'Me dá pena, pena pelo Brasil', diz Mujica sobre manobra para salvar Temer na Câmara:spyur vbet

  • Marcia Carmo
  • De Buenos Aires para a BBC Brasil
José Mujica, ex-presidente do Uruguai

Crédito, EPA

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"Cada lei é uma negociação à parte. Então,spyur vbetvezspyur vbetser um parlamento, o Congresso (brasileiro) acaba virando uma bolsaspyur vbetvalores", afirma Mujica

spyur vbet O ex-presidente do Uruguai e atual senador José 'Pepe' Mujica,spyur vbet82 anos, classifica como "triste" o fatospyur vbetque se tenha trocado integrantes da CCJ (Comissãospyur vbetConstituição e Justiça) da Câmara para garantir a rejeição do parecer que recomendava o avanço da denúncia por corrupção passiva contra Michel Temer.

"Tudo isso é muito triste. É um cenário que coloca o Brasil, na visão internacional, como uma república muito desprestigiada. O Brasil não merece isso", afirmaspyur vbetentrevista à BBC Brasil. É, diz, algo que lhe faz sentir "pena".

"Me dá pena. Pena pelo Brasil por ver o que aconteceu com uma comissão que estava estudando as eventuais acusações,spyur vbetque tiveram que mudar a composição dessa comissão. E tudo indica que houve muita influência para poder colocar gente que não decepcionasse o governo."

Na conversa por telefone, o ex-líder uruguaio afirma que não acreditaspyur vbetnenhuma das acusações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, critica o sistemaspyur vbetdelações premiadas, fala sobre a polarização política no Brasil e disse que as reformas do governo Temer representam "maisspyur vbet50 anosspyur vbetatraso". Além disso, aponta o que vê como um avanço do "falso moralismo" no país.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

spyur vbet BBC Brasil - Qual é aspyur vbetopinião sobre o Brasil hoje? O ex-presidente Lula, que o senhor costuma elogiar, foi condenado,spyur vbetprimeira instância, a nove anos e meiospyur vbetprisão. E a sociedade parece bem dividida politicamente.

spyur vbet José 'Pepe' Mujica - Eu acho que o que está acontecendo no Brasil hoje tem antecedentes. Eu não posso separar isso da forma como expulsaram Dilma Rousseff da Presidência.

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spyur vbet BBC Brasil - Por quê?

spyur vbet Mujica - Porque é evidente que no Brasil tudo ganhou um tom conspirativospyur vbetextrema-direita que está atropelando um conjuntospyur vbetconquistas e melhoras sociais. E há uma onda regressiva no campo trabalhista para os trabalhadores, isso é um problema sério.

Acho também que existe uma direita muito conservadora que está utilizando, entre outras coisas, a influênciaspyur vbetmecanismos da Justiça, tentando frear toda possibilidadespyur vbetresposta progressista ou mais ou menos a favor da grande maioria.

Atacar Lula, da maneira como o estão atacando, é impressionante. Colocam a eventual vendaspyur vbetum apartamentospyur vbetuma praia... (o tríplex no Guarujá). Para um homem que foi presidente durante oito anos da principal potência da América Latina e com o antecedente da retiradaspyur vbetDilma Rousseff do governo... realmente tudo isso gera a imagemspyur vbetum Brasil muito doente.

E, além disso, aprovam um conjuntospyur vbetreformas que vão para o passado, (anulando) as medidas que foram implementadas por Getúlio Vargas, que foi um presidente inesquecível e se suicidou por causa da pressão da oligarquia. É como se o Brasil estivesse voltando aos seus piores tempos.

spyur vbet BBC Brasil - O senhor acha...

spyur vbet Mujica - (interrompe) Olha, eu mantenho minha fé no Lula. Eu o conheço há muitos anos. O acusam por um sítio. Uma vez estive no sítio e é muito simples, com uma casinha. Além disso, tem outra coisa, ninguém coloca ênfase no papel das empresas. Parece que as empresas são pecadoras e isso está virando moda no mundo.

spyur vbet BBC Brasil - Como assim? O senhor pode explicar?

spyur vbet Mujica - Por exemplo, a Volkswagem pode organizar uma farsaspyur vbetcaráter internacional (no caso dos carros com um programa que reduzia as emissõesspyur vbetgases poluentes dos motoresspyur vbettestes regulatórios), pagar multasspyur vbetmilhõesspyur vbetdólares, e ninguém vai preso. E as empresas continuam enormes. E aqui na América Latina as empresas servem como que para destroçar a confiança pública.

