'Ela mostrou que você podia ser gay e cristão': a emocionante entrevistabet anotelevangelista no auge da Aids:bet ano
bet ano É início dos anos 1980, e a epidemiabet anoAids começa a se alastrar pelos Estados Unidos. No fimbet ano1981, 130 americanos haviam morridobet anodecorrência da doença. Quatro anos depois, os óbitos passavambet ano12 mil.
A princípio, a doença foi fortemente associada a homens homossexuais, sendo referida pejorativamente como "peste gay" — o que levou a um forte estigmabet anorelação a este grupo. E os líderes evangélicos da época estavam fazendobet anotudo para que o mundo virasse as costas para as vítimas.
"Acredito que herpes e Aids geralmente causadas pela promiscuidade homossexual são uma violação das leisbet anoDeus, leis da natureza e da decência. E, como resultado, pagamos o preço quando violamos as leisbet anoDeus", declarou uma vez Jerry Falwell, um proeminente líder evangélico americano.
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Finalbet anoYouTube post, 1
Mas uma voz dissonante emergiu no meio evangélico. Tammy Faye Bakker, uma televangelista extremamente popular na época, decidiu acolher a comunidade gay. E, na contramãobet anoseus colegas, convidou um entrevistado inesperado para seu programabet anoTV: Steve Pieters, um jovem pastor homossexual com Aids.
A entrevista que viria a ser realizada ao vivo pode ter sido um dos momentos mais notáveis da televisão americana dos anos 1980. Pode-se até dizer que colaborou para dar um desfecho harmonioso a uma guerra cultural brutal.
Esta história é tema do segundo episódio do podcast As Estranhas Origens das Guerras Culturais, da BBC News Brasil. Trata-sebet anouma adaptaçãobet anoportuguês da sériebet anoinglês Things Fell Apart, da Rádio 4, da BBC, escrita e apresentada pelo autor e jornalista anglo-americano Jon Ronson.
No segundo episódio (chamado Um Milagre), Ronson entrevista Jay Bakker, filhobet anoTammy (falecidabet ano2007), e Steve Pieters para contar como, no auge da epidemiabet anoAids nos EUA, a entrevista comandada pela líder evangélica deu voz à comunidade gay — e promoveu a aceitaçãobet anohomens homossexuais por suas famílias cristãs.
Quem foi Tammy Faye Bakker
Nas décadasbet ano1970 e 1980, com o advento da televisão via satélite, os televangelistas, líderes religiosos que usam a televisão para difundir suas mensagens, tiveram acesso a uma vasta audiência nos EUA — e acabaram ganhando statusbet anocelebridade.
Entre eles, estavam os pastores evangélicos Jimmy Swaggart e Jerry Falwell, fundador do movimento conservador Moral Majority, que prega contra a homossexualidade.
Mas nenhum deles tinha o brilhobet anoTammy Faye Bakker. Com seu estilo extravagante, ela conseguiu conquistar o coração público como nenhum outro televangelista da época — e construiu ao lado do então marido, Jim Bakker, um verdadeiro império religioso.
Em 1974, o casalbet anopastores que começou pregandobet anotendas e igrejasbet anobeirabet anoestrada pelo país, lançoubet anoprópria redebet anotelevisão, a PTL (siglabet anoinglês para "Louvemos o Senhor"), com o programa Jim e Tammy .
Diferentementebet anoSwaggart e Falwell, eles estavam ligados nas tendências do momento — e exploraram todo o potencialbet anoentretenimento da televisão:
"Meu pai usava coletebet anolã e calça cáqui, e minha mãe usava joias divertidas. E todos os outros caras usavam ternos pretos. Jimmy Swaggart e Jerry Falwell diziam: 'Se você não está com a gente, está contra a gente'. Jerry Falwell queria dominar o mundo. E meus pais queriam entreter o mundo. E parecia que todo mundo queria participar do programa deles", conta Jay Bakkerbet anodepoimento no podcast As Estranhas Origens das Guerras Culturais.
