O mistério dos braços do T. rex que a ciência tenta desvendar há 120 anos:frev 2024

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No seu escritóriofrev 2024Nova York, o chefefrev 2024Brown estava tão ansioso quanto seus funcionáriosfrev 2024campo. Henry Fairfield Osborn havia recebido recentemente seu último prêmio, um enorme pedaçofrev 2024rocha contendo o esqueletofrev 2024uma espéciefrev 2024dinossauro com bicofrev 2024pato.
Ele havia sido cuidadosamente transportado por 3.379 km desde o local da escavação — uma viagem arriscada e trabalhosa, que incluiu cavalos, viagensfrev 2024trem e muito trabalho pesado.
Só então Osborn descobriu que, escondido no seu túmulofrev 2024pedra, o fóssil estava totalmente quebrado e deformado. O espécime foi guardado no porão do museu, mas poderia muito bem ter sido jogado fora.
Mas agora tudo estava melhorando. Brown havia descoberto uma sériefrev 2024ossosfrev 2024um grande e promissor dinossauro carnívoro que era completamente novo para os cientistas. Seu osso do quadril tinha 1,5 metrofrev 2024comprimento, que dirá o restante.
Era o Tyrannosaurus rex — o primeiro já descoberto. Brown nunca havia visto nada como ele.
Em uma carta para Osborn, Brown escreveu: "sem dúvida, este é o achado do ano,frev 2024termosfrev 2024importância científica".
Mal sabia ele que estava mais para o achado do século — uma descoberta que transformaria nossa compreensão dos dinossauros e consolidaria o interesse do público sobre esse grupo até então obscurofrev 2024criaturas antigas.
Mas, desde o começo, um aspecto desses reis dos "lagartos gigantes" era profundamente misterioso: seus braços minúsculos.
O esqueletofrev 2024T. rex de Brown não tinha os dedos e os antebraços, que foram desenhados nos primeiros retratos usando conjecturas surpreendentemente precisas e gerando especulaçõesfrev 2024que eles certamente não poderiam ser tão minúsculos. Mas, por mais bizarro que fosse, eles eram assim.
Qual poderia ter sido o seu propósito? E como eles acabaram ficando tão pequenos?
O T. rex hoje é tão famoso pelos seus bracinhos murchos, quanto pelos seus enormes dentes.
Eles são totalmente desproporcionais, quase como se tivessem sido simplesmente arrancadosfrev 2024outra espécie e fixados neles, relembrando os erros hilariantesfrev 2024montagensfrev 2024esqueletos cometidos no século 19 (como ocorreu quando as placas pontiagudas características das costas do estegossauro foram fixadas à cauda do animal).
"Você pode olhar para os braços e dizer que eles são ridículos. São tão diferentesfrev 2024qualquer coisa viva hojefrev 2024dia, qual será o motivo?", diz o paleontólogo L. J. Krumenacker, da Universidade do Estadofrev 2024Idaho, nos Estados Unidos.
Com braços que podem medir apenas 90 cmfrev 2024comprimento,frev 2024um indivíduo com 13,7 metrosfrev 2024altura, esses apêndices curiosamente pequenosfrev 2024um carnívoro formidável geraram intensas especulações desde afrev 2024descoberta. E, apesarfrev 2024décadasfrev 2024estudo, até hoje ninguém tem a menor ideia dafrev 2024utilidade.

