Luiz Gama: textos inéditos mostram como abolicionista denunciava violência policial no século 19:roleta francesa truques
- Leandro Machado
- Da BBC News Brasilroleta francesa truquesSão Paulo
roleta francesa truques Um caso bárbaroroleta francesa truquesviolência chocou o advogado abolicionista Luiz Gama roleta francesa truques roleta francesa truques1880. Quatro jovens negros e escravizados se apresentaram à delegaciaroleta francesa truquesuma vila da cidade fluminenseroleta francesa truquesParaíba do Sul, que hoje se chama Três Rios, na divisa com Minas Gerais. Ao delegado, eles confessaram ter matado o filho do seu senhor — um homem rico e donoroleta francesa truquesmuitos cativos.
Matar o senhor e voluntariamente confessar o crime era comum à época. Muitos negros preferiam a prisão à escravidão, que vivia seu período final e só seria abolida pela Lei Áurea oito anos depois,roleta francesa truques13roleta francesa truquesmaioroleta francesa truques1888. Mas a punição da Justiça aos quatro jovens foi diferente neste caso.
Segundo Luiz Gama, as autoridades policiais, ao saberem do assassinato, chamaram a população da cidade à delegacia. Compareceram 300 pessoas armadas e sedentasroleta francesa truquesvingança pelo assassinatoroleta francesa truquesum membro importante da sociedade. A polícia então abriu as portas da delegacia.
Em um texto publicadoroleta francesa truquesum jornal da época, Gama narra as cenasroleta francesa truquesbarbárie que se seguiram. Ironicamente, ele pede aplausos aos linchadores, a quem chama "patriotas armados":
" (...) E, aí, a virtude exaspera-se, a piedade contrai-se, a liberdade confrange-se, a indignação referve, o patriotismo arma-se, trezentos concidadãos congregam-se, ajustam-se, marcham direitos ao cárcere e aí (oh! é preciso que o mundo inteiro aplauda), à faca, a pau, à enxada, a machado, matam valentemente a quatro homens; menos ainda, a quatro negros; ou, ainda menos, a quatro escravos manietadosroleta francesa truquesuma prisão!"
Esse texto, um dos mais conhecidos do abolicionista, faz parte das Obras Completasroleta francesa truquesLuiz Gama que serão lançadas nos próximos dias pela editora Hedra, um acontecimento importante para os estudos do abolicionismo, da escravidão e do pensamento do advogado. Serão dez volumes com 750 textos, maisroleta francesa truques600 deles inéditos, segundo a editora. O material, que também contém teses jurídicas, nunca tinha vindo a público depoisroleta francesa truquespublicadosroleta francesa truquesjornais da época ou processos judiciais.
Os textos foram garimpados pelo historiador Bruno Rodriguesroleta francesa truquesLima, doutorandoroleta francesa truquesHistória do Direito na Universidaderoleta francesa truquesFrankfurt, na Alemanha, e pesquisador do Instituto Max Planck. Lima estuda a vida e a obraroleta francesa truquesLuiz Gama há maisroleta francesa truquesuma década e descobriu a maioria dos artigosroleta francesa truquesarquivos públicos espalhados por São Paulo, Rioroleta francesa truquesJaneiro e Bahia.
A obra vem à luzroleta francesa truquesum momentoroleta francesa truquescrescente interesse por Luiz Gama, um ex-escravo que se tornou tipógrafo, jornalista, donoroleta francesa truquesjornal, poeta, escrivãoroleta francesa truquespolícia, abolicionista e advogado autodidata que, usando apenas a lei, libertou centenasroleta francesa truquespessoas da escravidão no século 19.
Nos últimos anos, uma sérieroleta francesa truquespublicações tem resgatado seu legado, como o livro Liçõesroleta francesa truquesresistência: artigosroleta francesa truquesLuiz Gama na imprensaroleta francesa truquesSão Paulo e do Rioroleta francesa truquesJaneiro (Edições Sesc), lançado no ano passado e organizado pela pesquisadora Lígia Fonseca Ferreira.
Na quinta-feira (5/8), estreia o filme Doutor Gama, baseado na vida do abolicionista e dirigido pelo cineasta Jeferson De. O ator César Mello interpreta o advogado no longa.
