Islamofobia: o que oprime muçulmanas no Brasil não é o lenço, diz pesquisadora da USP:wazdan rtp

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A opressão das mulhereswazdan rtpalguns lugares, diz, não é resultado da religião, mas do "contexto cultural e políticowazdan rtpcada lugar".
"O patriarcado, o machismo estãowazdan rtptodas as sociedades. Os homens são machistas dentro do Islã, fora do Islã, com religião, sem religião. Mas isso não impede que as mulheres construam suas agências, suas formaswazdan rtpluta e suas formaswazdan rtpresistência", afirma.
Leia a seguir trechos da entrevistawazdan rtpCampos à BBC News Brasil.

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wazdan rtp BBC News Brasil - Que sentimento vem, para uma pessoa muçulmana, ao ver um grupo fundamentalista como o Talebã oprimir pessoaswazdan rtpnome da religião?
wazdan rtp Francirosy Campos - Primeiro é um sentimentowazdan rtpimpotência,wazdan rtptristeza. A gente tem uma religião que nos ensinou a beleza da compreensão, do diálogo, dos valores humanos. Porque se a gente for olhar para os objetivos da Sharia [lei islâmica], eles são a preservação da vida, da consciência, da propriedade, da religião. E, quando você vê situações como essa, essas pessoas não estão nem chegando a 0,01% do objetivo da Sharia. Não adianta rezar dez vezes ao dia, mais do que está prescrito, sendo que você maltratawazdan rtpmãe, maltrata um animal, não é um pessoas honesta... Sua oração não vale nada. Isso é ser extremista. E, alémwazdan rtptudo, tudo o que alguém fazwazdan rtperrado (em nome da religião) volta para nós, para a comunidade muçulmana.
wazdan rtp BBC News Brasil - O fato do Talebã ter tomando controle do Afeganistão pode criar ou aumentar preconceitos contra muçulmanos?
wazdan rtp Campos - Já está acontecendo, aumentou muito. Minha áreawazdan rtppesquisa é justamente sobre islamofobia, e eu não estou dando contawazdan rtpver tudo. Porque as pessoas não sabem o que é o Islã, elas não sabem que (a situação no país) é um conflito político, não sabem muitas vezes nem onde fica o Afeganistão. Isso reverbera nos grupos mais frágeis, que são as mulheres que usam lenços, que muitas vezes sofrem ataques verbais e até físicos muito violentos. A gente precisa explicar o que isso representa para as mulheres afegãs, que têm suas lutas e movimentos que não necessariamente são os mesmos daqui, e descolonizar um pouco o olhar sobre esse povo e sobre as próprias mulheres muçulmanas que estão no Brasil. Porque há uma diversidade entre os muçulmanos - eles não são iguais, vêmwazdan rtpculturas diferentes, têm valores diferentes. Eu fiquei vendo várias postagenswazdan rtpmulheres falando sobre o lenço, dizendo para muçulmanas tirarem o lenço... Não é o lenço que é o problema.
wazdan rtp BBC News Brasil - O uso do lenço pelas mulheres é um dos aspectos mais reconhecíveis do Islã para muitas pessoas. Essa peça é sinônimowazdan rtpopressão?
wazdan rtp Campos - O uso do hijab é uma obrigação alcorânica, mas existe o livre arbítrio. Tenho várias amigas muçulmanas que não usam — e elas não são mais ou menos muçulmanas, só não estão seguindo um preceito religioso. Existem sociedades e famílias que permitem que suas filhas escolham, e tem sociedades teocráticas, como a Arábia Saudita, o Irã, que obrigam. Se existem sociedadeswazdan rtpque as mulheres vivem sem roupas, usam pinturas corporais, porque as mulheres muçulmanas não podem vestir as vestimentas tradicionais? Porque, se algumas questionam, outras não questionam ou escolhem usar. Faz parte da cultura e da individualidade delas.
wazdan rtp BBC News Brasil - O que o uso do lenço representa para uma mulher muçulmana que escolhe fazer uso dele?
wazdan rtp Campos - Tem vários significados que eu colhi nas minhas pesquisas. Para algumas mulheres, é um empoderamento, para outras é religiosidade, para outras é um ato político. Se você pensar nas opressões contra mulheres muçulmanas que tiveram mais destaque na França, começandowazdan rtp1989, a partir daí houve uma revolta tão grande das mulhereswazdan rtporigem islâmica que muitas que não usavam o lenço passaram a usar, como um ato político. Eu, por exemplo, sou muçulmana há muitos anos e sou docente da USP há maiswazdan rtpdez anos. E eu sempre tive o desejowazdan rtpusar, mas eu não tinha coragem. Por medo da islamofobia, ou por medowazdan rtpintimidar os meus alunos, passavam mil coisas pela minha cabeça. Mas quando eu comecei a ver a quantidadewazdan rtpmeninas que não tinham a mesma estabilidade que eu, que estão lutando para usar o lenço e recebem todo tipowazdan rtpofensa, eu resolvi usar.

