O que é a cartilha Caminho Suave, que alfabetizou milhões e caiugalera bet rodeiodesuso, mas mantém fãs como Bolsonaro:galera bet rodeio

Presidente Jair Bolsonaro

Crédito, Marcelo Camargo/Agência Brasil

Legenda da foto, Presidente Jair Bolsonaro disse que usou a cartilha Caminho Suave emgalera bet rodeioalfabetização: 'você nunca esquece'
capa da Cartilha

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Entre a décadagalera bet rodeio50 e os anos 90, estima-se que maisgalera bet rodeio48 milhõesgalera bet rodeiobrasileiros tenham aprendido a ler seguindo as frases simples da cartilha Caminho Suave

Nas redes sociaisgalera bet rodeioBolsonaro, muitos apoiadores também manifestaram nostalgiagalera bet rodeiorelação ao método — especialmente os que têm maisgalera bet rodeio35 anosgalera bet rodeioidade. Na internet, vídeos e blogs elogiam a cartilha, tratada como relíquia e lembrada como uma forma mais tradicional e conservadoragalera bet rodeioaprendizagem da leitura que as atuais.

A ideia é simples: associa-se imagens e letras com o objetivogalera bet rodeiofacilitar o aprendizado. A letra A é escrita no corpogalera bet rodeiouma abelha, a B na barrigagalera bet rodeioum bebê, a V compõe os chifresgalera bet rodeiouma vaca. Em razão dessa estratégia, criada pela professora Branca Alvesgalera bet rodeioLimagalera bet rodeio1948, a publicação tornou-se conhecida como um métodogalera bet rodeio"alfabetização pela imagem".

O livro foi um sucesso por décadas, até cairgalera bet rodeiodesuso e perder o prestígiogalera bet rodeiomeados dos anos 1990, quando novas pesquisas da psicolinguística e sociolinguística passaram a tratar a alfabetização como um processo que deveria ensinar mais do que apenas a decifrar letras e sílabas.

Em 1996, o Ministério da Educação (MEC) excluiu a Caminho Suave do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

Página da cartilha

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Por décadas, Caminho Suave foi principal cartilhagalera bet rodeioalfabetização no Brasil, com frases simples e incentivo à memorização

Mas a Caminho Suave ainda existe: já teve 133 edições e, segundo a Edipro, que detém atualmente os direitosgalera bet rodeiopublicação, tem tiragem que varia entre 30 mil e 50 mil a cada dois anos.

"As vendas só aumentam", garante a editora Maíra Lot Micales, da editora Edipro, que conta que também aprendeu a ler com a cartilha, na infância. "Muitos avós e pais nos procuram, pois seus filhos e netos não tem tido êxito com a alfabetização atual, então buscam a cartilha como uma solução."

Mais códigos que leitura

"Caminho Suave fez enorme sucesso nos anos 1940, e continua sendo publicada, portanto, usada. Muitas gerações se alfabetizaram por ela", explica Magda Soares, professora titular emérita aposentada da Faculdadegalera bet rodeioEducação (FAE) da Universidade Federalgalera bet rodeioMinas Gerais (UFMG) e uma das principais especialistasgalera bet rodeioalfabetização do país.

Ela diz que as cartilhas funcionaram para alfabetizar muitas crianças na época, mas com o tempo tornaram-se obsoletas por focar apenas nos códigos, e nãogalera bet rodeioiniciar nas crianças uma relação com a leitura que será fundamental na vida adulta.

"O problema é que as crianças aprendiam a codificar e decodificar, e não a descobrir o mundo da literatura, dos jornais. Era como aprender uma tecnologia e não saber que uso fazer dela", explica Soares, quegalera bet rodeio2017 venceu o Prêmio Jabuti com o livro com o livro 'Alfabetização — A Questão dos Métodos".

A principal crítica é que a cartilha focagalera bet rodeioensinar a criança a decifrar códigos a partir da repetiçãogalera bet rodeiofrases sem muita relação com o cotidiano, o que é apenas uma das etapas da alfabetização. Falta treinar a criança para se familiarizar, reconhecer e gostargalera bet rodeioler todos os tiposgalera bet rodeiotexto usados socialmente, criando uma relação com a leitura.

capa do cadernogalera bet rodeioatividades

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Atualmente, na versão da editora Edipro, Caminho Suave tem outros produtos, como o cadernogalera bet rodeioatividades

"Os textos que não cumpriam uma outra função da alfabetização, que é introduzir a criança na cultura do escrito, textos como esses (a laranja égalera bet rodeioLili) não fazem parte da cultura do escrito, nem mesmogalera bet rodeiolivrosgalera bet rodeioliteratura infantil", diz Soares.

