.

No texto, o jornalista diz invejar os "quatro Spartacus" envolvidos no assassinato do fidalgo. Spartacus, escravo que liderou uma revolta contra o Império Romano, é um personagem importante na trajetória do Gama, que assinou várioscomo criar aposta no sportingbetseus artigos com esse nome. Ele também escreveu sob o codinomecomo criar aposta no sportingbetJohn Brown,como criar aposta no sportingbetreferência a um abolicionista americano que liderou uma revolta armada contra a escravidão, no século 19.

Segundo Lima, a escolha dos heterônimos não foi aleatória: era uma característica do projeto abolicionista e literáriocomo criar aposta no sportingbetGama. "Ele se colocava nessa posição, não apenascomo criar aposta no sportingbetum advogado que trabalhava com as leis, mascomo criar aposta no sportingbetum escritor que radicalizava os conceitos e a prática. Uma pessoa que enxergava a resistência radical à escravidão como uma saída", diz.

Para Marcelo Ferraro, doutorcomo criar aposta no sportingbetHistória Social pela Universidadecomo criar aposta no sportingbetSão Paulo (USP), Gama foi nos últimos anos celebrado por movimentos conservadorescomo criar aposta no sportingbetcontraponto a nomes do movimento negro ligados a uma resistência guerreira, como Zumbi dos Palmares. Isso porque Gama ainda é visto como um ativista "moderado".

"Mas essa é uma visão equivocada da trajetória dele. Gama tinha um pensamento radical,como criar aposta no sportingbetenfrentamento da escravidão com uso da reação como legítima defesa. Esse texto sobre o linchamento dos jovens deixa explícita essa ideia", explica.

Segundo Ferraro, o linchamento dos "quatro Spartacus" era uma "violência nova" no Brasil do século 19: esse tipocomo criar aposta no sportingbetcrime era mais comum nos Estados Unidos.

"Nessa época,como criar aposta no sportingbet1880, esse tipocomo criar aposta no sportingbetviolência já era contestada e criticada entre as classes mais esclarecidas, que já se colocavam contra a escravidãocomo criar aposta no sportingbetalguns jornais que não pertenciam às elites escravocratas. José do Patrocínio também fazia denúncias parecidas nos jornais do Rio. Era para esse público que Gama e outros abolicionistas escreviam", diz Ferraro, que pesquisa violência e escravidão no Brasil e nos Estados Unidos.

'Não é permitido ao negro divertir-se'

Legenda da foto, O moçambicano Joaquim Antonio foi preso pela polícia ao fazer uma festacomo criar aposta no sportingbetcasa, conta Luiz Gama

Um dos textos inéditoscomo criar aposta no sportingbetLuiz Gama, revelado agora pelo historiador Bruno Rodriguescomo criar aposta no sportingbetLima, conta outra históriacomo criar aposta no sportingbetabuso policial contra a população negracomo criar aposta no sportingbetSão Paulo.

Em uma curta crônica no jornal Gazeta do Povocomo criar aposta no sportingbetjunhocomo criar aposta no sportingbet1881, Gama relatou que um moçambicano livre chamado Joaquim Antonio tinha sido autorizado pela polícia a dar uma festacomo criar aposta no sportingbetcasa. Na época, pessoas negras precisavam informar e até pagar às autoridades pelo direitocomo criar aposta no sportingbetrealizar alguma comemoração.

"O africano livre Joaquim Antonio, morador ao marco da Meia Légua, obteve do digno sr. capitão Almeida Cabral, subdelegado do distrito, licença para dar um divertimento. Já não é pouco: neste país clássico da liberdade não é permitido ao negro divertir-se, emcomo criar aposta no sportingbetcasa, sem licença da polícia!", escreveu Gama, sempre com um toque irônico ao falar do Brasil.

O texto não diz exatamente onde ocorria a festa. Mas, segundo Lima, provavelmente foi no Brás, Zona Lestecomo criar aposta no sportingbetSão Paulo, bairro à épocacomo criar aposta no sportingbetperiferia e ocupado principalmente por trabalhadores negros livres. "Os marcoscomo criar aposta no sportingbetmeia légua demarcavam a distânciacomo criar aposta no sportingbet3,3 kmcomo criar aposta no sportingbetcada ponto cardeal com a praça da Sé. Gama ecomo criar aposta no sportingbetfamília viviam nessa região. Provavelmente, ele soube do caso porque era vizinho do africano", diz o historiador.

O jornalista continua a crônica: o moçambicano Joaquim Antonio festejava com os amigos dentrocomo criar aposta no sportingbetcasa quando escutou um chamado da polícia do ladocomo criar aposta no sportingbetfora, pedindo para que ele interrompesse o encontro.

"Joaquim Antonio fechou acomo criar aposta no sportingbetporta e continuou a divertir-se, com outros seus amigos negros. A patrulha arrombou a porta, penetrou na casa (era meia noite!), saqueou-a, mediante rigorosa busca, prendeu o africano livre, que reclamara contra o ato e,como criar aposta no sportingbetseguida, arrombou mais duas casascomo criar aposta no sportingbetafricanos, sem fundamento nem razão!", relatou Gama.

Ele finaliza a crônica com um alerta às autoridades: "A pessoa que isto escreve estácomo criar aposta no sportingbettudo bem informada; e já instruiu aos pretos que,como criar aposta no sportingbetanálogas circunstâncias, repilam a agressão a ferro e à bala. O exmo. sr. dr. chefecomo criar aposta no sportingbetpolícia tem meioscomo criar aposta no sportingbetimpedir desaforos desta ordem. Sabemos, pelo seu nobre caráter, que é incapazcomo criar aposta no sportingbetautorizar tropelias tais".

