Antes da abolição, intelectuais faziam 'vaquinha' para libertar escravos:bets palpites hoje

Imagem mostra dois adultos e uma criança, ex-escravos, fotografadosbets palpites hojeestúdio localizadobets palpites hojePorto Alegre, no final do século XIX. Crédito: Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo/Irmãos Ferrari

Crédito, Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo

Legenda da foto, Ex-escravos fotografadosbets palpites hojeestúdio, no final do século XIX,bets palpites hojePorto Alegre: Luta pela liberdade começou muito antes da abolição
Vista do Teatro São Pedro,bets palpites hojePorto Alegre,bets palpites hoje1881. Crédito: Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo/Coleção Eva Schmid, Autor Deconhecido

Crédito, Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo

Legenda da foto, Vista do Teatro São Pedro,bets palpites hojePorto Alegre,bets palpites hoje1881; no local, apresentação libertou 21 crianças escravas

Mas não só no Rio Grande do Sul atividadesbets palpites hojelibertaçãobets palpites hojeescravos ocorreram no período. Por todo o Brasil,bets palpites hoje1868 a 1888, há registrosbets palpites hojegrupos mobilizados pela causa abolicionista. No Riobets palpites hojeJaneiro, São Paulo, Ceará, Pernambuco e Espírito Santo, por exemplo, as cartasbets palpites hojealforrias também eram entreguesbets palpites hojeapresentações culturais com direito a registro na imprensa.

Em 10bets palpites hojeagostobets palpites hoje1886, Nadina Bulicioff, uma cantora russa, apresentou a opera Aida,bets palpites hojeVerdi, no Teatro Lírico do Riobets palpites hojeJaneiro. Ao final, "arrebentou suas algemas cenográficas e, diante do público, quebets palpites hojepé afitava lenços, entregou-lhes (a seis escravas) cartasbets palpites hojeliberdade", conta a pesquisadora Angela Alonso, no livro Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (Cia das Letras, 2015). A apresentação carioca foi organizada pelos abolicionistas André Rebouças, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco.

Quanto ao grupo gaúcho Partenon Literário,bets palpites hojebandeira ia além das letras.

"O Partenon não foi uma sociedade meramente literária, masbets palpites hojeordem cultural e com viés político. A maioria dos partenonistas tinha dois ideais. Eles defendiam sobretudo a República, sendo contrários à Monarquia vigente, e eram abolicionistas", explicou Maria Eunice Moreira, professora da Faculdadebets palpites hojeLetras da PUCRS à BBC News Brasil.

Juntamente com os pesquisadores Alice Campos Moreira e Mauro Nicola Póvoas, a professora escreveu um estudo que servirábets palpites hojeapresentação a todo o acervo digitalizado da "Revista Mensal da Sociedade Partenon Literário". A revista, publicada entre 1869 e 1879, poderá ser acessada pela internet a partirbets palpites hojeoutubro (o site ainda não divulgado). No periódico também eram publicados textos contra a escravidão, como o registrobets palpites hojeCaldre Fião sobre o teatro apresentado no São Pedro.

Imagem mostra três homens, ex-escravos, com cestos equilibrados na cabeça. Eles trabalhavam como vendedores ambulantesbets palpites hojePorto Alegre, no final do século 19. Crédito: Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo/Autor Desconhecido

Crédito, Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo

Legenda da foto, Ex-escravos que trabalhavam como vendedores ambulantesbets palpites hojePorto Alegre, no final do século 19

Atualmente, quem deseja pesquisar todas as 71 edições precisa alternar visitas a diferentes acervos, entre eles o da coleção especial da biblioteca da PUCRS, onde esteve a reportagem.

As revistas eram diminutas para o padrão atual, com menosbets palpites hojevinte centímetrosbets palpites hojelargura e altura, com somente a capabets palpites hojepapel colorido e raras ilustrações, como nos casosbets palpites hojetextos sobre figuras históricas.