Poucas mudanças desde 1948

"Quando compramos os direitos da cartilha da autora, dona Branca Alvesgalera bet rodeioLima, nossa ideia era agalera bet rodeiomanter o método, tal qual foi idealizado, e é isto que fizemos. Nós acreditamos muito na eficiência deste método, portanto mantemos assim", diz a editora da Edipro, Maíra Lot Micales.

"Fazendo é claro, pequenas alterações, quando necessário. Por exemplo, fizemos a revisãogalera bet rodeioacordo com o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e consequentemente, incluímos as letras K, Y e W",

Micales diz que, depois que o MEC baniu a cartilha do programagalera bet rodeiolivros didáticos, houve uma espéciegalera bet rodeio"caça às bruxas", que considerava o método muito ultrapassado.

"O ponto é que depoisgalera bet rodeiouns dez anos o pessoal começou a pedir a cartilhagalera bet rodeiovolta", diz a editora. "No começo havia professores que pediam a cartilha escondido, diziam que não podiam nem saber na escola que eles estavam usando", conta. "Ainda hoje, muitos usam como métodogalera bet rodeioreforço."

Na versão atual, alémgalera bet rodeiocartilha, a Caminho Suave tem baralho, livrogalera bet rodeiotabuada e literatura infantilgalera bet rodeiobolso.

'Guerra'galera bet rodeiométodos

Os métodosgalera bet rodeioleitura dividem-segalera bet rodeiodois grandes grupos: os sintéticos, que começam ensinando a decifrar das estruturas pequenas para as grandes (primeiro as letras, depois as sílabas, e a partir daí juntá-lasgalera bet rodeiopalavras); e os analíticos, que partem da leitura da palavra e das frases, para depois dividi-lasgalera bet rodeiosílabas e letras.

Na Caminho Suave, a autora Branca Alvesgalera bet rodeioLima juntou princípios do método sintético com o analítico que estava surgindo na épocagalera bet rodeioque escreveu agalera bet rodeiocartilha.

"Havia sempre uma frase que introduzia a palavra e a família silábica. A formação das palavras partia sempre da família estudada, apresentando vocabulário pobre e muito controlado, pois trabalhava as famílias simples (consoante e vogal) e depois as famílias complexas (ch, nh, tr etc.)", afirma a pesquisadora Marlene Coelho Alexandroff,galera bet rodeioartigo.

A partir da décadagalera bet rodeio1980, essas ideias e metodologias passaram a ser questionadas,galera bet rodeiofunção da crescente demandagalera bet rodeiocrianças com problemas na alfabetização.

Página da cartilha

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, Críticas apontam que frases limitadas não estimulam a criança a criar relação com a leitura

Anna Helena Altenfelder, doutoragalera bet rodeiopsicologia da educação e presidente do Conselhogalera bet rodeioAdministração do Centrogalera bet rodeioEstudos e Pesquisasgalera bet rodeioEducação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), explica que estudos que surgiram no final da décadagalera bet rodeio80, a partir das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita, da psicóloga argentina Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, causaram uma "revolução" no que se sabia sobre ensinar a ler.

Surge o construtivismo e, a partir dali, a ciência passou a encarar o aluno como centro do processogalera bet rodeioaprendizagem e o professor como mediador entre o aluno e o objetogalera bet rodeioconhecimento.

"Antigamente se acreditava que, uma vez que a criança dominava do código, ela automaticamente lia e escrevia todos os gênerosgalera bet rodeiotexto que circulam na sociedade: contosgalera bet rodeiofada, poemas, regrasgalera bet rodeiojogo, receitasgalera bet rodeiobolo, textos científicos."

Hoje, diz ela, os estudos mostram que também é necessário um aprendizado mais complexo. "Dependendo da quantidade e da qualidade das experiências que ela (a criança) tem antesgalera bet rodeiochegar à escola, tudo isso vai dando conhecimento dos usos e das funções sociais da escrita. A mãe fazendo a lista da compras. O pai comentando com a mãe a notícia do jornal, a mãe lendo um livro..."

Restrição prejudicial aos mais pobres

Nessa nova visão, diminuiu o "poder" atribuído aos livros didáticos, aumentando o protagonismo e responsabilidade do professor. "Não se trata maisgalera bet rodeiose pensar num novo método, masgalera bet rodeiouma 'revolução conceitual', relacionada ao desenvolvimento cognitivo da criança, que redimensionou a graduação das dificuldades, 'desmetodizou' o processogalera bet rodeioalfabetização e questionou o usogalera bet rodeiocartilhas", afirma Alexandroff.