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Ossos ausentes
O T. rex originalfrev 2024Brown foi desenterradofrev 20241902, mas demorou um pouco para os cientistas começarem a se admirar com seus estranhos braços.
O esqueleto inicial incluiu pouco mais que um pequeno conjuntofrev 2024ossos misturados — entre eles, a pélvis, uma única escápula, um único osso do antebraço e parte do crânio.
Seis anos depois, o caçadorfrev 2024fósseis descobriu outro indivíduo um pouco mais ao sul,frev 2024Big Dry Creek, no Estado do Colorado. Este foi um espécime extraordinariamente perfeito efrev 2024figura gigantesca habita o Museu Americanofrev 2024História Natural até hoje. Mas ele também não tinha os braços.
Na maior parte do século seguinte, os cientistas só podiam fazer conjecturas sobre a possível aparência dos antebraços do T. rex. Muitas delas eram baseadas no seu primo Gorgosaurus, outro tiranossauro que também habitou a América do Norte no Cretáceo Superior, cercafrev 202466 a 101 milhõesfrev 2024anos atrás.
Até que,frev 20245frev 2024setembrofrev 20241988, a fazendeira Kathy Wankel encontrou por acaso uma estranha protuberância surgindo do solo, perto do lago Fort Peck,frev 2024Montana. Parecia o cantofrev 2024um envelope, segundo ela contou posteriormente ao jornal The Washington Post.
Wankel não teve tempofrev 2024retirarfrev 2024descoberta naquele dia, mas ela não se esqueceu. Um mês depois, ela voltou e desenterrou um conjuntofrev 2024longos ossos, que levou para o Museu das Montanhas Rochosas, a centenasfrev 2024quilômetros a oeste dali.
O diretorfrev 2024paleontologia do museu concordoufrev 2024dar uma rápida olhada. Logo eles perceberam que não eram fósseisfrev 2024dinossauros comuns, mas sim ossosfrev 2024braçosfrev 2024T. rex, completos, com a misteriosa metade inferior que faltava há tanto tempo.
O restante do dinossauro acabou sendo escavado, revelando um monstrofrev 20243.175 kg, tão perfeitamente preservado que ainda estava nafrev 2024posição originalfrev 2024morte, com o pescoço para baixo, como um pássaro morto. Era o "Rexfrev 2024Wankel" e seus membros anteriores eram ainda menores do que se imaginava.

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Um pequeno e complicado quebra-cabeça
No século passado, os cientistas descobriram detalhes fascinantes sobre muitos aspectos da vida do T. rex, desde o seu andar lento e vacilante enquanto caminhava pelas florestas pantanosas do oeste da América do Norte, até afrev 2024infeliz suscetibilidade a uma doença habitualmente associada aos reis humanos: a gota.
A paleontóloga Elizabeth Boatman efrev 2024equipe chegaram até a observar o colágeno original preservadofrev 2024alguns fósseis excepcionais.
Mas, até hoje, o propósito dos membros atarracados dos dinossauros permanece indefinido, não pela vontade dos cientistas.
Uma ideia inicial veiofrev 2024Osborn, que definiu o nome do T. rex. "Ele viu esses braços muito pequenos, curiosamente minúsculos, e fez uma comparação com pequenas nadadeiras presentes nos tubarões modernos", segundo Scott Persons, curador-chefe do Museufrev 2024História Natural Mace Brown, na Carolina do Sul (EUA).
Os tubarões machos usam essas duas nadadeiras na base da cauda (o clásper) para agarrar-se à fêmea durante o acasalamento, o que pode ser um tanto escorregadio debaixo d'água. Elas também são usadas para realizar o ato propriamente dito, ajudando a direcionar o sêmem para a cloaca da fêmea.
"Por isso, ele imaginou um casalfrev 2024tiranossauros entrelaçados na corte primordial, com o macho por cima, usando os braços para agarrar-se à fêmea", afirma Persons.
Persons explica que era perfeitamente possível que Osborn estivesse certo. Se o T. rex macho (célebre por ser difícilfrev 2024identificar o sexo) tivesse desenvolvido braços com aparência diferente das fêmeas, faria sentido que eles os usassem para fazer sexo.
"Mas não foi assim que aconteceu", segundo ele. À medida que outros indivíduos foram sendo descobertos (já são pelo menos 40), os cientistas confirmaram que todos eles têm os mesmos braços pequenos característicos e sempre têm mais ou menos a mesma aparência.
Outra possibilidade, que parece engraçada, é que o T. rex possa ter usado esses braços pequenos para se levantar do chão. Com corposfrev 2024até 7.031 kg (peso equivalente aofrev 2024um grande elefante africano), eles podem ter encontrado dificuldade para sairfrev 2024uma posiçãofrev 2024repouso ou ficar novamentefrev 2024péfrev 2024casofrev 2024queda.
Na verdade, muitos animais vivos têm essa dificuldade até hoje, como as tartarugas, que muitas vezes se balançam para voltar à posição normal quando viramfrev 2024costas.
"Por isso, quando eles estavamfrev 2024cócoras e se levantavam, poderiam usar os braços para fazer uma minúscula flexão tiranossáurica", diz Parsons.
Mas existe uma pequena falha nesta teoria: os braços do carnívoro, na verdade, não teriam sidofrev 2024grande ajuda. "Você precisa entender que isso realmente ajudaria o tiranossauro apenas com os primeiros 70 cm. Depois, ele teria mais 13 metros para levantar do solo", afirma.

