'Maconha sintética': quais os efeitos das drogas K no organismo?:zero roleta

Pessoa preparando cigarro com K2

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Os canabinoides sintéticos imitam a ação da maconha ezero roletaneutrotransmissores produzidos pelo nosso corpo — só que numa potência 'massiva e brutal'

A origem das drogas K

O toxicologista Maurício Yonamine, da Faculdadezero roletaCiências Farmacêuticas da Universidadezero roletaSão Paulo (USP), explica que os canabinoides sintéticos são um grupozero roletanovas drogas que tem conquistado um espaço importante no mercado ilícito mundial.

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"Para ter ideia, até hoje foram identificados maiszero roleta300 canabinoides sintéticos diferentes por polícias do mundo inteiro", calcula.

Como explicado anteriormente, a ideia inicial dos cientistas era sintetizar, ou reproduzir quimicamentezero roletalaboratório, a fórmula dos principais componentes da Cannabis sativa, a maconha. Um dos principais alvos nessa busca por novos tratamentos era o Tetrahidrocanabinol, conhecido pela sigla THC.

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O objetivo dessas pesquisas científicas era minimizar ou extinguir os efeitos psicotrópicos dessas moléculas, preservando as possíveis aplicações terapêuticas delas.

Os canabinoides sintéticos foram então construídoszero roletalaboratório para imitar uma estrutura química parecida com a do THC — com pequenos ajustes nas cadeiaszero roletacarbono, oxigênio, hidrogênio e assim por diante.

Todos esses trabalhos foram fundamentadoszero roletaestudos realizados a partir dos anos 1960, que descobriram os sistemas endocanabinoides do nosso corpo.

Em resumo, as células que compõem o sistema nervoso no cérebro, na medula e nos nervos periféricos possuem receptores específicos, onde se encaixam algumas moléculas.

Esse mecanismo se assemelha mais ou menos aozero roletauma porta: os receptores são as fechaduras e as moléculas são as chaves.

O encontro dessas duas coisas — chave e fechadura; moléculas e receptores — representa o gatilho para uma sériezero roletareações que virão na sequência.

"E nós temos três possíveis componentes que interagem com esses receptores das células do sistema nervoso", conta o psiquiatra Dartiu Xavier, professor da Universidade Federalzero roletaSão Paulo (Unifesp).

Os primeiros deles são os endocanabinoides, neurotransmissores produzidos pelo próprio organismo, como é o caso da anandamida.

"Os segundos são os fitocanabinoides, provenientes da maconha. E os terceiros são os canabinoides sintéticos, feitoszero roletalaboratório", complementa o médico, que pesquisa dependência química há 40 anos.

E esse encontro entre moléculas e receptores pode ter as mais variadas consequências. No caso dos endocanabinoides, fabricados pelo próprio corpo, esse processo é fundamental para regular o humor e o comportamento emocional, entre várias outras coisas.

Já a Cannabis, segundo Xavier, provoca "modificaçõeszero roletapercepção e nas sensações subjetivaszero roletarelaxamento".

"Os resultados vão depender da pessoa e do subtipozero roletamaconha utilizada, mas alguns dos efeitos são mais ou menos ansiedade, sensaçãozero roletatranquilidade, lentificação do pensamento e um certo empobrecimento da resposta aos estímulos ambientais", lista.

"Alguns usuários também podem experimentar dificuldadezero roletaconcentração e ideias paranoicas ou persecutórias", complementa.

Já nos canabinoides sintéticos, esses efeitos são muito mais intensos e imprevisíveis. Isso porque eles têm uma potência maior, como você vai entender nos próximos parágrafos.

"Usuários das drogas K podem sentir um grande prazer e relaxamento, mas que depois geralmente é seguido por confusão mental, aumento da ansiedade, taquicardia, faltazero roletacoordenação motora, psicose e convulsões", detalha Yonamine.

"Existem casos, inclusive, que o desfecho é fatal", acrescenta o toxicologista.

A grande dificuldade aqui está na diversidadezero roletatiposzero roletacanabinoides sintéticos: como se tratazero roletaum mercado sem regulação alguma e há uma facilidadezero roletamanipular as fórmulas químicaszero roletalaboratórios, a simples modificação da substância pode gerar um entorpecente novo com efeitos graves ou desconhecidos.

Pacoteszero roletacanabinoides sintéticos vendidos nas ruaszero roletaNova York

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Pacoteszero roletacanabinoides sintéticos vendidos nas ruaszero roletaNova York, nos EUA

Do pulmão à cabeça

Os canabinoides sintéticos são comercializadoszero roletavárias formas. Após o preparo do entorpecentezero roletalaboratório, esse líquido geralmente é pulverizadozero roletaqualquer tipozero roletaerva seca, como o capim comum, ouzero roletapedaçoszero roletapapel.

Alguns produtores acrescentam ervas aromatizadas e incensos no produto final, que é embaladozero roletasachês anteszero roletachegar ao consumidor com os nomes comerciaiszero roletaK2, K9, spice...

"Os usuários colocam essa misturazero roletacachimbos ou cigarros para conseguir fumar", detalha Yonamine.

Há versões usadas especificamentezero roletacigarros eletrônicos.