Para Lima, a crônica tinha também um carátercomo criar aposta no sportingbet"petição jurídica", porque Gama endereçou o texto ao chefecomo criar aposta no sportingbetpolíciacomo criar aposta no sportingbetSão Paulo, alémcomo criar aposta no sportingbetcitar o capitão responsável pelo caso e o nome da vítima da agressão.

"Há uma estruturacomo criar aposta no sportingbetpetiçãocomo criar aposta no sportingbetdireito. Gama ainda avisa que, como advogado, instruiu as vítimas a atirar nos policiais caso ocorresse uma nova invasão ilegal. Isso é o abolicionismo negro radical, fincado na defesa armada", explica o historiador.

Crimes atuais

Crédito, WikiCommons

Legenda da foto, Luiz Gama foi figura-chave no movimento abolicionista brasileiro

Os textoscomo criar aposta no sportingbetGama sobre crimes e abusos no século 19 apontam para um problema que ainda hoje assombra a sociedade brasileira: a violência policial. No ano passado, por exemplo, 6.416 pessoas foram mortas pelas forçascomo criar aposta no sportingbetsegurança no país, segundo relatório do Fórum Brasileirocomo criar aposta no sportingbetSegurança Público. É um recorde histórico.

Desse total, 78,9% das vítimas eram negras e 76,2% tinham entre 12 e 29 anos. Das 50 mil mortes violentas registradas no Brasil no ano passado, 76,2% tiveram pessoas negras como vítimas - 54% da população brasileira é formada por negros (pretos e pardos), segundo o Instituto Brasileirocomo criar aposta no sportingbetGeografoa e Estatística.

Essa proporção desigual se repete quando os policiais são as vítimas: 62,% dos 194 policiais mortos violentamente no ano passado também eram negros.

Para Lívio Rocha, investigador da Polícia Civilcomo criar aposta no sportingbetSão Paulo e mestrecomo criar aposta no sportingbetGestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas, a violência denunciada por Luiz Gama demonstra que, já no século 19, as forçascomo criar aposta no sportingbetsegurança tinham como projeto a proteção e o cuidado da elite branca e rica,como criar aposta no sportingbetdetrimento da população pobre e negra, muitas vezes tratada com brutalidade.

"A violência estatal é uma característica da história do Brasil. Ela passa pela Monarquia, por Getúlio Vargas, pela ditadura militar e pela democracia. É um problema estrutural, que independe se o governo écomo criar aposta no sportingbetesquerda,como criar aposta no sportingbetdireita,como criar aposta no sportingbetcentro. Nunca houve interesse políticocomo criar aposta no sportingbettornar a polícia mais democrática", diz Rocha, que também é pesquisador na Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro do Fórum Brasileirocomo criar aposta no sportingbetSegurança Pública.

"A formação do policial não é crítica. Discussões sobre racismo e direitos humanos são feitascomo criar aposta no sportingbetmaneira formalista e protocolar, sem espaço para reflexão sobre a atuação do policial. Costumo perguntar para meus colegas: quantos chefes negros você já teve na polícia? São muito poucos. Os policiais negros também são os que mais morrem no trabalho, mas o próprio policial não fala sobre isso", diz Rocha, que também milita no movimento negro.

Morrer livre

Legenda da foto, O sonhocomo criar aposta no sportingbetBrandina era morrer livre, conta Luiz Gama

Luiz Gama morreucomo criar aposta no sportingbet24como criar aposta no sportingbetagostocomo criar aposta no sportingbet1882. Portanto, depoiscomo criar aposta no sportingbetdécadas militando contra a escravidão, o advogado e jornalista não viu a abolição completa que só viria pela Lei Áurea.

Pouco maiscomo criar aposta no sportingbetum ano antes, ele escreveu uma crônica, redescoberta por Lima, sobre uma escravizada que "sonhavacomo criar aposta no sportingbetmorrer livre". Para isso, ela guardou dinheiro durante a vida para comprarcomo criar aposta no sportingbetliberdade, como tinha direitocomo criar aposta no sportingbetfazer.

"Há maiscomo criar aposta no sportingbetum ano a preta Brandina, maiorcomo criar aposta no sportingbet70 anos, escrava do fazendeiro sr. Barbosa Pires, do distritocomo criar aposta no sportingbetPirassununga, requereu a alforria por meiocomo criar aposta no sportingbetretribuição pecuniária e exibiu, com acomo criar aposta no sportingbetpetição, pecúlio regularmente constituído, no valorcomo criar aposta no sportingbet200$000como criar aposta no sportingbetdinheiro", começa Gama.

Mas, dessa vez, o obstáculo para a liberdade não era só o senhorcomo criar aposta no sportingbetescravos, mas a Justiça. O fidalgo, "para evitar maus exemplos" contra seu direito patrimonial, não aceitou a libertaçãocomo criar aposta no sportingbetBrandina. O caso chegou ao tribunal. "Os juízes, que não apreciam monomania emancipadora e dão razão ao sr. Barbosa Pires, não depositaram a libertanda, deixaram-nacomo criar aposta no sportingbetpoder do senhor", conta Gama.

Mas a históriacomo criar aposta no sportingbetBrandina, impedida pela Justiçacomo criar aposta no sportingbetgozar uma morte livre, não termina aí.

"Brandina, a desgraçada velha candidata à mortalha, para evitar os rigores do cativeiro, no derradeiro quartel da vida, fugiu da casa do senhor, meteu-se pelos matos, já que não encontrou juízes humanos nas povoações, no seio das sociedades civilizadas", escreveu Luiz Gama.

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