'Trem do Céu': a ferrovia mais elevada do planeta, chamada1xbetbrasil'milagre' da engenharia:1xbetbrasil

Quando algo aparecia ao longe na visão, era invariavelmente um esqueleto: a carcaça1xbetbrasilum iaque comido pelos predadores ou instalações militares do tempo1xbetbrasilMao Tsé-Tung (1893-1976), que parecem ruínas1xbetbrasilguerra.

As próprias bandeiras1xbetbrasilprece tibetanas foram arrancadas e panos1xbetbrasilalgodão foram fixados às rochas, simbolizando a rendição dos homens.

Meu pensamento se dirigia aos antigos aventureiros1xbetbrasiloutros países, que foram os primeiros a tentar chegar a Lhasa, a Cidade Proibida original.

Um deles foi o excêntrico inglês Thomas Manning (1772-1840). "Perseguido pela ideia da China", ele viajou1xbetbrasilnavio1xbetbrasilGuangzhou (também chamada1xbetbrasilCantão, no sul da China) até Calcutá, na Índia, no início1xbetbrasil1811.

Dali, na companhia1xbetbrasilum católico chinês1xbetbrasilnome Zhao, ele cruzou a fronteira entre o Butão e o Tibet sem dificuldades. E, depois1xbetbrasilmeses1xbetbrasiluma árdua viagem, ele se tornou o primeiro inglês a pôr os pés na capital sagrada do Tibet.

Para Manning, Lhasa parecia uma cidade pobre e suja. Mesmo assim, ele conseguiu uma audiência com o 9º Dalai Lama, na época com seis anos1xbetbrasilidade (o Dalai Lama atual, Tenzin Gyatso, é o 14º).

Mais tarde, Manning foi preso pelo amban – a autoridade que governava o Tibet1xbetbrasilnome do governo chinês. O inglês permaneceu prisioneiro até que o imperador Jiaqing ordenou que ele fosse acorrentado, escoltado até a fronteira e deportado.

Nas décadas que se seguiram, o litoral da China foi invadido por agressivos comerciantes estrangeiros, com guerras marítimas e tratados unilaterais.

Mas diversos tipos1xbetbrasilaventureiros – cartógrafos, montanhistas, missionários, garimpeiros e escritores1xbetbrasilviagem – ainda sonhavam1xbetbrasilse infiltrar na mística fortaleza no "teto do mundo".

Eles chegavam1xbetbrasiltodas as direções. Suas motivações eram diferentes, mas as adversidades eram sempre as mesmas. Lobos, terremotos e a varíola assombravam um país que continuava literalmente fora do mapa.

O Tibet era habitado por reis que eram deuses, monges despóticos, guardas1xbetbrasilfronteira intransigentes e bandidos armados.

Muitas pessoas morreram nas tentativas1xbetbrasilchegar a Lhasa após a viagem1xbetbrasilManning.

O Império Britânico acabaria trazendo a capital tibetana para o cenário mundial, ao ordenar que a Comissão da Fronteira com o Tibet atravessasse os limites da Índia (que fazia parte do império, na época) para solucionar questões comerciais existentes entre o Reino Unido e o Tibet.

A Comissão era uma unidade militar liderada pelo oficial Francis Younghusband (1863-1942). Nascido na Índia, ele tinha um objetivo vago a cumprir: atingir a "satisfação" para o império.

Younghusband atingiu essa satisfação com a Batalha (ou o massacre, segundo alguns)1xbetbrasilGuru.

Os tibetanos se lançaram1xbetbrasilsua obscura fortaleza, armados com mosquetes envelhecidos e imagens do Dalai Lama, que eles acreditavam que os protegeriam. Eles não eram páreo para as espingardas inglesas Enfield e metralhadoras Maxim, que conseguiam disparar centenas1xbetbrasilbalas por minuto.

Suas fileiras foram brutalmente abatidas depois que, acidentalmente, um atirador deu início ao ataque britânico, ao disparar1xbetbrasilarma. E os sobreviventes simplesmente fugiram, incapazes1xbetbrasilcompreender o que haviam acabado1xbetbrasilpresenciar.

É preciso dar aos soldados britânicos o crédito1xbetbrasilterem resgatado os tibetanos abatidos.

Em seguida, eles avançaram para Lhasa,1xbetbrasilmeio a diversos conflitos pelo caminho. Um deles foi a batalha da Passagem1xbetbrasilKaro La, considerada o combate travado à maior altitude da história.

Assim, os britânicos acabaram chegando à Cidade Sagrada. O Dalai Lama havia se refugiado na Mongólia, mas eles conseguiram o que queriam: um novo tratado com o Tibet, que foi assinado1xbetbrasil1904.

