A atriz britânica feminista que passou a agir como 'terrorista':estrela bet escritorio

Kitty Marion
Legenda da foto, Autobiografiaestrela bet escritorioKitty Marion estava ocultaestrela bet escritorioarquivosestrela bet escritoriomuseu até cair nas mãosestrela bet escritoriopesquisadora

O interesseestrela bet escritorioRiddell nas sufragistas começara cinco anos antes, quando ela estudava para um PhDestrela bet escritorioHistória - ainda que tenha relutado inicialmenteestrela bet escritorioabordar o assunto.

"Parecia uma armadilha: se você for uma jovem historiadora mulher, tem necessariamenteestrela bet escritorioescrever sobre mulheres e sufragistas", diz.

Mas uma descoberta acidental nos arquivos do Museuestrela bet escritorioLondres, feita com a ajuda da arquivista Beverley Cook, a fez mergulharestrela bet escritoriovez no assunto.

"Bev me disse: 'Tenho uma autobiografia não publicadaestrela bet escritoriouma jovem artista, vista por muito poucas pessoas. Ela também era suffragette. Será que você está interessada nisso?'", conta Riddell.

Era a autobiografiaestrela bet escritorioKitty Marion, uma proemiente sufragista.

"Na época, eu tinha a mesma impressãoestrela bet escritoriomuita gente sobre as sufragistas: sabia que elas quebravam vitrines, se acorrentavam a trilhos, eram alimentadas à força (em grevesestrela bet escritoriofome), protestavam. Eu achava que sabia tudo o que havia para saber sobre essas mulheres."

Fern Riddell
Legenda da foto, Fern Riddell descorbiu por acaso a históriaestrela bet escritorioKitty Marion - e a transformouestrela bet escritoriolivro

Radicalização

Ao ler meras cinco páginas da tal autobiografia, porém, Riddell se surpreendeu: no texto, Kitty falava abertamente sobre organizar incêndios criminosos. Há relatos tambémestrela bet escritorioque a autora do texto tenha sido responsável por atentados a bomba. Ou seja, diz Riddell, Kitty poderia ser chamadaestrela bet escritorio"terrorista".

"Kitty falaestrela bet escritoriomodo tão poderoso (no livro)", diz a pesquisadora. "E ela me contava uma história que eu nunca havia escutado. Mais tarde, perguntei a amigos, parentes e a outros acadêmicos, e eles tampouco haviam escutado isso. É uma parte da história que a maioria dos historiadores parece ter se esquivadoestrela bet escritorioexplorar - e eu estava ali, com acesso a uma fonte primária, a uma mulher que não era como ninguém outro dos livrosestrela bet escritoriohistória."

Riddell ficou no arquivo do museu até a horaestrela bet escritoriofechar. Leu a históriaestrela bet escritorioKitty Marionestrela bet escritoriouma vez só.

Origens

Katherina Maria Schafer chegou a Londres aos 15 anos, fugindoestrela bet escritorioum lar abusivoestrela bet escritorioseu país natal, a Alemanha. Sua mãe morrera quando ela era um bebê, e Katherina ficou sob os cuidadosestrela bet escritorioum pai violento e nada amoroso - que matou um bichinhoestrela bet escritorioestimação da filha quando notou que havia afeição entre ela e o animal.

Katherina foi morar com seus tios e primos no lesteestrela bet escritorioLondres e rapidamente aprendeu a falar inglês. Entrou por acaso no mundo do teatroestrela bet escritoriovariedades londrino e, pela primeira vez, sentiu que pertencia a um ambiente. Mudou seu nome para Kitty Marion e começou uma carreira como atriz e dançarina.

"Kitty ficou fascinada pelo mundo (do teatroestrela bet escritoriovariedades)", conta Riddell. "Os cabarés eram um nicho empolgante e cosmopolita da Londres vitoriana. Mulheres profissionais e casamentos inter-raciais eram comuns ali. Kitty tinha um grupo diversificadoestrela bet escritorioamigos - o filhoestrela bet escritorioum diplomata chinês lhe deu seu primeiro cigarro. Ela fez amizade com mulheres fortes, liberadas sexualmente, diferente das que eu conheço pelos livrosestrela bet escritoriohistória. As mulheres da Era Vitoriana britânica são descritas como vítimas sofredoras, não livres como as descritas na autobiografiaestrela bet escritorioKitty."

Kitty Marion

Crédito, Alamy

Legenda da foto, Kitty Marion era considerada pela polícia como uma das mais perigosas sufragistas

A princípio, Kitty não se interessava pela causa da igualdadeestrela bet escritoriogênero ou do direito das mulheres ao voto. Até que foi assediada por um agente, a quem se refere como "Sr. Lixo". O episódio a fez questionar seriamenteestrela bet escritoriocarreira,estrela bet escritoriouma indústria comandada por homens poderosos. Na autobiografia, Kitty diz que "todo o seu ser ficou revoltado" com o assédio.

