Como falar sobre abuso sexual com as crianças:loterias da quina
- Letícia Mori
- Da BBC Brasilloterias da quinaSão Paulo

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loterias da quina A designer Helena Vitali,loterias da quina28 anos, sofreu abuso sexual quando tinha cinco anos no condomínio do prédioloterias da quinaque morava,loterias da quinaSanta Catarina.
Ela nunca tinha falado publicamente sobre isso, mas resolveu contarloterias da quinahistória no finalloterias da quina2017, após o assunto voltar à tona com a polêmica envolvendo a presençaloterias da quinauma criançaloterias da quinauma performance artística com um homem nu no MAM (Museuloterias da quinaArte Moderna)loterias da quinaSão Paulo.
"Vi que estava se falando muito sobre o assunto e achei que era importante dar um pontoloterias da quinavistaloterias da quinaalguém que passou por um abuso sexual real", explica.
Seu objetivo não foi só relatar a violência sexual, mas contar como foi importanteloterias da quinamãe já ter conversado com ela sobre o assunto para que, com apenas cinco anos, ela tivesse coragemloterias da quinacontar o que aconteceu - e evitar que o abuso se repetisse.

Helena sempre teve uma relaçãoloterias da quinaabertura e confiança com a mãe, Célia | Foto: Helena Vitali/Arquivo pessoal
"O alarme soou porque minha mãe já havia conversado sobre isso comigo. Eu soube na hora que havia alguma coisa errada. Me senti culpada. Detestei meu corpo, me senti suja. Mas contei. Lembrei das conversas que criaram essa confiança entre nós", afirma.
Ela é uma das muitas pessoas que têm compartilhado histórias sobre como os pais conversaram com elas sobre o assunto quando pequenas. Ou como elas têm falado com os próprios filhos sobre o assunto - mesmo que não tenham sofrido nenhum tipoloterias da quinaabuso.
A postagemloterias da quinaHelena Vitali teve quase 4 mil curtidas e maisloterias da quina1,6 mil compartilhamentosloterias da quinapoucas horas.
A BBC Brasil ouviu algumas dessas pessoas e especialistas que indicam qual o caminho para abordar o assunto com as crianças.
Alerta vermelho
Vitali conta queloterias da quinamãe lia livros sobre educação sexual infantil desde cedo. Ela lembra até hojeloterias da quinasuas palavras:
"Ela disse: filha, ninguém pode te tocar aqui tá? Só você e a mamãe. Nenhum adulto, nenhum homem. Isso é errado e pode ter machucar. Quando você for adulta você pode escolher. Mas quando essa época chegar vamos juntas no médico e você não vai ter medo."
Helena afirma que nunca esqueceu o que a mãe havia dito sobre fugir, gritar e pedir ajuda se algo acontecesse. "Ela disse que sempre iria me ouvir, acreditarloterias da quinamim e me proteger. Não importando quem fosse, se fosse da família ou alguém que amamos. E que eu nunca poderia mentir sobre isso."
A conversa foi importante para que ela conseguisse contar à mãe sobre o abuso que sofreu.

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É preciso que a criança saiba que não deve manter segredo se alguém lhe fizer mal - mesmo que seja um membro da família
"Um dos funcionários me convenceu a irloterias da quinaum cômodo ver algo. Me botou sentada no seu colo e começou a abrir a própria roupa. Enquanto tentava me tocar e eu me esquivava (ou tentava), soou na minha cabeça um alarme, enorme, vermelho e piscante. Uma sirene. Eu sabia o que era aquilo", escreveu ela.
"Depois que eu contei, descobriram que um meninoloterias da quinatrês anos era sempre abusado pela mesma pessoa, mas a babá e a família não acreditavam."
A designer diz achar importante que as pessoas não subestimem a capacidadeloterias da quinadiscernimento das crianças.
"Com educação apropriada, elas são muito capazesloterias da quinaentender o que é carinho e o que abuso. Quando se despir é normal, por exemplo, quando a criança está na praia com a família, e quando a pessoa está mal intencionada", diz ela.
"Tenho a clara memórialoterias da quinaque eu sabia diferir perfeitamente a nudez comum da mençãoloterias da quinanudez para um abuso", escreveu.
"Pedofilia não é uma criança ser exposta à arte ou a nudezloterias da quinaum contexto não sexual. Proibir o acessoloterias da quinacrianças a lugares onde estarão vulneráveis e sem a tutorialoterias da quinaum adulto: claro. Proibir acesso a materialloterias da quinacunho sexual? Perfeito. Mas banir nudez e confundir tudo e qualquer coisa com pedofilia é um desserviço", escreveu ela,loterias da quinareferência à polêmica sobre a performance no museu.
Educação aberta
"Não é uma questãoloterias da quinamarcar um dia para falarloterias da quinaabuso sexual. É preciso ter uma educação aberta desde o berço, na qual a criança sempre, a todo momento, se sinta à vontade para falar sobre qualquer assunto. E na qual se ensine a lidar com o corpo e com a questão dos limites", explica a psicopedagoga Neide Barbosa Saisi, professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).
"Precisa ensinar limitesloterias da quinacoisas básicas, como respeitar se ela não quiser beijar as pessoas, por exemplo. Ela tem que aprender que o outro não tem domínio sobre ela. Se ela sabe o que são limites, ela já responde a uma intromissão", afirma.
A pedagoga e mestreloterias da quinaeducação sexual Caroline Arcari explica que, ao falar especificamente sobre abuso sexual, é preciso usar a linguagem adequada para cada idade. E ser claro.
"É importante evitar termos muito abstratos. Por exemplo, dizer 'se você se sentir estranho, ou se alguém fizer algo que te deixe triste' etc. Porque quanto mais nova a criança, menos ferramentas ela vai ter para entender o que seria esse sentimento estranho, o que seriam esses atos que poderiam a deixar triste", afirma.
Segundo ela, inicialmente a criança aprende que violência é algo muito concreto, que causa dor física: um beliscão, uma palmada, um puxãoloterias da quinacabelo. Logo, quando se falaloterias da quinaviolência sexual, é preciso mostrar concretamente como ela pode acontecer.
"É importante que a criança saiba os que são partes íntimas. Ela precisa saber que ela tem órgãos genitais, que o bumbum e os mamilos são partes íntimas. Tem que ter nome ou apelido para as partes", afirma.
Segundo as especialistas, é preciso dizer que essas partes não devem ser tocadas por outras pessoas. E que uma pessoa que a tocar está fazendo uma coisa errada.
Arcari diz ainda que é importante que os materiais didáticos usados - livros, vídeos - tenham representatividade, para que as crianças se identifiquem.
Ela vê um problemaloterias da quinaum dos vídeos que têm sido muito compartilhados recentemente no WhatsApp - há apenas crianças brancas.
"É difícil encontrar materiais que tenham uma quantidade significativaloterias da quinacrianças negras. O material didático precisa refletir a diversidade que existe no Brasil."
Educação e confiança
A baiana Ariane Carmo contou no Facebook como seus pais conversavam com elaloterias da quinaforma bastante objetiva - a postagem teve 11 mil curtidas e maisloterias da quina7 mil compartilhamentos.
"Uma amiga abriu debate sobre abuso sexualloterias da quinacriançasloterias da quinaseu perfil e muitas mulheres que participaram sofreram abuso na infância. Com tantos perigos e relatos desanimadores começa a parecer impossível proteger as crianças", afirma.
"Uma das moças disse que simplesmente não há muito o que fazer. Nesse ponto, eu pensei: não, calma! Há. Sei que ela queria dizer que não há como garantir plenamente a segurança. Mas eu senti que devia relatar a estratégia da minha família para fazer um contraponto, dar uma esperança."