Os chineses e a ferrovia

O legado da invasão britânica transformaria a posição da China1xbetbrasilrelação ao Tibet. Os chineses não poderiam mais considerar a região como um protetorado com pouco controle.

Ao longo das caóticas décadas após o colapso da dinastia Qing,1xbetbrasil1912, o Tibet, na prática, foi independente. Mas,1xbetbrasil1950, veio a invasão do Exército Vermelho da China para "liberá-lo" da "servidão".

Os tibetanos ficaram sem a autonomia desejada e muitos deles, incluindo o Dalai Lama, fugiram para o exterior1xbetbrasilum exílio voluntário.

Em 1984, foi concluída a construção do primeiro trecho da ferrovia. Ela se tornaria um cordão umbilical simbólico, conectando a capital chinesa, Pequim, aos seus caprichosos primos das montanhas. É a ferrovia mais alta já construída no mundo.

O trecho inicial ligava Xining a Golmud, uma cidade no meio do nada na província1xbetbrasilQinghai. O local rapidamente se tornou um ponto1xbetbrasilescala para uma geração1xbetbrasilhippies1xbetbrasildireção a Lhasa.

O escritor1xbetbrasilviagens americano Paul Theroux viajou nessa linha1xbetbrasilmeados dos anos 1980. Na época, o trem era movido a vapor e a viagem levava 30 horas. Na época da minha viagem,1xbetbrasil2018, o trajeto levava apenas sete horas.

"Era um trem horrível", escreveu Theroux no seu diário1xbetbrasilviagem Riding the Iron Rooster (Viajando1xbetbrasilTrem Através da China, Ed. L&PM, 1995). Ele relata um confronto físico entre os passageiros e conta que o trem "ficou sem água uma hora depois1xbetbrasilsair".

Lendo esse relato, eu me senti um pouco mimado no meu apertado beliche1xbetbrasilsegunda classe1xbetbrasilum vagão equipado com bicos1xbetbrasilsopro no teto para regular os níveis1xbetbrasiloxigênio e evitar o mal1xbetbrasilaltitude entre os passageiros.

No final1xbetbrasilcada vagão, havia também um cilindro1xbetbrasilágua fervente para reabastecer minha garrafa1xbetbrasilchá, se fosse preciso.

"O mundo mudou", escrevi no meu diário, "mas o deserto1xbetbrasilQinghai continua o mesmo."

Ler os últimos capítulos do livro1xbetbrasilTheroux enquanto me aproximava da remota cidade1xbetbrasilGolmud era como receber comentários1xbetbrasiltempo real sobre o cenário que passava pela janela.

"Aldeias quadradas e muradas que pareciam habitações remanescentes da idade neolítica" se espalhavam por um planalto1xbetbrasilpedras "infernal e memorável", enquanto nos aprofundávamos ainda mais no "terreno mais acidentado que já vi na China..."

Mas a descrição1xbetbrasilGolmud apresentada por Theroux – "uma dúzia1xbetbrasilconstruções baixas espalhadas por um amplo terreno" – não representa mais a realidade. A moderna cidade1xbetbrasilGolmud parecia tão nova e limpa como se tivesse sido transplantada1xbetbrasilhelicóptero1xbetbrasiluma fábrica1xbetbrasilcidades-modelo para o planalto tibetano.

Não pude deixar1xbetbrasilsentir que suas alamedas frondosas,1xbetbrasilalguma forma, desrespeitavam as leis terrenas – que aquele planalto1xbetbrasilrochas e esqueletos não era lugar para um assentamento semipróspero, claramente1xbetbrasilclasse média.

Passei uma noite1xbetbrasilGolmud. Na tarde seguinte, embarquei novamente no chamado "Trem do Céu", ou "Ferrovia para o Céu",1xbetbrasildireção a Lhasa.

Rumo ao 'Terceiro Polo'

Durante a cerimônia1xbetbrasilinauguração na estação1xbetbrasilGolmud1xbetbrasil2006, que abriu o ramal para Lhasa, o então presidente chinês Hu Jintao descreveu o segundo trecho da ferrovia como "uma magnífica proeza da história da construção1xbetbrasilferrovias da China" e "um milagre da história mundial das ferrovias".

Em que pese o flagrante nacionalismo imbuído no discurso do presidente Hu, os engenheiros chineses realmente atingiram um feito que parecia impossível.

As dificuldades apresentadas pela construção dos 1,2 mil quilômetros restantes através do teto do mundo eram suficientes para fazer qualquer topógrafo sensato interromper o seu trabalho e esquecer1xbetbrasilvez aquela ideia absurda1xbetbrasilconstruir a ferrovia.

Para começar, o próprio inverno no planalto era tão tempestuoso que ajudou o Tibet a ganhar o apelido1xbetbrasil"Terceiro Polo".