'Ultraje'

A peça teatralbets palpites hoje1869 foi considerada um ultraje por quem defendia a escravidão. Vale lembrar que, no Brasil, a abolição ocorreu 19 anos depois do espetáculo,bets palpites hoje13bets palpites hojemaiobets palpites hoje1888. A Lei do Ventre Livre, que daria liberdade às crianças, também foi posterior à montagem teatral, assinadabets palpites hoje1871. A Lei dos Sexagenários, que libertou os escravos idosos, foi firmadabets palpites hoje1885.

No Rio Grande do Sul, a escravidão foi abolidabets palpites hoje1884, resultado da pressãobets palpites hojediversos grupos, como o Centro Abolicionista e o Partenon Literário.

O livro que contém a ata original da sessão na Câmarabets palpites hojeVereadores da capital gaúcha que acabou com a escravidão no Estado está preservado no Arquivo Históricobets palpites hojePorto Alegre Moysés Vellinho, da prefeitura.

Imagem mostra três homens negrosbets palpites hojepé e dois sentados. São ex-escravos fotografadosbets palpites hojeum estúdiobets palpites hojePorto Alegre no final do século XIX. Crédito: Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo/Irmãos Ferrari

Crédito, Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo

Legenda da foto, Ex-escravos fotografadosbets palpites hojeestúdio, no final do século 19,bets palpites hojePorto Alegre

Barreiras

Os integrantes do Partenon Literário não organizaram o espetáculo sem encontrar barreiras. Pelo contrário. Se conseguiram libertar as 21 criançasbets palpites hoje19bets palpites hojesetembro foi por que foram impedidos na data originalmente planejada - 7bets palpites hojesetembro, Dia da Independência do Brasil, declaradabets palpites hoje1822.

"Alguns senhores mal-intencionados especularam. Riu-se com estúpido desdém, e a situação pressentiu um golpe certeiro que lhe dirigíamos. Daí os óbices, as dificuldades com que o Partenon teve que lutar e que retardaram a festa da santa liberdade até o dia 19", relembrou Caldre Fião. A passagem também está registrada no livro História da Academia Rio-Grandensebets palpites hojeLetras (1901-2016) e Parthenon Litterario (1868-1885) (Metamorfose, 2016),bets palpites hojeJosé Carlos Laitano.

Segundo a historiadora Marília Conforto, autorabets palpites hojeEscravobets palpites hojePapel (Educs, 2012) e Faces da Personagem Escrava (Educs, 2001), muitos dos escravos que chegavam ao Rio Grande do Sul vinham pela rota do comércio interno, já que o tráfico internacional era proibido desde 1850. O tráfico passou a ser ilegal por pressão da Inglaterra, que chegou a apreender navios negreiros. Com o desenvolvimento do capitalismo inglês e da consequente industrialização, novos mercados consumidores eram necessários para o comércio dos produtos da Inglaterra.

"Escravo não tinha salário e não consumia", resumiu criticamente a pesquisadora durante a entrevista.

Imagem mostra mulher identificada como escravabets palpites hojeMartin Gestum,bets palpites hoje1880,bets palpites hojePorto Alegre. Crédito: Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo/Baldwin Röhrig

Crédito, Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo

Legenda da foto, Mulher identificada como escravabets palpites hojeMartin Gestum,bets palpites hoje1880,bets palpites hojePorto Alegre

'Purgatório dos negros'?

Conforme Conforto, ser vendido com destino ao Rio Grande do Sul era um novo castigo aos escravizados. "Se criou a ideiabets palpites hojeque o Estado era o 'purgatório dos negros'. O negro que se rebelava era o primeiro a ser vendido e mandado para o Rio Grande do Sul. No inverno, as temperaturas eram gélidas, muitas vezes abaixobets palpites hojezero. Se não ficavam no espaço urbano, comobets palpites hojePorto Alegre, eram mandados para o campo. Lá, trabalhavam nas charqueadas, que exigia manejobets palpites hojefacas afiadas. Eles tinham que matar os bois a pauladas, tirar o couro, cortar, colocar o sal nas chamadas 'mantas'bets palpites hojecarne, algo muito bruto", explica a pesquisadora.

