Como desnutrição, toxinas na água e agrotóxicos criaram 'bolsõescbet en pokermicrocefalia' no Brasil:cbet en poker

Logicamente, essa conversa com a amiga aconteceu antescbet en poker2015. Naquele ano, o zika, um vírus pouco conhecido, desembarcou no Brasil e foi inicialmente caracterizado como um "primo-irmão" da dengue, transmitido pelo mesmo Aedes aegypti e responsável por sintomas mais leves.

Mas a realidade mostrou-se muito mais complexa. Em maternidades espalhadas pelo país, os médicos começaram a notar um aumento anormalcbet en pokercasoscbet en pokermicrocefalia — justamente a condição estudada por Garcez.

As suspeitascbet en pokerque o zika poderia estar por trás do fenômeno logo se confirmaram, graças a uma sériecbet en pokerpesquisas publicadas por cientistas brasileiros (incluindo ela própria) ao longocbet en poker2015 e 2016.

"Quando começou o boom de microcefalia, eu não conseguia dormir… Lia tudo o que saía na imprensa e pensavacbet en pokercomo poderia contribuir, já que sou especialista no assunto e não há muitos pesquisadores nessa área", destaca ela.

Foi assim que começaram a surgir ideias, projetos, colaborações e estudos. À época, Garcez estava vinculada à UFRJ, instituição pela qual publicou todos os artigos que serão citados ao longo da reportagemcbet en pokerparceria com o Instituto D'Or e a Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) no Riocbet en pokerJaneiro.

Mais recentemente, ela assumiu um cargocbet en pokerprofessora no King's College, uma instituição acadêmica sediadacbet en pokerLondres, no Reino Unido.

Uma das inquietaçõescbet en pokerGarcez na relação entre zika e microcefalia envolvia a desproporçãocbet en pokercasoscbet en pokerdeterminadas regiões.

"Até pouco antes da pandemiacbet en pokercovid-19, o Brasil concentrava cercacbet en poker95% dos casos da síndrome congênita do zika (SCZ)", calcula ela.

A SCZ é o termo usado pelos especialistas para descrever todas as alterações no fetocbet en pokerdesenvolvimento que são provocadas pela infecção por este vírus — que incluem a microcefalia, alémcbet en pokeralterações visuais, auditivas, motoras…

A biomédica destaca que uma pesquisa realizada na Flórida, nos Estados Unidos, estimou que 1% das grávidas infectadas pelo zika transmitiram o vírus para o feto, durante a gestação.

"No Brasil, essa taxa variou entre 3%, 13%, até 40%, a dependercbet en pokercomo cada estudo foi feito", compara ela.

E, mesmo dentro do país, há diferenças importantescbet en pokeracordo com a localidade dos casos.

Um estudo feito pela FioCruz Bahia e outras instituições destaca que, entre setembrocbet en poker2015 e abrilcbet en poker2016, o Brasil teve 41.473 casos prováveiscbet en pokerzika entre gestantes.

A maioria dessas infecções aconteceu no Sudeste (44,6% do total), seguido por Nordeste (26,8%), Sul (26,8%), Centro-Oeste (12,7%) e Norte (11%).

No entanto, dos 1.950 casoscbet en pokermicrocefalia relacionados à infecção identificados nesse períodocbet en pokertodo o Brasil, 70,4% dos quadroscbet en pokerSCZ aconteceram no Nordeste.

"O que explica uma assimetria tão grande? Por que algumas pessoas são mais atingidas que outras?", pergunta Garcez.

O grupocbet en pokerpesquisadores do qual ela faz parte começou a encontrar algumas respostas para essas questões — e, embora ainda restem muitas dúvidas pelo caminho, eles já descobriram que a desnutrição, algumas toxinas presentes na água e certos agrotóxicos ajudam a entender o que aconteceu no Brasil durante o surtocbet en pokerzika.

Falta proteína no prato

Uma das primeiras hipóteses que a biomédica resolveu investigar envolvia a nutrição materna. Será que a qualidade da dieta da gestante poderia ter alguma influência no desenvolvimentocbet en pokeruma microcefalia no bebê?