Crônica policial
Parte dos textos inéditos revelados agora reforçam uma característicaroleta francesa truquesGama pouco conhecida do grande público: alémroleta francesa truquesadvogado que lutava contra a escravidão nos tribunais, ele foi um dos primeiros jornalistas que se dedicaram a denunciar nos jornais a violência sofrida pela população negra do país, principalmente no Estadoroleta francesa truquesSão Paulo.
"Gama era uma espécieroleta francesa truquescronista da violência e da cidade", explica Bruno Lima, que escreveu milharesroleta francesa truquesnotas explicativas sobre os textos no calhamaçoroleta francesa truques5 mil páginas das Obras Completas do advogado. "Como ele viajava bastante para atuar nos tribunais, ficava sabendoroleta francesa truquescasos que aconteciamroleta francesa truquesmuitas comarcasroleta francesa truquesSão Paulo. Ele usava os jornais para fazer essas denúncias, que,roleta francesa truquesalguns casos, até viraram processosroleta francesa truquesque ele mesmo atuava."
Muito antes do jornalismo policial ter importância na imprensa brasileira, Gama escreveu sobre casosroleta francesa truquesviolência policial, espancamentos, invasãoroleta francesa truquesdomicílio e assassinatos. "Ele sempre teve como mote a denúncia da violência da escravidão, mas também a violência racista sofrida pela comunidade negra que já era livre", diz Lima.
Segundo o historiador, o caso dos quatro jovens espancados até a morte não é importante apenas como registro histórico, mas também para entender o pensamentoroleta francesa truquesGamaroleta francesa truquesrelação à escravidão.
Há uma frase atribuída ao ativista, embora ele nunca tenha escrito exatamente dessa forma: "O escravo que mata o senhor, sejaroleta francesa truquesque circunstância for, mata, sempre,roleta francesa truqueslegítima defesa".
"Esse conceito aparece muitas vezes na obraroleta francesa truquesGama. Ele acreditava que, como a escravidão era uma violência contra o direito natural e inalienável do homem, o escravizado não só podia matar o seu senhor, como tinha razão moralroleta francesa truquesfazê-lo. Para Gama, os criminosos não eram os quatro jovens, mas o senhor que os escravizava. Então, quando mataram o senhor, eles praticaram um direito natural à legítima defesa contra essa primeira violência. Para Gama, eles eram as vítimas", explica Lima.
No texto, o jornalista diz invejar os "quatro Spartacus" envolvidos no assassinato do fidalgo. Spartacus, escravo que liderou uma revolta contra o Império Romano, é um personagem importante na trajetória do Gama, que assinou váriosroleta francesa truquesseus artigos com esse nome. Ele também escreveu sob o codinomeroleta francesa truquesJohn Brown,roleta francesa truquesreferência a um abolicionista americano que liderou uma revolta armada contra a escravidão, no século 19.
Segundo Lima, a escolha dos heterônimos não foi aleatória: era uma característica do projeto abolicionista e literárioroleta francesa truquesGama. "Ele se colocava nessa posição, não apenasroleta francesa truquesum advogado que trabalhava com as leis, masroleta francesa truquesum escritor que radicalizava os conceitos e a prática. Uma pessoa que enxergava a resistência radical à escravidão como uma saída", diz.
Para Marcelo Ferraro, doutorroleta francesa truquesHistória Social pela Universidaderoleta francesa truquesSão Paulo (USP), Gama foi nos últimos anos celebrado por movimentos conservadoresroleta francesa truquescontraponto a nomes do movimento negro ligados a uma resistência guerreira, como Zumbi dos Palmares. Isso porque Gama ainda é visto como um ativista "moderado".
"Mas essa é uma visão equivocada da trajetória dele. Gama tinha um pensamento radical,roleta francesa truquesenfrentamento da escravidão com uso da reação como legítima defesa. Esse texto sobre o linchamento dos jovens deixa explícita essa ideia", explica.
Segundo Ferraro, o linchamento dos "quatro Spartacus" era uma "violência nova" no Brasil do século 19: esse tiporoleta francesa truquescrime era mais comum nos Estados Unidos.