Alémbets palpites hojeCaldre Fião, outro líder do Partenon que teve forte atuação abolicionista foi o professor Apolinário Porto Alegre. O primeiro estudou Medicina no Riobets palpites hojeJaneiro, o segundo, estudou direitobets palpites hojeSão Paulo. Segundo Conforto, "estudar fora" influenciava os intelectuais que depois retornavam ao Estado trazendo novas ideias influenciados pelos ideais do positivismo europeu, entre eles a liberdade, por exemplo.

Apolinário publicou na revista do Partenon diversas peçasbets palpites hojeteatro e textos abolicionistas. Uma peça,bets palpites hojeespecial, foi a mais polêmica e chegou a ser proibida pela polícia. Os Filhos da Desgraça contava a históriabets palpites hojeamor entre uma senhora e um escravo (o contrário era mais aceito no Brasil colonial). "Com tal temática, Apolinário não poderia colocar a açãobets palpites hojePorto Alegre, porque provocaria a revoltabets palpites hojemuitos chefesbets palpites hojefamília", explicou o historiador Moacyr Flores,bets palpites hojeartigobets palpites hoje1978, sobre a obra do autor.

Como a ideiabets palpites hoje"proximidade" chocava demais os "chefesbets palpites hojefamília", o escritor optou por situar a tramabets palpites hojeSalvador. "O drama está inserido na filosofia dos abolicionistas que por princípios éticos, além dos econômicos, não admitem a escravidão", acrescentou Flores sobre a peça.

Apolinário também liderou o projetobets palpites hojeaulas gratuitas noturnas para os pobres e libertos, explica a professora Maria Eunice Moreira, da PUCRS. Aindabets palpites hojeacordo com ela, enquanto ficcionistas, o tema da liberdade interessava os partenonistasbets palpites hojemaneira abrangente, incluindo figura do gaúcho cavalgando livre pelos campos, o mítico "centauro dos pampas", que surge na literatura regionalista do período influenciada pelo Partenon.

Imagem mostra a Rua dos Andradas,bets palpites hojePorto Alegre, na décadabets palpites hoje1860; nesta rua,bets palpites hoje1884, os abolicionistas batiambets palpites hojeportabets palpites hojeporta pedindo que os senhores libertassem seus escravos. Crédito: Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo/ Luiz Terragno

Crédito, Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo/

Legenda da foto, Rua dos Andradas,bets palpites hojePorto Alegre, na décadabets palpites hoje1860; nesta rua,bets palpites hoje1884, os abolicionistas fizeram uma campanha, batendobets palpites hojeportabets palpites hojeporta, para que os senhores libertassem seus escravos

Campanha pela liberdade

No mesmo anobets palpites hojeque a escravidão foi abolida no Rio Grande do Sul,bets palpites hoje1884, 15 anos depois da alforria das crianças no teatro, o Partenon Literário fez uma nova campanhabets palpites hojelibertação. Os integrantes batiambets palpites hojeportabets palpites hojeporta das casas da região central, especialmente na Rua das Andradas, pedindo a liberdade dos escravos. Com dinheiro arrecadadobets palpites hojeações, compravam alforrias. Os libertos foram reunidos no local que hoje é conhecido como Parque da Redenção, oficialmente chamadobets palpites hojeParque Farroupilha. Próximo dali, montavam barracos na chamada "Colônia Africana".

Com tamanha movimentação abolicionista, no início do ano seguinte,bets palpites hojejaneirobets palpites hoje1885, a Princesa Isabel, que assinou a Lei Áureabets palpites hoje1888, visitou Porto Alegre. A princesa chegou a lançar a pedra fundamental da construção da sede do Partenon, com projeto inspirado no templobets palpites hojeAtenas, o que não se concretizou.