"O presidente Bolsonaro foi alfabetizado pela Caminho Suave e deu certo. Eu fui alfabetizada pelo método Montessori e deu certo. Não é questãogalera bet rodeiométodo. Um bom professor que se apropria do método que domina melhor consegue alfabetizar as crianças", diz Altenfelder, que defende que o caminho para melhorar a alfabetização — os dados da Avaliação Nacionalgalera bet rodeioAlfabetização (ANA)galera bet rodeio2016 apontam que mais da metade dos alunos do 3º ano do ensino fundamental alcançam nível insuficientegalera bet rodeioprovasgalera bet rodeioleitura — é fortalecer, qualificar e valorizar o professor.

"O que os casos bem sucedidosgalera bet rodeioalfabetização no Brasil têmgalera bet rodeiocomum, como o da cidadegalera bet rodeioSobral (CE), é uma políticagalera bet rodeiomuito apoio aos professores e monitoramento. Olhar e acompanhar os objetivosgalera bet rodeioaprendizagem, para que o professor tenha claro onde quer chegar a cada semana e dar apoio a quem não chegar", diz.

"Tem muito a ver com a formação dos professores, tanto a inicial quanto a continuada; os professores não aprendem a alfabetizar nos cursosgalera bet rodeiopedagogia."

A exposição restrita da criança ao mundo da leitura apresentado pela Caminho Suave, na visão dos especialistas, é ainda mais prejudicial para as famílias mais vulneráveis, para quem a escola é o único momento do diagalera bet rodeiocontato com a cultura da linguagem escrita. Nas famíliasgalera bet rodeiorenda e escolaridades mais altas, a restrição pode ser compensada pelo contato com jornais, livros, internet, receitas e outros tiposgalera bet rodeiomaterial escrito.

Criança indo pra escola

Crédito, Marcelo Camargo/Agência Brasil

Legenda da foto, Experiência da criançagalera bet rodeiocasa já influencia relação com a leitura antes mesmogalera bet rodeioir para a escola, dizem educadores

Para o Brasil dos anos 1950

A alfabetização no modelo da Caminho Suave era voltada a resolver um problemagalera bet rodeioum Brasil majoritariamente rural e analfabeto: a dificuldadegalera bet rodeioensinar as crianças a unirem letrasgalera bet rodeiosílabas, as sílabasgalera bet rodeiopalavras e, assim, aprenderem a ler.

De acordo com dados do Censogalera bet rodeio1950, 57,2% da população brasileira era analfabeta naquele ano. No Brasil,galera bet rodeio2018, havia 11,3 milhõesgalera bet rodeiopessoas com 15 anos ou maisgalera bet rodeioidade analfabetas, o equivalente a uma taxagalera bet rodeioanalfabetismogalera bet rodeio6,8%.

Durante boa parte do século 19, o Brasil, assim como outros países latino-americanos, esteve entre aqueles com os piores indicadores educacionais do mundo.

Para se ter ideia do enorme atraso educacional, foi somente na décadagalera bet rodeio1990 que a médiagalera bet rodeioanosgalera bet rodeioestudo do Brasil chegou ao nível observado nos Estados Unidos no início do século 20; e somentegalera bet rodeio2010 a proporçãogalera bet rodeioindivíduos com ensino médio no Brasil se igualou à que já era observada nos Estados Unidos na décadagalera bet rodeio40, afirma artigo assinado pelo economista Naercio Menezes Filho, do Insper, sobre a história da educação e as origens da desigualdade regional no Brasil.

Além disso, o Brasil ainda era um paísgalera bet rodeiopopulação predominantemente rural até 1960; a população urbana eragalera bet rodeio31,2 %,galera bet rodeio1940, tornando-se maioria, 67,6%, somentegalera bet rodeio1980. Não existia a internet, e as exigências do mercadogalera bet rodeiotrabalho eram bem diferentes das atuais.

"Era uma épocagalera bet rodeioque a escola era para muito poucos. E como era um país muito analfabeto, a pessoa que escrevia uma palavra e lia textos muito simples era considerada alfabetizada", diz Anna Helena Altenfelder. Hoje,galera bet rodeioum mundogalera bet rodeioque terão que participargalera bet rodeioum mercadogalera bet rodeiotrabalho tecnológico, que exige cada vez mais criatividade e habilidades emocionais, a cartilha parece insuficiente.

"Fazia sentido para o Brasil da época, para a psicologia da educação da época,galera bet rodeioque a escolaridade média do brasileiro eragalera bet rodeiodois anosgalera bet rodeioestudo. Para a sociedade da época que pensava na formaçãogalera bet rodeioum cidadão sem as exigências do mundo atual,galera bet rodeiocriatividade, autonomia, resoluçãogalera bet rodeioproblemas."

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