'É uma ofensa à ciência', diz médico especialistablaze cpmdrogas intimado a depor por 'apologia ao crime':blaze cpm

Elisaldo Carlini
Legenda da foto, Cientista dedica-se há maisblaze cpmseis décadas a estudar efeito das drogas e,blaze cpmespecial, o uso medicinal da maconha | Foto: Unifesp

Em um dos painéis, sobre religião, Carlini gostariablaze cpmter contado com a presençablaze cpmRas Geraldinho, como é conhecido Geraldo Antonio Baptista, criador da primeira igreja rastafári do país, que usa a maconhablaze cpmrituaisblaze cpmmeditação.

Cartaz do simpósio organizado por Carlini
Legenda da foto, Convite para participaçãoblaze cpmsimpósio foi a origem do inquérito atual

Baptista está preso desde 2013, condenado a 14 anosblaze cpmreclusão por tráficoblaze cpmdrogas, após a apreensãoblaze cpm37 pés da planta na sedeblaze cpmsua igreja,blaze cpmuma chácara no interiorblaze cpmSão Paulo. Carlini e seus colegas pediram, então, à Justiça que ele fosse autorizado a deixar a prisão temporariamente para participar do simpósio, o que foi negado.

Os cientistas seguiram com a organização do evento sem a participaçãoblaze cpmBaptista, mas o episódio não terminou ali.

Indignação e revolta

A promotora Rosemary Azevedo Porcelli da Silva, do Ministério Público Estadualblaze cpmSão Paulo (MPE-SP)blaze cpmCampinas, que analisou o convite dos cientistas a Geraldinho, disse que o pedido lhe gerou "indignação" e que havia nele "fortes indíciosblaze cpmapologia ao crime", como escreveu no documento que encaminhou a um promotor da capital soliticando que fossem tomadas as "providências cabíveis".

Documentos do casoblaze cpmCarlini
Legenda da foto, Promotora disse que pedido feito por Carlini e colegas tinha 'fortes indíciosblaze cpmapologia ao crime' | Foto: Reprodução

O resultado foi a convocaçãoblaze cpmCarlini para depor no 16º DP, na zona sulblaze cpmSão Paulo - e o que ele fez, na última quarta-feira. Diante da escrivã, ao longoblaze cpmuma hora, ele confirmou que havia feito o convite a Baptista, explicou as razões disso e o que era o simpósio e faloublaze cpmsua carreira e do trabalho que desenvolve. Em nenhum momento lhe foi esclarecido qual seria seu crime.

"Sempre fui contra a condenação da maconha como uma droga perigosa. Ela é cada vez mais reconhecida como um bom medicamento e tem efeitos positivos amplamente descritos pela comunidade científica mundial, principalmenteblaze cpmcasosblaze cpmesclerose múltipla e epilepsia. Tenho que falar sobre o que eu acredito. Mas nunca falei uma palavra a favor ou contra o uso recreativo", diz e conclui: "Qual foi meu crime? Posso ir para a cadeia por causa disso".

Organizador do evento desde 1995, é a primeira vez que algo do tipo lhe acontece. "Fui condecorado duas vezes pela Presidência. Minhas pesquisas já foram citadas maisblaze cpm12 mil vezes por pesquisadoresblaze cpmtodo o mundo. Coordeno um centroblaze cpmpesquisa na área na Unifesp. Tudo sempre com um aspecto eminentemente científico", diz Carlini.

"Senti uma revolta imensa, porque sempre pude falar dos efeitos positivos da maconha e nunca tive problemas. Isso é uma ofensa para a ciência brasileira."

'Violação da liberdadeblaze cpminvestigação científica'

O cientista Renato Filev acompanhou Carlini à delegacia, porque, como secretário-geral do simpósio, também foi intimado a depor. Ele conta que os dois foram bem tratados.

"O clima foi bastante cordial. Eles viam que o professor é alguém bem diferente das figuras que passam rotineiramente por ali, mas pediam desculpas porque tinham o deverblaze cpmcumprir uma determinação do MPE", diz Filev. "Mas,blaze cpmqualquer forma, é algo desgastante, que nos deixou apreensivos e com uma grande expectativa."

O advogado Cristiano Maronna, presidente do Instituto Brasileiroblaze cpmCiências Criminais e representanteblaze cpmCarlini no caso, defende que a abertura do inquérito foi indevida.

Maconha medicinal

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Carlini advoga pelo uso medicinal da maconha, algo que já é realidadeblaze cpmoutros países

"Há outras formasblaze cpmuma promotora curar ou atenuarblaze cpmindignação que não seja usando mal um instrumento sério que só deve ser aplicado quando há indício concretoblaze cpmcrime", afirma Maronna.

"Essa medida éblaze cpmuma ilegalidade flagrante, uma violação da liberdadeblaze cpminvestigação científica, algo garantido pela Constituição. Estamos vivendo um estado policialescoblaze cpmque há a ideiablaze cpmtudo é possível para combater o crime, um estadoblaze cpmexceçãoblaze cpmque direitos e garantias foram colocadosblaze cpmcoma induzido."

Professores e técnicos administrativosblaze cpmeducação do Departamentoblaze cpmMedicina Preventiva da Escola Paulistablaze cpmMedicina - EPM - Unifesp divulgaram uma notablaze cpmapoio a Carliniblaze cpmque se dizem "surpreendidos e indignados com a intimação".

"Nosso professor é reconhecido nacional e internacionalmente por suas pesquisas na áreablaze cpmdrogas psicotrópicas eblaze cpmplantas medicinais. Sua atuação ético-político-acadêmica na universidade sempre esteve pautadablaze cpmuma ação cidadã,blaze cpmluta pela democracia, pela liberdadeblaze cpmpensamento e pela justiça e solidariedade social. Não podemos aceitar qualquer formablaze cpmconstrangimento à liberdade e à autonomia necessária para a realização do trabalho acadêmico-científico."

'Temos que mudar a lei'

Consultada, a assessoriablaze cpmimprensa do MPblaze cpmSão Paulo afirmou que todas as manifestações da promotora sobre o assunto foram feitas no documentoblaze cpmque pediu "providências"blaze cpmrelação ao caso.

Carlini defende que seus defendores não dirijam críticas à promotora ou aos policiais que atuaram no caso, mas à atual legislação contra drogas. "Quem fez a acusação ou a denúncia não tem culpa. Isso não importa. Sempre há quem deseje seguir estritamente a lei", diz.

"Enquanto vários países vêm avançando neste tema, o Brasil ainda está na Idade Média. Temos que brigar para atualizar a lei, que é injusta e cruel, principalmente com jovens negros e pobres que são presos e mandados para uma sucursal do inferno.", afirmoublaze cpmreferência à atual políticablaze cpmencarceramento brasileira.

O pesquisador diz não estar preocupado com o inquérito. Só o incomoda que isso vai tomar um tempo precioso que ele preferiria estar dedicando à ciência e ao tratamentoblaze cpmum câncer na bexiga, já operado, e a outro tumor na próstata, que ele vem combatendo com medicamentos.

"Meu câncer é bonzinho comigo, não sinto dor. O corpo se cansa fácil, mas a cabeça ainda está boa. Trabalho o dia inteiro e só descanso à noite. Essa é a maneira que tenhoblaze cpmcontinuar a viver", diz ele. "Quero aproveitar ao máximo os dias que ainda tenho."