Em poucas palavras, se você conseguir não ser pulverizado pelo granizo, com pedras1xbetbrasilgelo tamanho1xbetbrasilbolas1xbetbrasilgolfe, nem ser atingido pelas rajadas1xbetbrasilvento das montanhas, com força suficiente para carregar uma criança pequena, provavelmente irá perder alguns dedos dos pés por congelamento.

Os engenheiros também enfrentaram sérios desafios representados pelo relevo da região.

Sua maior dificuldade foi o permafrost, que cobre 869 mil quilômetros quadrados – a maior região1xbetbrasilsolo congelado fora dos polos, segundo o livro China's Great Train ("O grande trem da China",1xbetbrasiltradução livre), do jornalista americano Abrahm Lustgarten.

O permafrost congela no inverno e se torna um terreno pantanoso no verão. Para os engenheiros ferroviários, isso significa que,1xbetbrasilum ano típico, o solo pode subir e descer1xbetbrasilaté 30 cm.

A inconsistência dos padrões1xbetbrasildescongelamento exacerba o problema. Algumas regiões ficam solidamente congeladas, enquanto outras ficam mais moles.

E esse relevo imprevisível é ainda agravado pelas mudanças climáticas causadas pela atividade humana, particularmente no planalto tibetano, que vem se aquecendo mais rapidamente do que qualquer outra região da República Popular da China.

Para compensar a profunda incerteza dessas fundações, cerca1xbetbrasil15% do trecho foram construídos sobre pontes, como se a ferrovia atravessasse água corrente.

Mas, mesmo com toda essa infraestrutura, a região ainda é a maior zona1xbetbrasilcolisão1xbetbrasilplacas continentais do planeta. E a possibilidade1xbetbrasilum imenso terremoto precisa ser considerada.

Foi por isso que, enquanto meu trem chegava à estação, não pude deixar1xbetbrasilsentir certo desapontamento pela natureza rotineira da operação.

O segundo trecho

Enquanto eu embarcava, percebi que o interior do vagão era decorado com tapetes tibetanos e as paredes eram adornadas com motivos tradicionais budistas.

"Nǐ hǎo" – "olá", dizia eu,1xbetbrasilchinês, tentando me apresentar para os tibetanos no vagão do trem. Mas eles soltavam apenas uma risadinha.

Depois1xbetbrasilencontrar um assento junto à janela, eu me empoleirei ao lado da mesa para continuar minha leitura1xbetbrasilViajando1xbetbrasilTrem Através da China. Apesar do título, Theroux narra a conclusão da viagem1xbetbrasilGolmud até Lhasa1xbetbrasilcarro, antes da construção deste trecho da ferrovia.

Seria um episódio hilariante, se não fosse tão cansativo. A viagem1xbetbrasilcarro por dois dias foi infernal, na companhia da srta. Sun com suas queixas constantes e do incompetente motorista sr. Yu, que sofreu mal1xbetbrasilaltitude e bateu o carro.

As brilhantes observações1xbetbrasilTheroux não resistiram aos anos que se passaram. Ele escreveu que "a principal razão pela qual o Tibet é tão pouco desenvolvido e não chinês – e, por isso, completamente antiquado e agradável – é que é um grande lugar da China aonde a ferrovia não chegou".

E ele ainda destacou outra observação, que o futuro se encarregaria1xbetbrasildesmentir: "a cordilheira1xbetbrasilKun Lun é uma garantia1xbetbrasilque a ferrovia nunca irá chegar até Lhasa".

Por quê?

Fora do trem, os grandes planaltos1xbetbrasiltundra e permafrost varridos pelo vento gradualmente desapareciam com o entardecer.

Dormi cedo e sem jantar. Em algum momento durante a noite, cruzamos a passagem1xbetbrasilTanggula, que marca o ponto ferroviário mais alto do mundo, com 5.702 metros1xbetbrasilaltitude.

Na manhã seguinte, fui despertado por um alegre anúncio sobre a construção da ferrovia:

"A temperatura frequentemente cai para -20 °C à noite", disse uma mulher1xbetbrasilinglês robótico. "Por isso, é fácil contrair um resfriado durante a ida ao toalete. Para resolver o problema, a companhia ferroviária instalou toaletes com aquecedores elétricos no seu interior."

Os chineses são tão orgulhosos pelo Trem do Céu quanto pela Grande Muralha e pela Barragem1xbetbrasilTrês Gargantas. Mas, quando olhamos os vastos espaços vazios pela janela, surge uma questão pertinente: por quê?

Talvez seja apenas parte da1xbetbrasilhistória1xbetbrasilorgulho por sempre construir "o maior"1xbetbrasiltudo. Afinal, da mesma forma que a Muralha foi facilmente invadida pela cavalaria da Manchúria e a represa1xbetbrasilTrês Gargantas submergiu milhões1xbetbrasilcasas, as razões da construção da ferrovia foram, pelo menos, duvidosas.

