Pesquisadores buscam vestígiosbrazzino 777 comum dos últimos 'navios negreiros' a atracar no Brasil:brazzino 777 com
O Camargo foi um dos últimos navios a conseguir transportar, clandestinamente, pessoas escravizadas ao país.
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"Há pouquíssimas notíciasbrazzino 777 comoutros depois dele, e o Camargo é o último do qual temos evidências concretas", afirma à BBC News Brasil a historiadora Martha Abreu, professora na Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora na Universidade Estadual do Riobrazzino 777 comJaneiro (Uerj).
Era uma história praticamente desconhecida até décadas atrás. Mas graças a trabalhos liderados por acadêmicos como Abreu, o quebra-cabeças desse navio importante para a história brasileira vem sendo montado.
E as peças vêmbrazzino 777 comtrês fontes. Primeiramente, os registros documentais. O caso Camargo acabou repercutindo na imprensa imperial da época e rendeu discussões até mesmo entre os políticos brasileiros.
"Trata-sebrazzino 777 comum acontecimento importante e simbólico, que repercutiu bastante na mídia nacional, foi discutido na Câmara dos Deputados. Havia uma insinuaçãobrazzino 777 comque estava acontecendo uma permissividadebrazzino 777 comautoridades locais a esses desembarques após a lei Eusébiobrazzino 777 comQueirós", contextualiza à BBC News Brasil o arqueólogo e historiador Luis Felipe Santos, presidente do Instituto AfrOrigens.
"Tem uma documentação escrita da polícia,brazzino 777 comministérios do império,brazzino 777 comautoridades. Há reclamações do desembarque, alegando que o governo permitiu, que não houve uma perseguição correta [dos criminosos]. O caso gerou notícia", acrescenta a historiadora Abreu.
A outra evidência são depoimentos colhidos na décadabrazzino 777 com2000 dos moradores do Quilombo Santa Rita do Bracuí, formado por descendentesbrazzino 777 comescravizados na regiãobrazzino 777 comAngra — atualmente, cercabrazzino 777 com130 famílias moram ali.
"Estávamos fazendo pesquisa sobre as memórias da escravidão e visitamos uma sériebrazzino 777 comquilombos", conta Abreu.
"Sabíamos que o do Bracuí era importante. Quando entrevistamos os mais velhos, identificamos que havia na memória oral a narrativabrazzino 777 comum barco que tinha sido afundado propositadamente muito tempo atrás."
A historiadora ressalta que "eles não sabiam o nome" da embarcação, mas contavam que era uma históriabrazzino 777 comum capitão que tinha afundado o navio "porque a polícia estava atrás dele". “E muitos africanos morreram, muitos se salvaram”, acrescenta ela.
O terceiro ponto que faltava eram os vestígios materiais do tal naufrágio. E é essa a história que começa a ser desvendada pelos pesquisadores.
Arqueologia submarina
Para a ciência brasileira, é um projeto ousado. A busca efetiva dos restos do brigue Camargo começou a ser desenhada há cercabrazzino 777 com15 anos.
De lá para cá, esforços foram somados. A empreitada une o projeto Passados Presentes: Memória da Escravidão no Brasil, da UFF; o Arquivo Nacional; o Slave Wrecks Project, uma rede internacional coordenada pelo Smithsonian Institution National Museum of African American History and Culturebrazzino 777 comconjunto com a George Washington University; o Laboratóriobrazzino 777 comArqueologiabrazzino 777 comAmbientes Aquáticos da Universidade Federalbrazzino 777 comSergipe; e o Instituto AfrOrigens, que tem no projeto Camargobrazzino 777 cominiciativa pioneira.
Depoisbrazzino 777 comum mapeamento da região onde mais provavelmente o naufrágio ocorreu, a equipe realizou três mergulhos para esquadrinhar a área, próxima à foz do rio Bracuí,brazzino 777 comAngra dos Reis.