"Fizemos parcerias com epidemiologistas, que foram às regiões com mais casoscbet en pokermicrocefalia e identificaram quadroscbet en pokerdesnutrição severa, acima da média, entre muitas dessas mulheres", explica Garcez.

Com base nesse dado, o grupo resolveu avaliar se a faltacbet en pokerproteínas na alimentação da gestante poderiacbet en pokeralguma maneira contribuir para que o zika conseguisse invadir a placenta e causar estragos no cérebrocbet en pokerdesenvolvimento do feto.

Os cientistas focaram no grupo das proteínas, que inclui carnes, ovos, lácteos, entre outros, porque esses alimentos são geralmente os mais caros da cesta básica — e, por essa razão, são menos consumidos por famílias que enfrentam dificuldades econômicas.

As autoridadescbet en pokersaúde estabelecem que uma gestante deve comer entre 60 e 100 gramascbet en pokerproteína por dia.

"E essa é uma meta que pode ser atingida facilmente se a pessoa tem uma dieta normal, sem restrições financeiras", observa Garcez.

Para testar essa hipótese, os especialistas restringiram a dietacbet en pokercamundongos gestantes no laboratório, que passaram a ter acesso a menos proteínas do que o indicado e também foram infectados com o zika.

Os resultados mostram que essa combinação (restriçãocbet en pokerproteínas + infecção por zika) levou a alterações severas na estrutura da placenta e no crescimento do embrião. Os ratinhos que nasceram apresentavam uma menor formaçãocbet en pokerneurônios e um cérebrocbet en pokertamanho reduzido — ou seja, um quadro similar à SCZ.

O mesmo não aconteceu com os camundongos gestantes que só comeram menos proteínas ou aqueles que foram apenas infectados com o zika. Isso sugere que a junção dos dois fatores ajuda a entender parte desse cenário.

"Suspeitamos que a desnutrição materna pode causar uma supressão do sistema imune,cbet en pokermodo que o vírus consegue atravessar a placenta e causar danos", sugere a biomédica.

Quando o zika ultrapassa a barreira placentária — especialmente nos primeiros mesescbet en pokergestação, quando a formação do cérebro está nas etapas iniciais — o estrago é quase certo.

"O zika tem uma capacidade notávelcbet en pokerinfectar as células-tronco neurais, que são as 'mães'cbet en pokertodos os neurônios e formam o Sistema Nervoso Central", ensina a biomédica.

Seca e cianobactérias

Durante as pesquisas, Garcez conversou com o neurocientista Stevens Rehen e o biólogo Renato Molica, especialistacbet en pokercianobactérias, um tipocbet en pokermicro-organismo que vive na água e obtém energia por meio da fotossíntese.

"Ele me contou que havia uma espéciecbet en pokercianobactéria presentecbet en pokerreservatórioscbet en pokerágua, especialmentecbet en pokerregiõescbet en pokermuita seca, que produz uma substância neurotóxica, com capacidadecbet en pokerafetar o cérebro", lembra ela.

A cianobactériacbet en pokerquestão é a Raphidiopsis raciborskii, que fabrica uma substância chamada saxitoxina.

Vale lembrar que, a partircbet en poker2012, poucos anos antes da chegada do zika ao Brasil, a região Nordeste enfrentou uma das piores secascbet en pokersua história. Os mais afetados precisaram recorrer às águascbet en pokerreservatórios, que muitas vezes acumulam esses micro-organismos.

Será que uma coisa tinha a ver com a outra? O consumo da saxitoxina poderiacbet en pokeralguma maneira "turbinar" os efeitos do zika no cérebro do bebêcbet en pokerformação?

Os experimentos mostraram que sim: o contato com a substância neurotóxica dobrou a quantidadecbet en pokercélulas neurais mortas pelo zikacbet en pokertestes com organoides, ou "minicérebros" cultivadoscbet en pokerlaboratóriocbet en pokerRehen.

"Também colocamos essa cianobactéria na água consumida por camundongos gestantes, cujos fetos ficaram mais suscetíveis à SCZ", descreve Garcez.

"Essa toxina já causa um certo desarranjo nas células-tronco neurais. Mas, junto com o zika, esse efeito fica muito pior", complementa ela.