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Outra ideia controversa, apresentada por um único cientistafrev 20242017, é que adultos como o Rexfrev 2024Wankel podem ter usado seus braços atarracados como armas, talvez segurando a vítima para retê-la nas mandíbulas ou prendendo-a com o peso do corpo, antesfrev 2024rasgá-la e cortá-la.
O fundamento da ideia é que, embora sejam minúsculos, os braços do T. rex são surpreendentemente musculosos. Ele calculou que, mesmo com seus membrosfrev 202490 cm, essas açõesfrev 2024evisceração poderiam ter causado sérias lesões, gerando cortes com vários centímetrosfrev 2024profundidade e pelo menos um metrofrev 2024comprimentofrev 2024questãofrev 2024segundos.
"Agora, eu pessoalmente acho que os braços são ridiculamente pequenos para que isso faça sentido", afirma Persons.
Mas existe também a possibilidadefrev 2024que eles não tivessem função alguma. Os braços minúsculos do T. rex seriam os últimos vestígiosfrev 2024apêndices que antes eram úteis e haviam deixadofrev 2024ser necessários há muito tempo.
Mas, se fossem apenas vestígiosfrev 2024outra época, como o cóccix humano, o mais aterrorizante predador do mundo poderia ter tido um futuro ainda mais assustador, evoluindo até perder totalmente seus braços, assumindo a aparênciafrev 2024um terrível tubarão terrestre.
"Se... o reinado dos tiranossauros não tivesse sido interrompido pelo impacto do asteroide, se nós meio que avançássemos a fita no tempo, teoricamente até cinco ou até 20 milhõesfrev 2024anos à frente, será que os braços dos tiranossauros teriam continuado a encolher? Acho que sim", afirma Persons.
"Eles teriam sido totalmente perdidos algum dia? Certamente acho que é uma possibilidade."
Persons explica que, mesmo se o T. rex não tivesse uma função importante para os seus braços, atender a qualquer propósito, por pequeno que fosse, poderia ter sido suficiente para preservá-los, embora eles pudessem acabar ficando ainda menores. Isso pode incluir fêmeas que usavam seus braços para cavar um ninho, como fazem as tartarugas marinhas.
Persons indica que eles poderiam também servir simplesmente para asseio, com gruposfrev 2024monstrosfrev 202413,7 metrosfrev 2024altura sentados e arranhando suavemente as penas uns dos outros (sim, muitos paleontólogos acreditam que eles fossem cobertosfrev 2024penas).

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Animais sociais?
Os cientistas já encontraram grupos inteirosfrev 2024tiranossauros fossilizadosfrev 2024três locais separados na América do Norte. Alguns interpretaram essas descobertas como provafrev 2024que eles eram mais sociais do que se pensava. Uma equipe chegou a propor um coletivo,frev 2024inglês, para essas congregações: um "terror"frev 2024tiranossauros.
Por isso, alguns especialistas especularam que os tiranossauros sociais podem ter encontrado utilidade para seus braços minúsculos durante a agitação na horafrev 2024comer.
Se os dinossauros carnívoros comiamfrev 2024grupos como hienas necrófagas, reunidosfrev 2024voltafrev 2024carcaçasfrev 2024Triceratops e outrosfrev 2024seus imensos contemporâneos, pode ter sido difícil manter os braços maiores fora do caminhofrev 2024um parfrev 2024mandíbulas descontroladas.
"Essa ideia meio excêntrica dizia que seus braços eram suficientemente pequenos para que não ficassem no caminhofrev 2024todos aqueles animais brigando pela comida com suas bocas gigantes,frev 2024forma que, basicamente, não tivessem seus próprios braços mordidos", afirma Krumenacker.
Mas ele indica que, evidentemente, é difícil testar essas ideias,frev 2024parte porque não existem animais similares vivos hojefrev 2024dia que facilitem a comparação.
"Com cabeça grande e braços minúsculos, o mais próximo a que podemos chegar talvez sejam algumas aves predadoras que vivem no chão", afirma ele.
Uma alternativa é usar a física básica.
Curiosamente, uma das ideias mais recentes é que os braços do rei dos dinossauros podem ter encolhido atéfrev 2024forma atrofiada para atender a um propósito importante — havia uma razão para que eles precisassem ser tão insignificantes.
É possível que seu pequeno tamanho os ajudasse a ter a maior cabeça e a mordida mais poderosa possível. A silhueta descomunal do T. rex médio não era por acidente. Para entender por quê, é preciso examinarfrev 2024estrutura corporal.
No iníciofrev 20242022, pesquisadores anunciaram que outro dinossauro — o Meraxes gigas, um gigantefrev 20244 toneladas que habitava a Patagônia, na Argentina, no cretáceo superior — tinha uma estrutura corporal excepcionalmente similar.
Os dois dinossauros eram apenas parentes relativamente distantes, mas ambos tinham corpos enormes com cabeças superdimensionadas e braços minúsculos. A ideia é que, à medida que as cabeças e os corpos dos predadores ficavam maiores, seus braços ficavam proporcionalmente menores, talvez para ajudar no seu equilíbrio.

