Por que o cabelo é tão importante no movimento negro:nordestefutebol bet net
- Vitor Tavares
- Da BBC News Brasilnordestefutebol bet netSão Paulo
nordestefutebol bet net Antesnordestefutebol bet netserem traficados e enviados para as Américas, muitos africanos carregavam na cabeça um símbolo que ia além da estética: o cabelo.
A forma, o corte e os adereços podiam representar origens, etnias, religiões, status social.
Mas já no caminho para as colônias americanas, entre elas o Brasil, essa relação era rompida.
Ao expor as condiçõesnordestefutebol bet netum navio negreiro na famosa gravura Negros no Fundo do Porão, o pintor alemão Johann Moritz Rugendas retratou homens e mulheres amontoados, algemados e nus - muitos sem cabelo ou com ele bem curto.
No registro dos livros O escravo nos anúnciosnordestefutebol bet netjornais brasileiros do século XIX,nordestefutebol bet netGilberto Freyre, e Ser Escravo No Brasil,nordestefutebol bet netKátia Mattoso, são relatadas as cabeças forçadamente raspadas dos africanos no momentonordestefutebol bet netque eram oferecidos à venda para os senhoresnordestefutebol bet netengenho.
"Buscavam minar qualquer tiponordestefutebol bet netpertencimento étnico e identificação que eles pudessem ter uns com os outros a partir do cabelo", explica a socióloga Anita Pequeno Soares, pesquisadora da relação entre o cabelo e negritude na Universidade Federalnordestefutebol bet netPernambuco (UFPE).
"Há relatosnordestefutebol bet netque a raspagem do cabelo era parte importante desse processonordestefutebol bet netsubjugar a população negra, principalmente homens, o que acarretava sérios problemas, porque o cabelo protege o couro cabeludo num trabalho sob sol escaldante. As sinhás, com ciúmesnordestefutebol bet netmulheres violentadas pelos homens brancos, também usavam a raspagem como práticanordestefutebol bet nettortura".
Além da violência, a associação da estética dos africanos a algo primitivo e distantenordestefutebol bet netideias europeiasnordestefutebol bet netbeleza e humanidade foi uma prática recorrente durante o colonialismo.
Uma das histórias mais chocantes e ilustrativas énordestefutebol bet netSarah Baartman, levada da África do Sul ao Reino Unido para aparecernordestefutebol bet netespetáculosnordestefutebol bet netcirco.
Considerada por muitos como símbolo da exploração e do racismo colonial, bem como da ridicularização das pessoas negras, muitas vezes representadas como objetos ou animais, ela morreu após passar anos sendo exibidanordestefutebol bet netfeirasnordestefutebol bet net"fenômenos bizarros humanos".
Seu cérebro, esqueleto e órgãos sexuais continuaram sendo exibidosnordestefutebol bet netum museunordestefutebol bet netParis até 1974. Os restos mortais só retornaram à Áfricanordestefutebol bet net2002, após a França concordar com um pedido feito por Nelson Mandela.
"O discurso racista é pautado na negação da humanidade das pessoas negras. A beleza é parte da humanidade, ser considerado belo é partenordestefutebol bet netser considerado gente. Isso faz para do mesmo enredo que associou negros e negras à animalidade, à natureza, como Baartman, mais comparada a macacos que seres humanos", ressalta Soares.
Cabelo como orgulho
Na história das Américas, o movimento negro tentou por diversas vezes romper com um sistema que durante séculos estigmatizou (e ainda estigmatiza) as características físicas dos negros - entre elas, uma das mais representativas é o cabelo.
O assunto ganhou ampla discussão no Brasilnordestefutebol bet net2021 após um episódio no programa Big Brother Brasil, da TV Globo,nordestefutebol bet netque o cantor Rodolffo comparou o cabelo do professor João Luiz a uma perucanordestefutebol bet nethomens das cavernas.
Um dos marcos identificados pela socióloga nessa busca pela valorização da estética negra é o movimento rastafári.
Nos anos 1930, um gruponordestefutebol bet netjamaicanos passou a acreditar que a coroaçãonordestefutebol bet netRas Tafari (o imperador etíope Haile Selassie) era o cumprimentonordestefutebol bet netuma profecia e que ele era o messias.
Eles acreditavam que seriam libertados pelo imperador, que os tiraria da pobreza no Caribe e os levaria à África, a terra dos seus antepassados e um centro espiritual.
Porém, além da conotação religiosa, o movimento rástafari se respaldou na estética, como as roupas coloridas e os cabelos com dreadlocks, popularizados pelo seu seguidor mais famoso, o cantor Bob Marley.
Outro marco nessa tentativanordestefutebol bet netolhar diferente para a beleza dos descendentes dos africanos escravizados foi o movimento Negritude, também nos anos 1930, promovido pelo escritor e político francês nascido na ilha caribenhanordestefutebol bet netMartinica Aimé Cesarie e pelo escritor e político senegalês Léopold Senghor.