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wazdan rtp BBC News Brasil - O que é essencial esclarecer sobre o Islã para quem não conhece a religião e só leu ou ouviu sobre elawazdan rtpnotícias sobre grupos fundamentalistas?
wazdan rtp Campos - A primeira coisa é tirar essa imagemwazdan rtpque a Sharia é o mal. O que é a Sharia? Sharia significa "caminho", são as orientações do Corão, os ensinamentos e as atitudes do Profeta Muhammad. Quem é muçulmano pratica a Sharia: os muçulmanos rezam, os muçulmanos fazem jejum, isso faz parte da Sharia. O tipowazdan rtpcasamento islâmico, o tipowazdan rtpdivisãowazdan rtpherança etc. O que acontece é que esses escritos, esse códigowazdan rtpconduta, passa por uma interpretação, então quanto mais sábio, mais erudito, quanto mais compreensão da língua árabe (língua do Corão), melhor a interpretação. Existem diversas escolas e formaswazdan rtpinterpretação e interpretações literalistas, às vezes aliadas ao analfabetismo, com pessoas que têm pouco conhecimento da língua, podem acabar caindo para o extremismo, como aconteceu com o Talebãwazdan rtp20 anos atrás.
Outro ponto éwazdan rtprelação aos direitos das mulheres. As mulheres têm direitos no mundo muçulmano desde o século 7, desde o advento do Islã. Isso não quer dizer quewazdan rtptodas as sociedades esses direitos sejam garantidos. É como nós no Brasil — temos direitos, mas nem sempre eles são garantidos. As mulheres têm direitowazdan rtpvoto,wazdan rtpescolher o marido,wazdan rtpusar anticoncepcional, direito ao prazer, à herança, ao divórcio, ao conhecimento. É um grande absurdo o Talebã proibir o estudo das mulheres. Não tem nada no Islã que diga que as mulheres não devam estudar, ao contrário: a primeira palavra revelada do Corão é "leia".
Existe uma diferença entre o Islã religião (que eu escrevo com m, islam) e o islã político, que na academia a gente tecnicamente chamawazdan rtpislamismo. O Talebã está dentro desse islã político, que se apropria da religião para uma ação política. Nessa categoria você pode colocar o Talebã, a Irmandade Muçulmana, e outros movimentos políticos que nascem dentrowazdan rtpuma perspectiva religiosa. E há muitas divisões mesmo nesses movimentos políticos, com formas diferenteswazdan rtpinterpretar a religião: mística, tradicionalista, reformista, literalista etc.
Isso tem a ver com o contexto cultural e políticowazdan rtpcada lugar, não com a religião. O patriarcado e o machismo estãowazdan rtptodas as sociedades. Os homens são machistas dentro do Islã, fora do Islã, com religião, sem religião. Mas isso não impede que as mulheres construam suas agências, suas formaswazdan rtpluta e suas formaswazdan rtpresistência.