"Poucas mulheres esquecem a primeira vez que foram assediadas - a primeira vez que alguém decidiu que tem o direitoestrela bet escritoriote tocar,estrela bet escritoriote beijar e te pegar sem pedir permissão", diz Riddell.

E, ao perceber que ela não era a única a passar por aquilo, Kitty começou a elaborar a ideiaestrela bet escritorioque "as mulheres merecem se sentir segurasestrela bet escritorioseu ambienteestrela bet escritoriotrabalho e ter independência, sem terestrela bet escritoriosacrificar seus corpos por isso. Foi o que fez Kitty se envolver com o movimento sufragista", conta a pesquisadora.

Kitty entrou para uma ligaestrela bet escritorioatrizes, que frequentemente realizava peças sufragistas. Depois, se uniu a grupos feministas e aderiu a manifestações populares, até, aos poucos, passar a praticar atos radicaisestrela bet escritoriodesobediência civil.

Prisão

Sua primeira passagem pela prisão ocorreu após Kitty atirar um tijoloestrela bet escritoriouma janelaestrela bet escritorioum escritório dos correios da cidadeestrela bet escritorioNewcastle. Assim como muitas outras suffragettes, ela participouestrela bet escritoriogrevesestrela bet escritoriofome, e foi alimentada pelas autoridadesestrela bet escritoriomodo extremamente violento: por um tubo enfiado à força no nariz ou na boca.

Em protesto contra esse tratamento, Kitty quebrou a lâmpadaestrela bet escritoriogásestrela bet escritoriosua cela prisional e, usando o colchão, ateou fogo ao local.

Ela acabou sendo presa diversas vezes, a maioria delas por incêndios criminosos.

Suffragette sendo alimentada à força

Crédito, Alamy

Legenda da foto, Suffragettes que faziam greveestrela bet escritoriofome eram submetidas a duras formasestrela bet escritorioalimentação forçada

Na noiteestrela bet escritorio13estrela bet escritoriojunhoestrela bet escritorio1913, ela e uma amiga sufragista atearam fogo à arquibancadaestrela bet escritorioum jóquei clubeestrela bet escritorioretaliação à morte da ativista Emily Wilding Davison, atingida pelo cavalo do rei britânico George 5º durante um protesto no Dérbiestrela bet escritorioEpsom. Kitty e a amiga foram detidas na manhã seguinte.

Na ocasião, ela foi alimentada à força 232 vezesestrela bet escritorioum único dia.

Ondaestrela bet escritorioviolência

Riddell ficou fascinada pela históriaestrela bet escritorioKitty, uma mulher que, ainda que não fosse particularmente conhecida, estava na trincheira do movimento sufragista e era conhecidaestrela bet escritoriosuas líderes.

A historiadora passou horas, e depois dias, meses e anos analisando centenasestrela bet escritoriomateriaisestrela bet escritorioarquivo (como diários, cartas, registros policiais e judiciais, memórias e reportagensestrela bet escritoriojornais) para traçar um panorama da vidaestrela bet escritorioKitty dentro do movimento. Assim, começou a emergir uma pouco conhecida história das suffragettes.

Alémestrela bet escritorioquebrar vitrines e iniciar incêndios, as mulheres colocavam frascosestrela bet escritoriofósforo nas caixasestrela bet escritoriocorreio - que rompiam quando manejadas e provocavam queimaduras graves nos carteiros. Elas também plantavam bombas.

Livroestrela bet escritoriosufragistas
Legenda da foto, Sufragistas adotaram táticas radicais emestrela bet escritorioluta pela igualdadeestrela bet escritoriogênero

"No princípioestrela bet escritorio1913, as suffragettes já haviam se tornado um grupo terrorista altamente organizado", argumenta Riddell. "Em maioestrela bet escritorio1913, houve 52 ataques, incluindo 29 bombas e 15 incêndios no país."

Bombas caseiras, muitas parecidas às que Riddell viu no atentado recente ao metrôestrela bet escritorioLondres, foram plantadasestrela bet escritorioigrejas, carrosestrela bet escritoriotrens lotados, estações, e a historiadora diz que a intenção por trás dos explosivos era causar ferimentos.

"As bombas não detonavam instantaneamente como fazem hojeestrela bet escritoriodia. Elas soltavam ruídos e fumaça e davam tempo para que as pessoas escapassem. Mas eram colocadasestrela bet escritoriolocais públicos."