"Nessa época,roleta francesa truques1880, esse tiporoleta francesa truquesviolência já era contestada e criticada entre as classes mais esclarecidas, que já se colocavam contra a escravidãoroleta francesa truquesalguns jornais que não pertenciam às elites escravocratas. José do Patrocínio também fazia denúncias parecidas nos jornais do Rio. Era para esse público que Gama e outros abolicionistas escreviam", diz Ferraro, que pesquisa violência e escravidão no Brasil e nos Estados Unidos.
'Não é permitido ao negro divertir-se'
Um dos textos inéditosroleta francesa truquesLuiz Gama, revelado agora pelo historiador Bruno Rodriguesroleta francesa truquesLima, conta outra históriaroleta francesa truquesabuso policial contra a população negraroleta francesa truquesSão Paulo.
Em uma curta crônica no jornal Gazeta do Povoroleta francesa truquesjunhoroleta francesa truques1881, Gama relatou que um moçambicano livre chamado Joaquim Antonio tinha sido autorizado pela polícia a dar uma festaroleta francesa truquescasa. Na época, pessoas negras precisavam informar e até pagar às autoridades pelo direitoroleta francesa truquesrealizar alguma comemoração.
"O africano livre Joaquim Antonio, morador ao marco da Meia Légua, obteve do digno sr. capitão Almeida Cabral, subdelegado do distrito, licença para dar um divertimento. Já não é pouco: neste país clássico da liberdade não é permitido ao negro divertir-se, emroleta francesa truquescasa, sem licença da polícia!", escreveu Gama, sempre com um toque irônico ao falar do Brasil.
O texto não diz exatamente onde ocorria a festa. Mas, segundo Lima, provavelmente foi no Brás, Zona Lesteroleta francesa truquesSão Paulo, bairro à épocaroleta francesa truquesperiferia e ocupado principalmente por trabalhadores negros livres. "Os marcosroleta francesa truquesmeia légua demarcavam a distânciaroleta francesa truques3,3 kmroleta francesa truquescada ponto cardeal com a praça da Sé. Gama eroleta francesa truquesfamília viviam nessa região. Provavelmente, ele soube do caso porque era vizinho do africano", diz o historiador.
O jornalista continua a crônica: o moçambicano Joaquim Antonio festejava com os amigos dentroroleta francesa truquescasa quando escutou um chamado da polícia do ladoroleta francesa truquesfora, pedindo para que ele interrompesse o encontro.
"Joaquim Antonio fechou aroleta francesa truquesporta e continuou a divertir-se, com outros seus amigos negros. A patrulha arrombou a porta, penetrou na casa (era meia noite!), saqueou-a, mediante rigorosa busca, prendeu o africano livre, que reclamara contra o ato e,roleta francesa truquesseguida, arrombou mais duas casasroleta francesa truquesafricanos, sem fundamento nem razão!", relatou Gama.
Ele finaliza a crônica com um alerta às autoridades: "A pessoa que isto escreve estároleta francesa truquestudo bem informada; e já instruiu aos pretos que,roleta francesa truquesanálogas circunstâncias, repilam a agressão a ferro e à bala. O exmo. sr. dr. cheferoleta francesa truquespolícia tem meiosroleta francesa truquesimpedir desaforos desta ordem. Sabemos, pelo seu nobre caráter, que é incapazroleta francesa truquesautorizar tropelias tais".
Para Lima, a crônica tinha também um caráterroleta francesa truques"petição jurídica", porque Gama endereçou o texto ao cheferoleta francesa truquespolíciaroleta francesa truquesSão Paulo, alémroleta francesa truquescitar o capitão responsável pelo caso e o nome da vítima da agressão.
"Há uma estruturaroleta francesa truquespetiçãoroleta francesa truquesdireito. Gama ainda avisa que, como advogado, instruiu as vítimas a atirar nos policiais caso ocorresse uma nova invasão ilegal. Isso é o abolicionismo negro radical, fincado na defesa armada", explica o historiador.