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wazdan rtp BBC News Brasil - É possível ser feminista e muçulmana?
wazdan rtp Campos - Sim, claro! Desde o século 18, as mulheres muçulmanas já tinham movimentos estruturados. Não necessariamente elas chamavamwazdan rtpmovimentos feministas, mas há movimentos estruturadoswazdan rtpmulheres. O Afeganistão é um exemplo: as meninas, quando o Talebã estava no poder pela primeira vez, elas pegavam as câmeras e colocam embaixo da burca e filmavam todas as atrocidades as violência que elas viam.
wazdan rtp BBC News Brasil - Malala Yousafzai, do Paquistão, ficou mundialmente conhecida por querer estudar e ser atacada pelo Talebã.
wazdan rtp Campos - Olha, eu não acho que a Malala é um grande exemplowazdan rtpresistência. Onde ela sofreu o atentado, 80 crianças foram assassinadas pelos Estados Unidos, e ela nunca falou sobre essas crianças. É uma violência, um absurdo o que aconteceu com ela, mas eu não a considero um símbolo. Ela silencia sobre a morte dessas crianças e sobre a morte das mulheres do Afeganistão pela Inglaterra. Ela foi muito usada pelos Estados Unidos para falar o que eles queriam que uma mulher muçulmana falasse. Então, eu acho que o símbolowazdan rtpresistência são as mulheres do Afeganistão que resistem ao Talebã todos os dias. Considero mais símbolo a Benazir Bhutto (ex-primeira ministra do Paquistão).
wazdan rtp BBC News Brasil - Qual o impacto da islamofobia para as mulheres muçulmanas no Brasil?
wazdan rtp Campos - O impacto da islamofobia é muito grande. A islamofobia no Brasil éwazdan rtpclasse. O que minha pesquisa aponta é que a islamofobia afeta muito mais as mulheres revertidas (convertidas) ao Islã,wazdan rtpclasse média baixa, jovens e acimawazdan rtp40 anos. As mulheres que andamwazdan rtpmetrô,wazdan rtpônibus, que andam a pé, que têm subempregos, são essas que são as mais afetadas. Se você andawazdan rtpcarro, você está mais protegida. Mas vai pegar um metrô às seis da tardewazdan rtplenço. É uma vulnerabilidade. As mulheres nascidas no Islã também sofrem intolerância, mas elas têm mais apoio. A mulher que se converte, ela vai sozinha, ela não faz partewazdan rtpuma comunidade, não tem uma família muçulmana para dar apoio.
A gente achava que as redes sociais teriam a maior parte das agressões, mas muitas das agressões são nas ruas. Desde puxar o lenço, fazer comentários pejorativos até pedradas. Tem mulheres que já sofreram pedradas, foram perseguidas, empurradas.
[Nota da redação: No Brasil, entre 800 mil e 1,2 milhãowazdan rtppessoas são muçulmanas, segundo estimativas da Fambras, a Federação das Associações Muçulmanas do Brasil. Destas, cercawazdan rtp100 mil são convertidas, ou seja, não nasceramwazdan rtpfamílias islâmicas.]
wazdan rtp BBC News Brasil - A preocupaçãowazdan rtpfeministas ocidentais com as mulheres no Afeganistão é legítima?
wazdan rtp Campos - A preocupação é legítima. O que não é legítimo é que as mulheres falem pelas outras mulheres. Por exemplo: eu sou uma mulher que sempre vai estar do lado das mulheres, quer sejam muçulmanas ou não, sejam elas negras, brancas, não importa. Mas eu não posso falar por elas. Eu sou uma muçulmana que usa lenço, mas não posso falar por todas as muçulmanas que usam lenço, eu não sou eleita para isso, não sou uma representante. Eu represento o meu lugar, como acadêmica, que fala aquilo que pesquisa há maiswazdan rtp20 anos.

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