Ariane Carmo quis contar como foiloterias da quinaeducação para incentivar pais a conversarem com seus filhos | Foto: Luiz Carlos Vaz/Arquivo pessoal
"Meus pais me ensinaram o que era sexo e abuso sexual juntos. Minha mãe me disse que qualquer homem que tentasse fazer qualquer coisa comigo eu deveria contar pra ela e ela me protegeria, inclusive meu pai - isso na presença dele", escreveu ela.
"Ela apontou pra ele. Na frente dele. Meu pai jamais me fez ou faria mal, e também não se ofendeu. Ele sabia o que eles estavam fazendo, que estavam criando o vínculo para que eu sempre sentisse segura e me ensinando a me proteger", relatou.
"Eles me disseram que nunca seria culpada e não deveria acreditar se me dissessem que minha mãe ficaria brava ou me iria me castigar. Que ela me protegeria e que eu nunca deveria ter nenhum segredo com nenhum adulto, pois adultos não tem segredos com crianças. Que sempre que alguém falasse ou fizesse algo dizendo que eu não podia 'contar pra mamãe', imediatamente eu deveria falar."
Arcari concorda sobre mostrar que não deve haver segredos e que os limites tem que ser respeitados por todos. "O abusador pode ser um estranho, mas raramente é. Normalmente é alguém da família, um amigo ou conhecido", afirma ela.
Amor e carinho
Ariane diz que nunca teve nenhum tipoloterias da quinatrauma por ter tido essa conversa com os pais.
"Não tive uma iniciação sexual precoce por saber o que é sexo, nem tive algum tipoloterias da quinabloqueio por me avisarem o que é abuso. Só fui protegidaloterias da quinaabusadores", escreveu.
A pedagoga Caroline Arcari diz que, para evitar que a criança fique com muito medo ao se falar da possibilidadeloterias da quinaalguém machucá-la, é preciso contextualizar a conversa e falar mais sobre os aspectos positivos da interação com adultos e outras crianças.
"Tem mostrar o que é bom na interação com um adulto. A parte positiva da convivência, para ela não achar que todo adulto é ruim. Para que a criança saiba o que é uma demonstraçãoloterias da quinaamor e carinho e o que é abuso", afirma a pedagoga Caroline Arcari.
Ariane Carmo diz que o motivou a escrever sobreloterias da quinaeducação foi notar que os pais "têm receioloterias da quinafalar claramente com seus filhos, como se eles fossem incapazesloterias da quinaentender - não só sobre abuso".
"Quando você senta uma criança e conversa com elaloterias da quinaforma clara, seja sobre o que for, sobre a importância do estudo aos riscos que o mundo oferece, incluindo abuso, ela vai entender."
"Eu sei que muitos pais até conversam com seus filhos, mas o que eu gostoloterias da quinadestacar é que meus pais fizeram isso juntos, e que foram clarosloterias da quinadefinir que me protegeriamloterias da quinaqualquer um, inclusive um do outro. Nenhuma mãe ou pai espera que seu ouloterias da quinacompanheira(o) seja um abusador. E meus pais, claro, não eram", conta ela.
"Mas se houvesse qualquer risco, a clareza daquela situação me daria confiança. Porque seloterias da quinamãe deixa claro que nem seu pai pode te fazer mal, você sabe que ninguém pode. A maioria dos abusadores é parente ou amigo da família que usa da confiança para praticar o crime. É preciso que a criança saiba que está segura - sejaloterias da quinaquem for."