Tudo isso que está acontecendo no Brasil acaba interrompendo, no longo prazo, a esperançaspyur vbetuma sociedade. E na vida dos homens, das mulheres, das sociedades, precisamos ter esperança. O Brasil está cultivando o não acreditarspyur vbetnada. E depois disso o que vem? O niilismo? O golpespyur vbetEstado?

Uma coisa é serspyur vbetdireita e outra, conservador. O que há no Brasil está com caraspyur vbetfalso moralismo, e o fascismo na Europa se apresentou com caraspyur vbetfalso moralismo também.

spyur vbet BBC Brasil - Mas o senhor acha que pode ocorrer um golpespyur vbetEstado no Brasil hoje?

spyur vbet Mujica - É que no lugarspyur vbetse utilizar militares para golpesspyur vbetEstado, agora se utilizam os subterfúgios jurídicos para a mesma coisa. E isso me provoca imensa dor porque o Brasil é muito importante para toda a América Latina.

Lula e Mujica

Crédito, Reuters

Legenda da foto,

Eleiçãospyur vbetLulaspyur vbet2018 seria maneiraspyur vbet"colocar nos trilhos" a oposição a políticas que protegem os mais pobres, diz ex-líder uruguaio

spyur vbet BBC Brasil - Qual aspyur vbetopinião sobre o juiz Sergio Moro, que condenou o ex-presidente Lula?

spyur vbet Mujica - Acho que ele está trabalhando no compasso desses setores ultraconservadores e, na verdade, o que se percebe é que pretendem fechar o caminho para a candidaturaspyur vbetLula, porquespyur vbetoutra forma é difícil que possam evitar que ele vença.

E isso não soluciona o problema endêmico que o Brasil tem, que é um sistema político muito perigoso, com maisspyur vbet30 partidos políticos. Ninguém tem a maioria. Cada lei é uma negociação à parte. Então,spyur vbetvezspyur vbetser um parlamento, o Congresso acaba virando uma bolsaspyur vbetvalores.

Isso é um problemaspyur vbetcaráter constitucional. Não se pode governar um país com esse mosaicospyur vbetpartidos onde cada qual luta por seu próprio interesse e tudo se transformaspyur vbetnegociações. É um problema grave para o Brasil e, portanto, para nós também. Nosso pequeno país fica no meiospyur vbetum sanduiche, ao ladospyur vbetdois países grandes (Brasil e Argentina)spyur vbetcrise.

spyur vbet BBC Brasil - Mas o ex-presidente Lula e seu partido, o PT, também fizeram alianças com outros partidos, como o PMDB, do agora presidente Michel Temer.

spyur vbet Mujica - Pois é, é como juntar o céu com o inferno. Mas esta é a situação do Brasil.

spyur vbet BBC Brasil - Está marcada para o próximo dia 2spyur vbetagosto uma votação na Câmara que poderia definir o destino do presidente Temer...

spyur vbet Mujica - Me dá pena. Pena pelo Brasil por ver o que aconteceu com uma comissão (a Comissãospyur vbetConstituição e Justiça) que estava estudando as eventuais acusações, e tiveram que mudar a composição dessa comissão. E tudo indica que houve muita influência para poder colocar gente que não decepcionasse o governo.

Tudo isso é muito triste. É um cenário que coloca o Brasil, na visão internacional, como uma república muito desprestigiada. O Brasil não merece isso.

spyur vbet BBC Brasil - Segundo pesquisas recentes, o governo Temer é bem avaliado por cercaspyur vbet7% dos brasileiros e mantém a agendaspyur vbetreformas no Congresso Nacional...

spyur vbet Mujica - É um retrocesso. Porque, por exemplo, os trabalhadores rurais, tão importantes no Brasil, vão ficar praticamente sem aposentadoria. Porque ter que trabalhar esse montãospyur vbetanos é praticamente impossível para uma vida normal. Eu acho que estão caminhando para maisspyur vbet50 anosspyur vbetatraso.

O Estado tem um papel fundamental na distribuição da riqueza e precisa ajudar as pessoas. Temos que saber que o capitalismo é formidável para gerar riqueza, mas não é formidável para distribuir riqueza. O Estado tem que intervir para que não sejam criados bolsõesspyur vbetextrema pobreza espyur vbetmiséria, com medidas que possam distribuir e mitigar o que o mercado não pode fazer.

Por um lado existe um mundo que floresce quando a economia cresce, mas existe outro que vai ficando marginalizado da civilização. E o Estado tem que buscar reduzir essa contradição. E o Brasil está fazendo exatamente o contrário.