Crimes atuais
Os textosroleta francesa truquesGama sobre crimes e abusos no século 19 apontam para um problema que ainda hoje assombra a sociedade brasileira: a violência policial. No ano passado, por exemplo, 6.416 pessoas foram mortas pelas forçasroleta francesa truquessegurança no país, segundo relatório do Fórum Brasileiroroleta francesa truquesSegurança Público. É um recorde histórico.
Desse total, 78,9% das vítimas eram negras e 76,2% tinham entre 12 e 29 anos. Das 50 mil mortes violentas registradas no Brasil no ano passado, 76,2% tiveram pessoas negras como vítimas - 54% da população brasileira é formada por negros (pretos e pardos), segundo o Instituto Brasileiroroleta francesa truquesGeografoa e Estatística.
Essa proporção desigual se repete quando os policiais são as vítimas: 62,% dos 194 policiais mortos violentamente no ano passado também eram negros.
Para Lívio Rocha, investigador da Polícia Civilroleta francesa truquesSão Paulo e mestreroleta francesa truquesGestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas, a violência denunciada por Luiz Gama demonstra que, já no século 19, as forçasroleta francesa truquessegurança tinham como projeto a proteção e o cuidado da elite branca e rica,roleta francesa truquesdetrimento da população pobre e negra, muitas vezes tratada com brutalidade.
"A violência estatal é uma característica da história do Brasil. Ela passa pela Monarquia, por Getúlio Vargas, pela ditadura militar e pela democracia. É um problema estrutural, que independe se o governo éroleta francesa truquesesquerda,roleta francesa truquesdireita,roleta francesa truquescentro. Nunca houve interesse políticoroleta francesa truquestornar a polícia mais democrática", diz Rocha, que também é pesquisador na Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro do Fórum Brasileiroroleta francesa truquesSegurança Pública.
"A formação do policial não é crítica. Discussões sobre racismo e direitos humanos são feitasroleta francesa truquesmaneira formalista e protocolar, sem espaço para reflexão sobre a atuação do policial. Costumo perguntar para meus colegas: quantos chefes negros você já teve na polícia? São muito poucos. Os policiais negros também são os que mais morrem no trabalho, mas o próprio policial não fala sobre isso", diz Rocha, que também milita no movimento negro.
Morrer livre
Luiz Gama morreuroleta francesa truques24roleta francesa truquesagostoroleta francesa truques1882. Portanto, depoisroleta francesa truquesdécadas militando contra a escravidão, o advogado e jornalista não viu a abolição completa que só viria pela Lei Áurea.
Pouco maisroleta francesa truquesum ano antes, ele escreveu uma crônica, redescoberta por Lima, sobre uma escravizada que "sonhavaroleta francesa truquesmorrer livre". Para isso, ela guardou dinheiro durante a vida para comprarroleta francesa truquesliberdade, como tinha direitoroleta francesa truquesfazer.
"Há maisroleta francesa truquesum ano a preta Brandina, maiorroleta francesa truques70 anos, escrava do fazendeiro sr. Barbosa Pires, do distritoroleta francesa truquesPirassununga, requereu a alforria por meioroleta francesa truquesretribuição pecuniária e exibiu, com aroleta francesa truquespetição, pecúlio regularmente constituído, no valorroleta francesa truques200$000roleta francesa truquesdinheiro", começa Gama.
Mas, dessa vez, o obstáculo para a liberdade não era só o senhorroleta francesa truquesescravos, mas a Justiça. O fidalgo, "para evitar maus exemplos" contra seu direito patrimonial, não aceitou a libertaçãoroleta francesa truquesBrandina. O caso chegou ao tribunal. "Os juízes, que não apreciam monomania emancipadora e dão razão ao sr. Barbosa Pires, não depositaram a libertanda, deixaram-naroleta francesa truquespoder do senhor", conta Gama.
Mas a históriaroleta francesa truquesBrandina, impedida pela Justiçaroleta francesa truquesgozar uma morte livre, não termina aí.
"Brandina, a desgraçada velha candidata à mortalha, para evitar os rigores do cativeiro, no derradeiro quartel da vida, fugiu da casa do senhor, meteu-se pelos matos, já que não encontrou juízes humanos nas povoações, no seio das sociedades civilizadas", escreveu Luiz Gama.
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