O primeiro mergulho ocorreubrazzino 777 comnovembrobrazzino 777 com2022. Outro,brazzino 777 comdezembro. O mais recente foi agorabrazzino 777 comjulho. São expedições ainda preliminares,brazzino 777 comque os arqueólogos submarinos utilizaram equipamentos como sonares para buscar vestígiosbrazzino 777 comqualquer coisa que possa vir a ser um restobrazzino 777 comnavio afundado.
"Fizemos levantamentos, usando tecnologias para a realizaçãobrazzino 777 comimagens sonográficas subaquáticas que nos ajudaram no mapeamento dos locais com maior potencialbrazzino 777 comlocalização dos restos do navio", explica o arqueólogo Santos.
"Na fasebrazzino 777 comque nos encontramos já desenvolvemos o levantamento e agora estamos processando os dados."
Ele conta que duas áreas já delimitadas indicam "anomalias", ou seja, evidências do que podem ser os restos da embarcação. Mergulhos arqueológicos estão previstos para ocorrer, a partirbrazzino 777 comoutubro, para confirmar isso — e documentar o estadobrazzino 777 comque o provável Camargo se encontra.
"Vamos visualizar detalhes dessas estruturas para verificar se sãobrazzino 777 comuma embarcaçãobrazzino 777 commeados do século 19. São assinaturas técnicasbrazzino 777 comtecnologias náuticas,brazzino 777 comartefatos associados a contextos do naufrágio, isso que vai nos remeter ao mesmo tipobrazzino 777 comembarcação que era o Camargo ou às pessoas que estavam a bordo do Camargo, sejam elas parte da tripulação, sejam os escravizados vindobrazzino 777 comforma forçada", conta o arqueólogo.
A historiadora Abreu vislumbra uma grande descoberta. "A gente já sabe que o Camargo afundou ali e os motivos que o levaram a afundar. Agora é achar a materialidade do Camargo, trazer seus vestígios à tona", comenta ela.
"Isso é muito importante. É como se fosse uma prova, uma evidência material do crime. E a partir dali você pode criar um localbrazzino 777 commemória."
Estados Unidos
Se o paradeiro do Camargo ainda era incerto, a participação dos Estados Unidos no tráficobrazzino 777 comescravizados já tinha amplo conhecimento dentre os pesquisadores do tema.
Sobretudo depois da promulgação da Lei Eusébiobrazzino 777 comQueiroz, traficantes americanos passaram a fazer o comércio clandestinobrazzino 777 comportos improvisados ao longo da costa brasileira,brazzino 777 comuma triangulação entre América do Norte, África e América do Sul.
Mas essa rota não começou apenas depois da proibição do comérciobrazzino 777 comescravizados. Estudos indicam que pelo menos 430 navios americanos realizaram maisbrazzino 777 com500 viagens para vender africanos entre 1815 e 1850, na maioria para o Brasil e para Cuba.
Historicamente, acredita-se que a última embarcação dos Estados Unidos a trazer africanos para o Brasil foi Mary E. Smith, navio que deixou Bostonbrazzino 777 com1855 com destino ao Espírito Santo, com 400 negros a bordo.
Abordado por um vapor brasileiro, o navio foi escoltado até Salvador. Maisbrazzino 777 com70 escravizados já estavam mortos, devido às péssimas condições sanitárias. Em 15 dias, pelo menos outros 100 também morreram.
Os tripulantes do Mary E. Smith foram condenados a três anosbrazzino 777 comprisão porém, depoisbrazzino 777 comapelarem ao consulado americano, receberam o perdão oficial do próprio imperador Dom Pedro II (1825-1891).
Mas voltemos ao brigue Camargo. O traficantebrazzino 777 comescravos Nathaniel Gordon,brazzino 777 comuma ação pirata, roubou o naviobrazzino 777 com1851 na região da Califórnia. De lá, partiu para Moçambique, onde conseguiu forçar cercabrazzino 777 com500 negros a embarcarem.
Seu destino era o Brasil, onde ele faria dinheiro fácil vendendo os homens aos fazendeiros do café. Tudo indica que ele já conhecia a redebrazzino 777 comportos onde era possível transferir os africanosbrazzino 777 comforma clandestina. E seu destino foi justamente o Bracuí.