"Eles estavam no ar o tempo todo. Meu pai fazia seis transmissões por semana sozinho. Minha mãe fazia provavelmente 10 ou 11 porque ela tinha um programa chamado 'Tammy's House Party'."
Por meiobet anomaratonasbet anoarrecadaçãobet anofundos, eles chegaram a construir até um parque temático cristão — o Heritage USA.
"Era tipo uma Disneylândia cristã...", diz Jay.
A maneira como Jim e Tammy abraçavam a cultura popular causava indignação entre os demais televangelistas da época. Mas o que esses líderes religiosos não sabiam é que, apesar do enorme sucesso, Tammy passava por maus momentos na vida pessoal.
"Ataquesbet anopânico, depressão, ela realmente teve problemas com remédios controlados, havia muita escuridão e lutas na vida dela", afirma o filho.
A relação dela com o marido tampouco ia bem — workaholic, Jim quase nunca estava por perto, e quando estava, maltratava Tammy, dizendo que a maquiagem (umabet anosuas marcas registradas) fazia ela se parecer com uma "prostituta francesa".
Ela reagia então passando ainda mais maquiagem.
"Acho que ela sempre batalhou com esse sentimentobet anonão ser boa o suficiente, não ser amada, nunca se sentiu bonita, então ela colocava toda essa maquiagem", avalia Jay.
"Era meio que a armadura dela", completa.
Se sentindo desconectada dos colegas televangelistas, Tammy começou a se identificar menos com eles — e mais com os objetos do desprezo deles.
E quando começaram a pregar que a Aids era resultado do julgamento divino contra a promiscuidade homossexual, ela decidiu fazer algo a respeito.
"Minha mãe decidiu que queria entrevistar alguém com Aids. Eles procuraram alguém até que encontraram Steve Pieters", revela Jay.
Foi assim que,bet ano15bet anonovembrobet ano1985, Steve Pieters, um pastor gay, foi parar no programa Tammy House Party, na rede PTL.
Um convite inesperado
Nascidobet ano1952bet anomeio a uma família cristã, Steve virou pastor antesbet anocompletar 30 anos, como membro da Igreja da Comunidade Metropolitanabet anoConnecticut — uma denominação para pessoas LGBT que, segundo ele, parecia uma ilha cercada por tubarões televangelistas.
"Os piores eram Jerry Falwell e Jimmy Swaggart. Eles eram todos veementemente antigay. Pessoas como Jerry Falwell falavam sobre como pessoas gays iriam tentar recrutar seus filhos. Eles vão molestar seus filhos. Falavambet anohomossexuais como sendo pedófilos", lembra Stevebet anodepoimento no podcast As Estranhas Origens das Guerras Culturais.
Ele conta que começou a adoecerbet ano1982 — e,bet anoabrilbet ano1984, foi diagnosticado com Aids (e informado que tinha dois tiposbet anocâncer associados à doença: sarcomabet anoKaposi e linfoma).
"Eu estava dormindo 22 horas por dia, estava muito magro e não conseguia comer. Parecia que estava prestes a morrer. Então eles me levaram ao hospital e, depoisbet anouma experiênciabet anoquase morte, conseguiram me trazerbet anovolta à vida", revela.
Após ser ressuscitado pelos médicos, ele foi submetido a um tratamento que passou a surtir efeito. E quando recebeu alta do hospital, soube que os produtores do programabet anoTammy tinham solicitado uma entrevista com ele.
"Pensei que seria uma grande oportunidadebet anoatingir um novo público. Mas insisti que fosse ao vivo. Porque eu não queria que eles editassem o que tinha para dizer", afirma.
Os bastidores
Inicialmente, a entrevista seria realizada ao vivo no estúdio,bet anoCharlotte — e a produção do programabet anoTammy chegou a enviar as passagensbet anoavião para Steve, que estavabet anoLos Angeles. Mas acabaram cancelandobet anocima da hora, alegando que a apresentadora estava doente.