Oficialmente, a ideia chinesa da Marcha para o Oeste – a política que pretendeu incentivar o desenvolvimento econômico1xbetbrasil12 das províncias mais ocidentais do país – foi vendida com base na redução da pobreza.

Quando a ferrovia foi inaugurada,1xbetbrasil2006, ela inicialmente colaborou com essa promessa. Foram 2,5 milhões1xbetbrasilvisitantes transportados nos primeiros cinco meses1xbetbrasiloperação, o que expandiu o turismo regional.

Essa expansão levou a um crescimento acima da média nacional e, por1xbetbrasilvez, causou o remodelamento radical1xbetbrasilLhasa, com novos hotéis, ruas pavimentadas e condomínios. Os críticos chamaram a transformação1xbetbrasil"Segunda Invasão do Tibet".

Mas esse boom não durou muito tempo. A Região Autônoma do Tibet continuava sendo o lugar menos desenvolvido da China na época da minha visita.

Questões econômicas à parte, o mais razoável seria considerar o valor estratégico da ferrovia. O jornalista britânico Tim Marshall, autor do livro Prisoners of Geography ("Prisioneiros da geografia",1xbetbrasiltradução livre), coloca a questão friamente1xbetbrasiltermos geopolíticos: "se a China não controlasse o Tibet, sempre seria possível que a Índia tentasse fazê-lo".

E existe o papel da ferrovia na construção1xbetbrasilum país.

Nações imensas como os Estados Unidos e a Rússia foram forjadas por estradas1xbetbrasilferro, muitas delas construídas por operários chineses. Enquanto isso, na China, o poder1xbetbrasilcolonização das ferrovias foi sentido quando as potências estrangeiras lançaram trilhos por todo o país no século 19.

Mas, no cenário selvagem que observo pela janela, a geopolítica parece algo distante e muito restrito ao ser humano.

A chegada à 'Cidade Proibida'

A passagem para Lhasa segue pelo rio Kyi Chu, afluente do rio Yarlung Tsangpo ao norte. Ele flui através1xbetbrasilum frágil vale ladeado por negros picos recortados, com extremidades que perfuram as nuvens1xbetbrasilalgodão.

Percebi que aquela era uma verdadeira "fortaleza1xbetbrasilpedra", que ajudava a explicar por que esta foi, sem dúvida, a última cidade medieval a se render à modernidade.

As razões do fascínio por Lhasa para qualquer viajante do mundo que se preze são evidentes:1xbetbrasillocalização remota,1xbetbrasilpeculiaridade e seu isolamento, mesmo com as forças da globalização e da assimilação chinesa.

Lhasa fica a 3,7 mil quilômetros1xbetbrasilPequim e 284 km da capital estrangeira mais próxima – Timfu, no Butão. Mesmo com o trem, a cidade ainda parece ser o lugar mais distante para se chegar1xbetbrasilqualquer parte do mundo.

Finalmente, desci do trem me sentindo, ao mesmo tempo, exausto e revigorado.

Mas, antes que eu tivesse tempo para respirar mais profundamente o ar tibetano, um segurança me apontou uma grande tenda branca, onde todos os visitantes estrangeiros precisam registrar1xbetbrasilchegada. Depois1xbetbrasilalguns longos minutos, um carimbo vermelho e uma assinatura indicavam que eu estava liberado.

Mas as normas exigem que você reserve um tour com uma companhia1xbetbrasilviagens registrada,1xbetbrasilforma que a liberdade1xbetbrasilLhasa dura apenas o tempo1xbetbrasilatravessar o hall1xbetbrasilentrada da estação ferroviária.

Um alegre cidadão tibetano, segurando um cartaz com o logo da companhia1xbetbrasilviagens, perguntou: "Você é o sr. Bird, Thomas?"

"Sim, sou eu."

"Bem-vindo a Lhasa."

Ele coloca um cachecol1xbetbrasilseda branca1xbetbrasiltorno do meu pescoço – o tradicional sinal1xbetbrasilboas-vindas do Tibet – e me conduz a bordo1xbetbrasilum micro-ônibus repleto1xbetbrasilestrangeiros com olhares estranhos. Conversamos rapidamente enquanto nos dirigimos a Barkhor, o centro histórico1xbetbrasilLhasa.

E descubro que sou o único do ônibus que não chegou a Lhasa1xbetbrasilavião.

Esta reportagem foi adaptada do livro1xbetbrasilThomas Bird, recém-publicado, "Harmony Express: Travels by Train Through China" ("Expresso da Harmonia: viagens1xbetbrasiltrem pela China",1xbetbrasiltradução livre).

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.