Se não há registro fotográfico da visitabets palpites hojeIsabel ou do espetáculobets palpites hoje19bets palpites hojesetembrobets palpites hoje1869, o Museu Municipalbets palpites hojePorto Alegre Joaquim José Felizardo guarda um verdadeiro tesourobets palpites hojeformabets palpites hojeretratos. São diversos registros fotográficos, algunsbets palpites hoje1868,bets palpites hojeescravos e ex-escravos,bets palpites hojePorto Alegre. Quase nenhum dos retratados, porém, está identificado.

Uma das fotografias encontrada pela reportagem, do final do século 19, mostra dois ex-escravos: são duas crianças, uma aparentemente com três anos e outra por voltabets palpites hojedez anos. Elas estãobets palpites hojepés descalços, vestidas, seguram ramalhetesbets palpites hojeflores e olham para a câmerabets palpites hojeVirgílio Calegari, um fotógrafo italiano que instalou um estúdio na capital gaúcha. Calegari fotografou outros escravos e ex-escravos no seu estúdio, mas era conhecido por fotografar também a alta sociedade porto-alegrense. Alémbets palpites hojeCalegari, os Irmãos Ferrari também fotografaram escravos libertos no seu estúdio montado na rua Voluntários da Pátria.

Imagem mostra duas crianças alforriadas. Elas estãobets palpites hojepés descalços e vestidas, segurando ramalhetesbets palpites hojeflores e olhando para a câmerabets palpites hojeVirgílio Calegari, um fotógrafo italiano que instalou um estúdio na capital gaúcha. Crédito: Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo/Virgílio Calegari

Crédito, Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo

Legenda da foto, Crianças alforriadas no final do século XIX,bets palpites hojefotobets palpites hojeestúdio,bets palpites hojePorto Alegre

Porém, as imagens encontradasbets palpites hojeex-escravos forabets palpites hojeestúdio foram feitas por um fotógrafo amador, que assinava sob o psudônimobets palpites hojeLunara (das iniciaisbets palpites hojeLuiz do Nascimento Ramos). Lunara era um comerciante que revelava as fotosbets palpites hojecasa. Mesmo amador, chegou a vencer diversos concursos.

Ele registrou cenas bucólicas da capital gaúcha na virada do século. Em 1900, Lunara fotografou um casalbets palpites hojenegros libertos,bets palpites hojefrente ao seu barraco. A foto está catalogada como "Deixa disso, nhô João".

"Os abolicionistas não-negros, os abolicionistas brancos, tinham uma visão ligada ao Iluminismo,bets palpites hojehumanização. O que dava a possibilidadebets palpites hojeuma pessoa negra ser escravizada erabets palpites hojenão-humanização. Até 1850, o código comercial colocava os negros como 'semovente', categoriabets palpites hojecoisas que se movem. Estão nessa categoria ate hoje, por óbvio, cavalos, cachorros da polícia militar. Então, a discussão dos abolicionistas erabets palpites hojeque negros não eram coisas, mas pessoas", afirma o especialistabets palpites hojedireito público Gleidison Renato Martins, da coordenação nacional do Movimento Negro Unificado.

Martins aponta o paradoxobets palpites hojea própria "era da razão" ter dado origem a artigos e experiências que tentavam provar a inferioridade dos negros e apontavam os brancos como "raça superior" o que, se sabe, é falso. "Não basta apenas colocar as pessoas nessa outra estrutura sem mudar o pensamento racista e processosbets palpites hojediscriminação", conclui.

Imagem mostra casalbets palpites hojeex-escravos sentadobets palpites hojefrente a barraco,bets palpites hojemãos dadas,bets palpites hojePorto Alegre, no anobets palpites hoje1900. Crédito: Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo/Lunara

Crédito, Acervo do Museubets palpites hojePorto Alegre Joaquim Felizardo

Legenda da foto, Casalbets palpites hojeex-escravosbets palpites hojemãos dadasbets palpites hojefrente ao seu barraco,bets palpites hojePorto Alegre,bets palpites hoje1900