Pepe Mujica e Michel Temerspyur vbet2014

Crédito, Ascom/VPR

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Mujica com o então vice-presidente Temerspyur vbet2014; uruguaio critica governo do peemedebista

spyur vbet BBC Brasil - Mas os defensores das reformas afirmam que elas vão gerar mais empregos e mais investimentos no país.

spyur vbet Mujica - Esse é um velho mito que existe -spyur vbetque é preciso reduzir os impostos aos mais ricos para fomentarspyur vbetambição e que com isso vão investir e vão aumentar o trabalho. Mas, na verdade, é preciso levarspyur vbetconta o salto tecnológico contemporâneo. Ou seja, multiplica-se a riqueza, mas não necessariamente os postosspyur vbettrabalho.

A riqueza pode aumentar, e também o desemprego. E no caso do Brasil isso é evidente. O Estado tem que funcionar como escudo dos mais pobres, ou haverá uma polarização da riqueza na sociedade, e a concentração excessiva da riqueza acaba se transformando, indiretamente,spyur vbetpoder político a favor da riqueza.

spyur vbet BBC Brasil - O senhor acha que o ex-presidente Lula pode ir preso? Ou que ele pode chegar a não ser candidato?

spyur vbet Mujica - Sim, e isso me preocupa. E acho que a candidatura dele seria uma formaspyur vbetcolocar nos trilhos, institucionalmente, uma crescente oposição a estas políticas, mantendo as regras da democracia representativa espyur vbetgarantia fundamental. E tudo isso (que hoje envolve Lula) pode ser que nos leve a um arrependimento no futuro.

spyur vbet BBC Brasil - Hoje o ex-presidente Lula lidera as projeções para as eleiçõesspyur vbet2018. No entanto, o país está bastante polarizado. A possível eleição dele não poderia intensificar este quadro?

spyur vbet Mujica - A polarização é um perigo. E Lula sabe disso. Mas Lula é um homem negociador. Por isso chegou onde chegou. Certamente Lula é o político mais maduro que o Brasil tem para poder orquestrar um freio nessa polarização. Mas concordo comspyur vbetpergunta e acho também que a polarização é um veneno na América Latina.

O problema da polarização é que faz com que metade do país fique contra a outra metade. Além disso, existe a polarização social. Aqueles que saíram da pobreza e voltam à pobreza são candidatos a participar dessa polarização.

Quando alguém é muito pobre, isso costuma gerar uma culturaspyur vbetresignação à pobreza. Mas quando essa pessoa melhoraspyur vbetvida e depois tem que voltar à pobreza, é a historia da rebeldia. A rebeldia surge daqueles que, estando menos pobres, têm que retroceder. Hoje existe egoísmo demais.

Conferência sobre acordospyur vbetcomércio UE-Mercosulspyur vbetMadri, 3spyur vbetjulhospyur vbet2017

Crédito, EPA

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Para Mujica, isolamento dos EUA no governo Trump pode fazer com que a UE se aproxime mais do mercado latino-americano

spyur vbet BBC Brasil - De partespyur vbetquem? Dos políticos? De setores da sociedade?

spyur vbet Mujica - Nas sociedades modernas, funciona cada vez mais o egoísmo e menos a solidariedade. É um problema contemporâneo.

spyur vbet BBC Brasil - Mas o senhor não acreditaspyur vbetnenhuma das denúncias contra o ex-presidente Lula? Ele enfrenta cinco processos no âmbito da operação Lava Jato.

spyur vbet Mujica - Eu não acreditospyur vbetnenhuma delas. Além disso, aconteceram coisas que não podemos esquecer. O tesoureiro do PT (Paulo Ferreira) foi condenado e depois o liberaram porque não havia provas.

E esse regimespyur vbetdelação premiada, inventado pelo fascismo, que vem da época do Mussolini, é uma bomba prestes a explodir.

spyur vbet BBC Brasil - Por quê? O regime não possibilita que casosspyur vbetcorrupção sejam desvendados?

spyur vbet Mujica - É muito difícil poder separar a verdade da mentira. Essas pessoas, quando se veem perdidas, recorrem a qualquer coisa. Para mim, é um recurso retrógado do sentido liberal da Justiça.

spyur vbet BBC Brasil - Qual aspyur vbetopinião sobre o possível futuro do Brasil e da região no contexto atual?

spyur vbet Mujica - Minha querida, o futuro é o mais difícilspyur vbetse prever. Mas existem mudanças muito fortes que temos que ver como repercutem.

spyur vbet BBC Brasil - Que mudanças?

spyur vbet Mujica - O eventual isolamento que os Estados Unidos estão assumindo ao se retirar da tentativa do Acordo do Pacífico é algo histórico. Ao mesmo tempo, é evidente que a China entendeu esse contexto perfeitamente e está fazendo o que tem que fazer a favor dos seus interesses.