Em panfletos, a líder sufragista Emmeline Pankhurst chamouestrela bet escritoriomilitânciaestrela bet escritorio"uma guerrilha continuada e destrutiva contra o governo". Tanto as suffragettes quanto a polícia diziam haver um "reino do terror". Jornais falavamestrela bet escritorio"terrorismo suffragette".

"Sem dúvida, tudo isso tinha as marcas do que hoje definimos como terrorismo", diz Riddell.

Recordaçõesestrela bet escritorioKitty Marion
Legenda da foto, Kitty guardava registros jornalísticos dos atos violentos atribuídos às sufragistas

'Confissões'

Emestrela bet escritorioautobiografia, Kitty é mais clara a respeito dos incêndios.

Ela guardou registros dos incêndios que provocou, mas também reportagens sobre explosõesestrela bet escritorioautoria não identificada. Riddell acredita que foi uma formaestrela bet escritorioKitty assumir responsabilidade por esses ataques.

Há, também, cartas com informações reveladoras.

O texto indica, segundo Riddell, que as sufragistas fizeram uma tentativa coordenada,estrela bet escritorioanos posteriores,estrela bet escritorioremover referências a seus atos mais violentos nas memórias que publicaram.

Quando a historiadora começou a falar publicamente sobre os atos mais violentosestrela bet escritorioKitty, enfrentou críticasestrela bet escritoriohistoriadores do sufragismo.

"Um me escreveu dizendo que minha pesquisa era 'vergonhosa' e eu 'não deveria prosseguir', o que foi muito intimidatório para mim, uma jovem estudanteestrela bet escritorioinícioestrela bet escritoriocarreira", conta.

"Outros agiram na defensiva, dizendo que não havia maior formaestrela bet escritorioocultar a memória sufragista. (Mas) gostariaestrela bet escritorioperguntar às pessoas que não estão na bolha da elite acadêmica: você ou seus amigos já ouviram falarestrela bet escritoriomulheres-bomba sufragistas? Já ouviu elas serem chamadasestrela bet escritorioterroristas?"

Riddell diz que apenas a eclosão da Primeira Guera Mundial,estrela bet escritorio1914, conteve a escalada da militância suffragette.

Livroestrela bet escritorioKitty Marion
Legenda da foto, Arquivosestrela bet escritorioKitty Marion no Museuestrela bet escritorioLondres serão digitalizados e disponibilizados ao público

A última detençãoestrela bet escritorioKitty Marion ocorrera no ano anterior. Ela foi condenada a três anosestrela bet escritorioprisão e cumpriu alguns mesesestrela bet escritoriopena até ser transferida a um hospital, após a aprovaçãoestrela bet escritoriouma lei liberando prisioneiros demasiadamente enfraquecidos por grevesestrela bet escritoriofome até queestrela bet escritoriosaúde melhorasse.

A Primeira Guerra deu ao governo britânico a oportunidade, diz Riddell,estrela bet escritorioacusar uma das mais perigosas mulheres do movimento suffragetteestrela bet escritorioser uma "espiã alemã".

Exílio

Mas Kitty tinha amigas leais, e muitas sufragistas a ajudaram a viajar aos EUA,estrela bet escritoriovezestrela bet escritoriovoltar à prisão.

Ao chegar a Nova York, Kitty se dedicou a uma nova causa feminista: o movimento pelos direitos reprodutivos das mulheres.

"Eis uma mulher cuja vida fez um elo entre dois dos grandes movimentos do nosso tempo, e ainda assim ninguém a conhece", diz Riddell.

A pesquisa da historiadora acabou se transformandoestrela bet escritorioum livro recém-publicado, Death in Ten Minutes (Morteestrela bet escritorioDez Minutos,estrela bet escritoriotradução livre).

Riddell afirma, porém, que não está tentando manchar a reputação das suffragettes, que tiveram um importante papel na luta pela igualdadeestrela bet escritoriogênero.

"Fiquei muito admirada com essas mulheres", diz. "Mas não podemos ocultar o fatoestrela bet escritorioquem elas eram emestrela bet escritorioplenitude. Há um velho ditado que diz, 'o terroristaestrela bet escritorioum homem é o combatente da liberdadeestrela bet escritoriooutro homem'. É a mesma situação aqui."

Hoje, Riddell mantém uma fotoestrela bet escritorioKitty emestrela bet escritoriocasa.

"Kitty queria desesperadamente queestrela bet escritoriohistória fosse contada, e tenho orgulhoestrela bet escritoriofinalmente poder fazer isso por ela", diz. "Todos deveriam conhecer as escolhas difíceis e perturbadoras que essas mulheres fizeram para que nós pudéssemos ser livres."