Ali havia a propriedade da família Breves, da qual dois irmãos eram envolvidos na já ilegal receptação dos escravizados. "Era uma fazendabrazzino 777 comrecepção, um localbrazzino 777 comengorda", explica Abreu. Como os africanos costumavam chegar muito debilitados depois da precária viagem, era comum que eles passassem por um períodobrazzino 777 comboa alimentação a fimbrazzino 777 comrecuperar massa e força física,brazzino 777 comum processo conhecido como "de engorda".
"O Bracuí era um portobrazzino 777 comchegada e negócios com o tráfico ilegal", sintetiza a pesquisadora.
O desembarque era feito às pressas, principalmente porque tinhabrazzino 777 comser realizado às escondidas.
"Muitas pessoas, principalmente nas últimas décadas [de escravidão] morriam não somente por conta da travessia oceânica, mas no processobrazzino 777 comdesembarque, abrupto e rápido", pontua Santos.
"Às vezes,brazzino 777 comuma cargabrazzino 777 com500 pessoas, 200 morriam no desembarque. Foi um capitalismo cruel que gerou milharesbrazzino 777 commortes e, por muito tempo, esse crime foi camuflado."
No caso do Camargo, registros documentais indicam que foi tudo bem orquestrado. Tão logo o brigue se aproximou da costa, diversas canoas foram ao encontro do barco e os africanos foram levados para a fazenda dos Breves.
De lá, depois da tal "engorda", os escravizados eram levados para fazendas produtorasbrazzino 777 comcafé. Segundo Abreu, no caso dos trazidos pelo brigue Camargo, o destino foram as plantações da regiãobrazzino 777 comBananal.
O incêndio realizado por Gordonbrazzino 777 comseguida visava a eliminar os vestígios e conseguir fugir.
Era uma prática que parecia valer a pena, já que a embarcação era roubada.
Além disso, um escravizado adquirido na África pelo equivalente a 40 dólares costumava chegar ao Brasil valendobrazzino 777 com400 a 1200 dólares. Um lucro muito alto.
A imprensa do império não deixou passar batido o caso. Em dezembrobrazzino 777 com1852, o jornal Diário do Riobrazzino 777 comJaneiro noticiou que um navio americano havia trazido escravizados a Bracuí.
Uma tropabrazzino 777 comcercabrazzino 777 com400 soldados chegou a ser enviada para patrulhar a região. As investigações levaram três meses mas apenas 38 africanos acabaram encontrados e resgatados.
Gordon conseguiu escapar e retornar aos Estados Unidos, onde seguiu traficando escravizados. Sua criminosa carreira internacional, contudo, foi interrompida graças a um julgamento.
Em 21brazzino 777 comfevereirobrazzino 777 com1862, condenado pela lei americana por envolvimento no comérciobrazzino 777 comescravizados, ele foi executado por enforcamento na cidadebrazzino 777 comNova York.
Passado redescoberto
Para os pesquisadores, reconstituir o que foi o brigue Camargo é conseguir entender melhor três pontas do outrora chamado "tráfico negreiro": da venda,brazzino 777 comMoçambique, à chegada, ao Brasil — passando pelo intermediário, americano.
"É uma história que não pode ser esquecida, uma história que comprova a exploração e o abuso que foi o tráficobrazzino 777 comafricanos ao Brasil e como tudo isso gerou tanta riqueza", salienta Abreu. "Uma história que não pode ficar escondida."
"O Camargo não foi um caso isoladobrazzino 777 comdesembarque clandestinobrazzino 777 comafricanos, mas estamos prestes a recuperar as provas materiais dos crimes que aconteceram naquela época", enfatiza Santos.
"Nossa pesquisa vai identificar as provas do crime contra a humanidade [que foi a escravidão], a partir da materialidade localizada nos espaços aquáticos, dando visibilidade a toda uma estruturabrazzino 777 comorganização do tráfico escravagista que por muito tempo foi desconsiderado pela pesquisa acadêmica."