Em suas obras, há uma exaltação da "raça negra: "Buscaram valorizar raízes africanas, olhar para a África com nova perspectiva, diferente da europeia, que colocava a África como a negação da beleza", diz Soares.
'Black is beautiful'
Em 1858,nordestefutebol bet netBoston, o abolicionista americano John Swett Rock fez um dos primeiros discursos conhecidos que exaltavam as características físicas dos negros.
"Quando eu comparo o sistema muscular mais forte, a bela, rica cor, os traços largos e o cabelo graciosamente frisado do negro com a frágil organização física, a cor pálida, as feições finas e os cabelos lisos do branco, estou inclinado acreditar que, quando o homem branco foi criado, a natureza estava exausta".
Esse discurso é considerado uma das bases para o que viria a ser a amplamente utilizada expressão "black is beautiful" (preto é bonito). Era uma tentativanordestefutebol bet netigualar negritude a beleza,nordestefutebol bet netum ato contra séculosnordestefutebol bet netimagens que mostravam negros como grotescos.
Na África do Sul do regime racista do apartheid, a frase se tornou símbolo do movimento Consciência Negra, liderado pelo ativista Steve Biko. "Ele tinha preocupação forte com essa dimensão subjetiva do racismo, com a forma com que o racismo fazia com que as pessoas negras tivessem muitas vezes ódionordestefutebol bet netsi mesmas."
Nesse contexto, o cabelo crespo passou a significar orgulho e poder.
A corrente sul-africana influenciou o movimento homônimo nos EUA, onde ganhou mais força. Em 1966, no momentonordestefutebol bet netluta pelos direitos civis no país, também surgiu o movimento chamado "Black Power", que deu ao cabelo afro papel central na estética dos negros americanos.
O black power também virou símbolo dos Panteras Negras, um movimentonordestefutebol bet netmilitantes políticos nos EUA que defendiam a resistência armada nos bairros negros contra a perseguição policial no país.
Para Soares, esses movimentos "ajudaram não só a pensar estratégias políticasnordestefutebol bet netcombate ao racismo como também formularam um conjuntonordestefutebol bet netideias que inspiraram o ativismonordestefutebol bet netjovens militantes negrosnordestefutebol bet netoutros países."
Brasil e alisamento
As pesquisas da socióloga da UFPE apontam que, quando esses movimentos explodiram nos EUA, eles também tiveram reflexos no Brasil. Houve, por exemplo, um aumento expressivo dos chamados "salões étnicos", voltados para pessoas com cabelos crespos.
Até então, no período pós-abolição, o que a militância negra interpretava como urgente eram questões ligadas à moral, conta Soares. Os primeiros concursosnordestefutebol bet netbeleza para mulheres negras, por exemplo, se preocupavamnordestefutebol bet netpassar uma imagemnordestefutebol bet net"civilidade" àquelas pessoas, não necessariamente a estética.
"Durante a escravidão a população negra era associada muito à sexualidade, que é também associar ao animal. Esses primeiros concursos estavam preocupadosnordestefutebol bet netnegar a degradação sexual que tentavam associar a elas. Não havia issonordestefutebol bet netcabelo black. O alisamento fazia parte da moral. Queriam, como diziam, 'reeducar a raça', mas pautados nos padrões da branquitude".
Como reflexo dos movimentos nos EUA, houve uma crescente buscanordestefutebol bet netvalorizar a beleza negra no país. O Teatro Experimental do Negro (TEN), por exemplo, incluiu a estética na pauta, inclusive também com concursosnordestefutebol bet netbeleza. Movimentos musicais como o Black Rio deram voz a artistas como Tim Maia e Sandranordestefutebol bet netSá.
Mais recentemente, também acompanhando um movimento global impulsionado principalmente pela internet, negros e, principalmente, negras brasileiras passaram a adotar o cabelo natural como símbolonordestefutebol bet netorgulho.
A chamada transição capilar,nordestefutebol bet netque os cabelos alisados são cortados e tratados para que as químicas usadas fiquem para trás, se popularizou principalmente através das redes sociais.
"A geraçãonordestefutebol bet nethoje está tendo oportunidadenordestefutebol bet netviver algo diferente e eu associo ao movimentonordestefutebol bet nettransição capilar, que revolucionou. Hojenordestefutebol bet netdia, a partir dessa demanda, as mulheres, principalmente, viram a internet como um lugarnordestefutebol bet netfalar para poder trazer um novo discurso", explica Soares.
Mas a socióloga faz um alerta: "Não podemos engessar o olhar sobre o alisamento e colocá-lo exclusivamente como uma negação da negritude. Claro que cabelo afro é poder, identidade, mas cada pessoa tem seu momento".
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