Era mentira — ela estava, na verdade, com receiobet anoquebet anoequipe não reagisse bem à presençabet anoSteve. Por isso, inventou uma desculpa.
"Depois eu fiquei sabendo que eles estavam com medobet anocomo eu iria ser tratadobet anoHeritage USA, que a equipebet anofilmagem talvez se recusasse a trabalhar se eu entrasse no estúdio", diz ele.
Para evitar qualquer mal-estar, a solução encontrada foi realizar a entrevista remotamente. Foi feita então uma transmissão ao vivo via satélite — a primeira da rede PTL.
E, para justificar a ausênciabet anoSteve no estúdio, Tammy disse ao público logo no início do programa que ele estava fazendo quimioterapia — e que a viagembet anoavião teria sido "muito difícil" para ele.
A entrevista
A primeira parte da entrevista, que durou cercabet ano24 minutos, foi marcada por perguntas bem diretas sobrebet anoorientação sexual — desde quebet anoque momento ele soube que era gay a até se ele já havia tido alguma experiência sexual com uma mulher.
"As pessoas que assistiram costumavam me perguntar: 'Aquelas perguntas eram bem idiotas, não eram'? E eu dizia: 'Não, eram as perguntas certas para o público dela'", avalia Steve.
"Acho que vieram do coração; outros televangelistas provavelmente falariam comigobet anouma posição arrogante, julgadora", completa.
O diagnósticobet anoAids — e o medobet anomorrerbet anodecorrênciabet anouma doença até então pouco compreendida — foram abordados na sequência.
"Quando ela começa a falar comigo sobre Aids, e sobre como é ter Aids, e se as pessoas têm medobet anomim ou não… me pareceu muito humano. E eu me senti como se estivéssemos realmente nos conectando", lembra Steve.
Durante a entrevista, ele desabafou com Tammy sobre o estigmabet anorelação à doença e compartilhou a discriminação que sofria:
"Me pediram para não usar o banheiro na casabet anouma pessoa. Lembrobet anoter ido a uma festabet anoque cada vez que eu terminava meu refrigerante, o anfitrião pegava o copo, levava até a cozinha e limpava com vapor. Todas as vezes. Fui servidobet anopratosbet anopapel muitas vezes no último ano e meio. E, sim, as pessoas têm medo."
A reaçãobet anoTammy é extraordinária:
"Que triste que nós enquanto cristãos, que temosbet anoser o sal da terra, que supostamente temosbet anoamar todo mundo, estamos tão apavorados com um paciente com Aids que não conseguimos ir até ele dar um abraço, e dizer a ele que nos importamos."
"Mas eu quero te falar, tem muitos cristãos aqui que te amam, e que não teriam medobet anote dar um abraço e dizer que nós te amamos, e que nós nos importamos", ela completou.
Repercussão
Jay, que tinha por voltabet ano10 anos na época, conta que sabia que a mãe estava fazendo algo radical.
"Lembrobet anoter ficado muito impressionado."
"Acho que as Assembleiasbet anoDeus, a denominação dos meu pais, estavam muito bravas com ela. Mas ela não estava nem aí", acrescenta.
Steve, porbet anovez, voltou para casa e esqueceu da entrevista por alguns meses, até o dia da conferência anual dabet anodenominação, a Igreja da Comunidade Metropolitana, apresentada por seu fundador, Troy Perry.
"Troy Perry abriu a conferência com minha entrevista com Tammy Faye. Botei as mãos na cara e pensei: 'Ah não, ele vai me envergonhar na frentebet anotodas essas pessoas'", lembra Steve.
"As pessoas começaram com os risinhos logo que a entrevista começou. Elas diziam: 'Ai meu Deus, é o Steve ali. A gente conhece o Steve, ele está falando com a Tammy Faye'. E aí, à medida que a entrevista avançava, o silêncio tomou conta do público, as pessoas ficaram ligadasbet anocada palavra. No fim do vídeo, as pessoas se levantaram e aplaudiram. Veja, tinha mil pessoasbet anopúblico ali. E todos pularam, vibraram e aplaudiram. E eu pensei: Uau, foi melhor do que eu tinha pensado."