Parece que a Europa quer despertar e começa a olhar para a América Latina. A China virou o principal comprador dos produtos da América Latina, e não se deve estrategicamente depender sóspyur vbetum. E a Europa, que culturalmente estava mais perto da nossa região, tinha nos isolado.

O isolamento e a atitude que os Estados Unidos assumem agora pode levar a Europa a abrir os olhos para outras partes do mundo. E nada disso ocorria há cercaspyur vbetum ano.

spyur vbet BBC Brasil - Esse possível novo quadro pode ser positivo para a região?

spyur vbet Mujica - É preciso lembrar aquele ditado que diz "não há mal que não seja para o bem".

Vendaspyur vbetmaconha medicinal no Uruguaispyur vbet19spyur vbetjulhospyur vbet2017

Crédito, Reuters

Legenda da foto,

Estoquesspyur vbetfarmácias autorizadas a vender maconha no Uruguai esgotaram no primeiro dia

spyur vbet BBC Brasil - Nesta sexta-feira se reúnem os presidentes do Mercosul, na reunião semestral que está sendo realizadaspyur vbetMendoza, na Argentina. Hoje os presidentes são Temer, do Brasil, Macri, da Argentina, Horacio Cartes, do Paraguai, e Tabaré Vázquez, do Uruguai. Antes, o Mercosul parecia ter outro perfil com o senhor, Lula, Dilma, Fernando Lugo, Cristina Kirchner...

spyur vbet Mujica - Eu acho que a América Latina, porspyur vbethistória, tem um montãospyur vbetpaíses, mas ainda não conseguiu construirspyur vbetnação. Teremos a nação (América Latina) quando formos capazesspyur vbetnos integrar. Precisamosspyur vbetintegração para ter massa crítica.

E acho que todos os gestos que nos ajudem para que nos juntemos - sejamspyur vbetesquerda,spyur vbetdireita ouspyur vbetcentro - temos que apoiar, e apoiar com entusiasmo, porque o mundo está se organizandospyur vbetgigantescas comunidades e os latino-americanos estão pulverizados. Espero que os que hoje estão no Mercosul saibam da responsabilidade que têm.

spyur vbet BBC Brasil - Na Venezuela, foi realizada uma consulta popular sobre a Constituinte promovida pelo governo Nicolás Maduro, que teve maisspyur vbet7 milhõesspyur vbetparticipantes, segundo organizadores. E a eleição para a Assembleia Constituinte ocorre no final deste mês...

spyur vbet Mujica - Na Venezuela, estão todos muito exaltados e sem diálogo, e essa é a pior parte. Eles não atacam o principal problema, que é o econômico, resultadospyur vbetdependerspyur vbetum produto só.

spyur vbet BBC Brasil - O petróleo.

spyur vbet Mujica - Isso. E isso não se ajeita nem com discursos e nem com manifestações. É necessária uma políticaspyur vbettrabalhar na terra,spyur vbetproduzir alimentos. Se a Venezuela (o país importa quase tudo o que consome) não resolver o problema agrário, qualquer regime que o país tenha e sendo o petróleo caro ou barato, terá dificuldades.

spyur vbet BBC Brasil - A região pode ajudarspyur vbetalguma maneira? Hoje o presidente Nicolás Maduro conversa com o presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia. Estaria conversando também com o senhor?

spyur vbet Mujica - Tentei conversar com ele, mas não tive sorte.

spyur vbet BBC Brasil - Por quê? Ele não atendeuspyur vbetligação?

spyur vbet Mujica - Sim, atendeu, mas... (sugere que o presidente não lhe deu ouvidos). Na Venezuela, parece que cada um tem seu jeito, seu capacete, e não há lógica política.

spyur vbet BBC Brasil - Na última quarta-feira começou a vendaspyur vbetmaconha nas farmácias do Uruguai, uma medida aprovada pelo seu governo. Como foi o início?

spyur vbet Mujica - Espetacular. Bom até demais (os estoques das farmácias autorizadas esgotaram no primeiro dia, segundo a imprensa uruguaia).