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Para entender por que essas proporções eram necessárias, é preciso examinar seus dentes.
Os grossos dentes cônicos do T. rex não eram como as agulhas perfurantes ou as espadas afiadas das mandíbulasfrev 2024alguns animais. Na verdade, eles se pareciam mais com bananas serrilhadas: afiados nas bordas, mas não nas pontas.
"Você não consegue se cortar na ponta do dentefrev 2024um tiranossauro", afirma Persons, mas ele ressalta que é possível se cortar nas bordas. Isso porque os dentes não eram meros fatiadoresfrev 2024carne, mas sim projetados para esmagar ossos, poderosos e capazesfrev 2024penetrar nafrev 2024enorme presa e arrancar pedaços que podiam ser engolidos inteiros.
Mas esta estratégia exigia muita força bruta. Os dentes pesados precisavamfrev 2024mandíbulas vigorosas para suportar o impacto da mordida que, porfrev 2024vez, precisavafrev 2024uma enorme cargafrev 2024músculos para ser eficiente. Em resumo, a cabeça e o pescoço precisavam ser enormes.
"E isso pode ser um problema", afirma Persons. "Pois todos os dinossauros carnívoros, desde o alossauro até o velociraptor, têm uma estrutura meio parecida com um pêndulo — eles ficamfrev 2024pé sobre duas pernas".
Com a cabeça superdimensionada do T. rex, braços maiores inclinariam a parte dianteira do animal para frente ou exigiriam uma cauda maior para atingir o equilíbrio.

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Será que um dia saberemos?
Infelizmente, é possível que nunca venhamos a conhecer a verdadeira função dos braços do T. rex.
Às vezes, o contexto necessário para entender uma característica foi perdido no registro fóssil. É como se descobríssemos as floresfrev 2024maracujá do continente americano com seus longos tubos, sem encontrar os beija-flores que nelas inserem seus longos bicos.
Depoisfrev 2024maisfrev 202466 milhõesfrev 2024anos —frev 2024que vulcões surgiram e foram extintos, ilhas se formaram e foram perdidas e dezenasfrev 2024milharesfrev 2024espécies surgiram e desapareceram — pode ser muito difícil desvendar os detalhes necessários para compreender certos comportamentos.
Todo esse interesse pelos estranhos braçosfrev 2024um animal extinto há 66 milhõesfrev 2024anos pode parecer bizarro. Mas, além da curiosidade sobre algo intrinsecamente tão interessante, Persons acredita que sabe qual é o motivo do entusiasmo.
"Nós, seres humanos, provavelmente ficamos muito preocupados com a importância dos nossos braços e mãos porque eles são fundamentais para nossa sobrevivência", diz ele.
Como os braços e as mãos são nossa principal formafrev 2024interação com o ambiente, é difícil imaginar alguém desistir delesfrev 2024propósito. "E aqui temos esse animal incrivelmente bem sucedido e com aparência muito assustadora, que parece ter muito pouco a fazer com eles", conclui Persons.
* Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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