Ele também soube pela equipe da Tammy que a entrevista havia tido um impacto no público dela.
"Parece que uma pessoa ligou para o estúdio para contar que tinha um filho com Aids, e que estava preocupada que ele iria para o inferno, mas depoisbet anoouvir essa entrevista comigo, ela tinha entendido que seu filho iria para o céu", conta.
Durante a entrevista com Steve, os espectadoresbet anoTammy testemunharam algo rarobet anouma guerra cultural. Eles tiveram a oportunidadebet anoouvir o "inimigo" falarbet anoum ambiente tranquilo e sem controvérsias.
"As pessoas daquele público tiveram a chancebet anover um ser humanobet anoverdade. E a Tammy conseguiu mostrar que eu era um cristão, e que você podia ser gay e cristão. Isso era inéditobet anocírculos televangelistas", avalia o pastor.
Um milagre
Steve e Tammy nunca mais se falaram — e não chegaram a se conhecer pessoalmente. Mas Tammy mandou um presente para ele como formabet anoagradecimento pela entrevista.
"Ela me mandou fitas cassete dela cantando", relembra.
Mas para ele, aquilo teve um significado muito maior:
"Nos meses seguintes à entrevista, fiquei muito, muito doente outra vez, fiquei cego e definhei até ser só um esqueleto com pele. E todo mundo pensou mais uma vez que eu estava morrendo. E ela tinha me mandado esse álbum que se chamava Don't give up on the brink a miracle ("Não desista às vésperasbet anoum milagre",bet anotradução livre) com uma música com o mesmo nome."
"E isso me inspirou tanto. Eu ficava cantando junto com ela, muitas e muitas vezes. E eu consegui um milagre. Recuperei minha visão e voltei a ganhar peso. Consegui meu milagre. Eu estava cego. E agora consigo ver. Com a graçabet anoDeus."
Tammy acabou partindo antesbet anoSteve — ela morreubet anocâncer no pulmãobet anojulhobet ano2007.
"Eu lembro dela dizer, no fim da nossa entrevista: 'A gente quer que você vença essa coisa...' E para todos os efeitos, eu venci, e ela não está mais aqui. Ela morreu. Como é irônico que ela foi a primeira a morrerbet anonós dois."
Ícone na comunidade gay
Dois anos depoisbet anoTammy entrevistar Steve, o império PTL desmoronou. Jim Bakker foi preso por fraude financeira, e Tammy foi deixadabet anomeio às ruínas.
Conforme ela mais tarde escreveriabet anoseu livrobet anomemórias I Will Survive and You Will Too ("Vou sobreviver e você também",bet anotradução livre), "eu estava completamente sozinha, me senti abandonada por todos, às vezes até por Deus. Mas aí uma coisa maravilhosa aconteceu: a comunidade gay!".
"O Jay (filhobet anoTammy) me contou que aquela entrevista comigo mudou a família dele. Ela começou a levar o Jay para lares e hospitais para visitar pessoas com Aids e para as paradasbet anoorgulho gay", conta Steve.
"Sei que muita gente LGBT simplesmente ama Tammy Baker porque ela se tornou um ícone na comunidade gay, essa pessoa excêntrica e amorosa. Acho que muita gente se identificou com ela porque ela era diferente", avalia.
"Sua bondade amorosa,bet anocompaixão comigo, acho que foi extraordinariamente útil para muitas pessoas LGBT que não achavam que podiam ser cristãs ou que podiam ser amadas por suas famílias cristãs."
Com o casamento entre pessoas do mesmo sexo hoje legalizado nos Estados Unidos, no Reino Unido ebet ano27 outros países, a sensação ébet anoque essa guerra cultural foi vencida pelo menos nesses lugares, afirma Ronson no podcast. E talvez a entrevistabet anoTammy com Steve tenha algum crédito nisso.
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