A droga é tragada pela boca e chega aos pulmões, onde é absorvida e cai na corrente sanguínea. "Daí ela é transportada rapidamente para o cérebro do indivíduo, onde vai causar os efeitos", pontua o toxicologista.

Você já deve ter ouvido falar que as drogas K são "100 vezes mais potentes que a maconha". Mas o que isso significa na prática?

"Os canabinoides sintéticos produzem um fenômeno químico que a gente chamazero roletaagonista total do receptor. Falamos aquizero roletamoléculas que ocupam o receptor das célulaszero roletaforma maciça e brutal", caracteriza Xavier.

Ou seja: a ligação entre as drogas K e os receptores endocanabinoides das células nervosas é muito mais forte e intensozero roletacomparação com o que ocorre com os neurotransmissores naturais do corpo ou com a maconha.

Em termos químicos, os cientistas calculam essa força atravészero roletaum conceito chamadozero roleta"afinidadezero roletaligação". Eles medem o quanto uma molécula "se gruda" a um receptor — quanto mais forte é essa conexão, menor é o número obtido nessa fórmula.

Segundo o Centro Europeuzero roletaMonitoramentozero roletaDrogas e Adição, a afinidadezero roletaligação do THC (um dos compostos da maconha) aos receptores das células nervosas ézero roleta10,2 nM (nanomolares).

Já no HU-210, um dos canabinoides sintéticos que integram o grupo das drogas K, esse número ficazero roleta0,06 nM.

Isso, na prática, significa que ele se encaixa aos receptores nervososzero roletauma forma 100 vezes mais intensa quando comparado à maconha.

"E essa ligação vai levar àquela sériezero roletaefeitos descritos pela mídia,zero roletaque a pessoa fica num profundo estado alteradozero roletaconsciência e perde a noçãozero roletasi mesma", complementa Xavier.

Segundo o psiquiatra, a diferença entre os efeitos da maconha e das drogas K, guardadas as devidas proporções, é a mesma entre tomar um copozero roletacerveja ou meio litrozero roletaabsinto. "Mesmo que a substância seja similar, o efeito dela no organismo pode ser diferente e gerar comportamentos completamente disruptivos."

Xavier, que trabalhou alguns anoszero roletaserviçoszero roletaatendimentozero roletaemergência, diz que o uso das drogas K deve levar a um aumento nos casoszero roletaadolescentes e adultos jovens vítimaszero roletainfarto, por conta das alterações no corpo que causam taquicardia (aceleração das batidas do coração) e outros eventos adversos.

Os ataques cardíacos costumam ocorrer com mais frequência a partir dos 50 anos e estão tradicionalmente relacionados ao estilozero roletavida e às doenças crônicas, como colesterol alto, obesidade, diabetes e hipertensão.

Yonamine, por fim, pontua que todos esses efeitos dos canabinoides sintéticos podem durarzero roletauma a seis horas, a dependerzero roletacada formulação.

Homem caminha pelas ruaszero roletaNova York após consumir canabinoide sintético

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Homem caminha pelas ruaszero roletaNova York após consumir canabinoide sintético; droga causa um estadozero roletatorpor e alteraçãozero roletaconsciência muito fortes

Como resolver esse problema?

Xavier observa que, ao longo da história, a intensificação do proibicionismozero roletaalgumas drogas tem como efeito colateral o surgimentozero roletaformas mais perigosaszero roletaconsumozero roletaentorpecentes.

"No final do século 19, as farmacêuticas desenvolveramzero roletalaboratório uma droga que acabaria com o problema do ópio: a morfina", destaca.

"Dez anos depois, a morfina havia se tornado uma questãozero roletasaúde ainda mais grave. Daí os laboratórios criaram uma solução para a dependência da morfina: a heroína, que hoje ainda representa um grande problemazero roletapartes do Hemisfério Norte."

O médico cita outro exemplo: a Lei Seca dos Estados Unidos, que proibiu a vendazero roletabebidas alcoólicas no início do século 20.

"Esse foi o único momento da história da humanidadezero roletaque foram registrados casoszero roletapessoas que injetaram álcool na veia", observa ele.

"Isso acontecia porque, se você tem uma compulsão para o usozero roletaálcool e havia uma proibição, tentava-se tirar o máximo proveitozero roletaqualquer quantidade disponível."

Por fim, o psiquiatra aponta que o grande boom do crack esteve relacionado à proibição da cocaínazero roletaanos mais recentes.

"E a história se repete agora com os canabinoides sintéticos: o proibicionismo relacionado à maconha fez surgir uma formazero roletaconsumo mais perigosa e com alto riscozero roletaletalidade."

Na visãozero roletaXavier, o caminho para lidar com o abuso e a dependência química não envolve a proibição. "É preciso trabalhar com os subgruposzero roletamaior vulnerabilidade, como os adolescentes, e pensarzero roletaações voltadas para eles", sugere.

"Mas não adianta partir para um discurso mentiroso, no estilo 'maconha pode matar'. Os jovens não vão ouvir."

"A boa comunicação sobre as drogas envolve o respeito à inteligência das pessoas, conversando abertamente com elas e falando sempre a verdade", conclui o pesquisador.