Essa observação acrescentou mais uma evidência que ajuda a entender a discrepância nos númeroscbet en pokermicrocefalia por região. Mas havia outras dúvidas e descobertas pela frente.

Ação dos agrotóxicos

Garcez lembra que o Centro-Oeste também apresentou números mais elevadoscbet en pokermicrocefalia durante o surtocbet en poker2015 e 2016.

Um boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúdecbet en pokersetembrocbet en poker2022 aponta que essa foi a segunda região mais afetada pela SCZ.

"E lá a condição socioeconômica é mais elevada que a do Nordeste e não houve aquela questão da seca", observa a cientista.

"Mas sabemos que essa é uma região que usa grandes quantidadescbet en pokeragrotóxicos e herbicidas, por ter muitas terras dedicadas à agricultura", complementa ela.

Para avaliar se essas substâncias usadas nas plantações poderiam ter alguma influência nesses casos, o grupocbet en pokerGarcezcbet en pokercolaboração com o pesquisador Flavio Lara, da FioCruz, fez um mapa dos agrotóxicos mais aplicados no país.

"Depois dessa triagem inicial, encontramos o 2,4-D, um herbicida muito usado no Centro-Oeste", destaca a biomédica.

Ao fazer os testescbet en pokerlaboratório, os pesquisadores viram aquele mesmo efeito sinérgico observado com a desnutrição e as toxinas das cianobactérias: os camundongos gestantes que foram infectados com zika e tomaram água com 2,4-D tinham maior riscocbet en pokergerar descendentes com problemas no desenvolvimento cerebral.

"E as quantidadescbet en poker2,4-D que foram usadas no estudo estavam dentro do considerado aceitável", destaca Garcez.

Vale destacar que esse último estudo ainda não foi publicadocbet en pokerrevistas acadêmicas, algo que deve acontecer nos próximos meses. Essa etapa é fundamental para que o experimento seja revisado por especialistas independentes.

Quem é o verdadeiro culpado

Garcez lembra que, apesar da importânciacbet en pokerconhecer todos os cofatores que ampliam a susceptibilidade à microcefalia, é preciso estabelecer as prioridades e os focos.

"O zika é o grande vilão dessa história", lembra ela.

A pesquisadora também conta que algumas suspeitas não se comprovaram nas pesquisas.

"Nós testamos o herbicida glifosato, por exemplo, mas não observamos qualquer sinergia com o zika", cita ela.

A biomédica acrescenta que algumas pesquisas feitas por outros grupos sugerem que infecções prévias por dengue podem alterar o riscocbet en pokertransmissão vertical do zika (da gestante para o fetocbet en pokerformação), embora esse tema ainda seja controverso.

"Outro ponto explorado é a questão do aborto. Sabemos que mulherescbet en pokeralgumas regiões do país têm maior acesso ao procedimento, mesmo que ele não esteja legalizado no Brasil nesses casos", acrescenta Garcez.

Ou seja: pode ser que algumas gestantes que tiveram zika e receberam o diagnósticocbet en pokerSCZ no bebêcbet en pokerdesenvolvimento tenham optado por não seguir com a gravidez adiante.

"E isso pode confundir e mascarar um pouco esse mapa da SCZ", diz ela.

Por fim, a biomédica destaca que ainda há muito a se descobrir sobre o zika e os "bolsõescbet en pokermicrocefalia".

"Nós precisamos entender melhor por que algumas mulheres têm mais propensão a transmitir o zika para o feto. Será que há alguma característica do vírus ou da genética das pacientes que aumente o riscocbet en pokerSCZ?", questiona a especialista.

"Também precisamos conhecer quais são as consequências da síndrome congênita a longo prazo. Como esses pacientes que tiveram o cérebro afetado pelo zika vão se desenvolver? Como elas estarão na fase adulta? Eles conseguirão ser independentes ou estudar?", complementa ela.

Encontrar essas respostas é importante não apenas para passar a limpo o surtocbet en pokerzika que ocorreu há quase uma década — mas também para lidar com as futuras crises relacionadas a esse vírus.

"O surto pode acontecercbet en pokernovo, pois o zika continua a circular e o mosquito Aedes aegypti está sempre por aí. Além disso, as novas gerações não estarão imunes a essa infecção", conclui ela.