'Meus pais adotivos acreditavambet to goalatobet to goalamor, mas foi sequestro':bet to goal

  • Beatriz Díez (@bbc_diez)
  • BBC News Mundo
Lorena ebet to goalfilha Mariela

Crédito, Cortesíabet to goalMariela Sifontes

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Mariela ebet to goalmãe, Lorena, se reencontraram 30 anos após seu nascimento.

bet to goal "Olá, meu amor, acho que soubet to goalmãe. Eles me disseram que você estava morta."

Foi essa mensagem que Mariela Sifontes recebeu no Facebook há quase três anos.

Palavras que encerraram um árduo processobet to goalbusca e serviram como prólogo para a segunda vida desta mulherbet to goal34 anos. Ela mora na Bélgica com o marido e os dois filhos, Eva e Hugo.

Mariela é guatemalteca. Quando ela tinha 11 meses, foi adotada por um amoroso casal belga, os Fanons. Com eles, tornou-se Coline.

Ela sempre soube que era adotada.

O que ela não sabia eram as verdadeiras circunstânciasbet to goalquebet to goaladoção havia ocorrido.

Esta ébet to goalhistória, contadabet to goalsuas palavras.

I. Uma guatemalteca na Europa

Tive uma infância muito boa. Minha família adotiva é maravilhosa.

Meus pais me deram a oportunidadebet to goalaprender a tocar piano ebet to goalfazer outras atividades. Viajávamosbet to goalférias todos os anos.

Tenho uma grande família adotiva (irmão, primos, tias e tios) e cresci próxima das minhas avós. Nunca me senti diferente porque minha família sempre me protegeu e me amou.

Mas, sim, fisicamente eu era diferente.

Mariela combet to goalmãe adotiva

Crédito, Cortesiabet to goalMariela Sifontes

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Mariela combet to goalmãe adotiva

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Fim do Podcast

Meus pais sempre me disseram que eu fui adotada.

Minha mãe tinha uma maneira muito bonitabet to goalfalar sobre isso quando eu era criança e lhe fazia perguntas: "Não te carreguei no ventre, mas sempre te carreguei no coração".

Minha mãe adotiva queria que eu continuasse conectada às minhas raízes, mas ela não queria falar muito sobre isso antesbet to goaleu me tornar adulta.

Comecei a fazer perguntas quando era adolescente. Como qualquer jovem que se torna mulher, eu queria saber quem eu era. Eu me olhava no espelho e queria saber com quem eu parecia.

Foi mais ou menos assim que começou esse processobet to goalbusca.

Comecei a indagar aos 18 anos, masbet to goaluma forma "indireta", sem saber como, nem para onde olhar.

Foi um períodobet to goalque vaguei, pois não havia nenhuma organização que ajudasse os adotados a encontrar suas origens.

Em cada um dos meus aniversários, eu me perguntava se minha mãe biológica estava pensandobet to goalmim.

Embora agora eu saiba que a databet to goalaniversário que celebrei por maisbet to goal30 anos estava errada por uma diferençabet to goaldias.

No fundo do coração, todos os anos, eu celebrava também o aniversário da minha mãe biológica, a data que constava na carteirabet to goalidentidade do meu arquivo, que também se revelou falsa.

Mas comecei mesmo a procurar quando me tornei mãe.

Mariela com seu pai adotivo

Crédito, Cortesiabet to goalMariela Sifontes

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Os pais adotivosbet to goalMariela a apoiaram embet to goalbusca por suas raízes

II. Refazendo o caminho

A "história oficial" me dizia que minha mãe estavabet to goalpéssimas condições econômicas, que não tinha dinheiro para comer e foi por isso que me deu voluntariamente para adoção.

Gostariabet to goalsalientar que minha família na Guatemala não é uma família pobre, o que torna o clichê da "menina que foi salva" ainda pior.

Esse contexto socioeconômicobet to goalque as pessoas querem que valorizemos "a sortebet to goalter sido adotado" é totalmente falso no meu caso.

Quando eu tinha 18 anos, meus pais adotivos me deram meu registrobet to goaladoção. Eu já tinha acesso a ele antes, mas nunca tinha lido na íntegra porque não estava interessadabet to goalsaber mais sobre o meu passado.

Meus pais me deram porque sentiram que era a minha história e que eu deveria ter esses documentos.

O arquivo continha informações que acabaram se revelando incorretas ou mesmo falsas.

Havia inconsistênciasbet to goalalgumas datas, problemasbet to goalcronologia. Comecei a duvidar.

Foi como uma revolução, que se intensificou quando minha filhabet to goal5 anos também começou a fazer perguntas.

Mariela pequena

Crédito, Cortesiabet to goalMariela Sifontes

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Mariela ficou detidabet to goalum porão por 11 meses antesbet to goalser encaminhada para adoção

Li reportagens sobre a tragédia das crianças roubadas na Guatemala, sobre adoções ilegais, sobre tráficobet to goalbebês.

Recebi ajudabet to goalum jornalista, Sebastián Escalón.

Entreibet to goalcontato com ele depoisbet to goaller umbet to goalseus artigos sobre o assunto, no qual me chamou a atenção um nome que ele citou: Ofeliabet to goalGamas.

Em meu arquivo, essa senhora aparece como testemunhabet to goalum falso atestadobet to goalabandono que minha mãe teria assinado.

Escalón se ofereceu para me ajudar. Quero citá-lo porque sem ele nada teria sido possível.

Seu trabalho me permitiu fazer o meu. Graças abet to goalajuda encontrei o rastrobet to goalminha mãe biológica no Facebook.

III. Uma adoção "em ordem"

Meus pais adotivos são pessoas inteligentes.

Eles sempre quiseram adotar e,bet to goalmeados da décadabet to goal1980, contataram o escritório infantil belga para saber mais sobre as agênciasbet to goaladoção aprovadas pelo estado.

A agência (chamada Fazendo Ponte) resolveu todos os procedimentos administrativos com a senhora que mencionei anteriormente.

Normalmente, a agência levaria entre três e dez crianças ou bebês para a Bélgica.

No anobet to goalque minha adoção foi feita, a agência pediu aos pais adotivos que fossem para a Guatemala.

Os meus pais foram me buscar com a certezabet to goalque tudo estavabet to goalordem, pois tinham a garantiabet to goaluma organização reconhecida pelo governo belga.

Agora sabemos que essa mulher, já falecida, era cunhada do então presidente guatemalteco Oscar Mejía Victores, e havia sido presa junto com um homem chamado Edmond Muletbet to goal1980 por tráficobet to goalcrianças.

Mas naquela época não havia internet! E meus pais adotivos não tinham como saberbet to goaltudo isso.

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Guatemalabet to goaldestaque

A Guatemala é frequentemente apontada por organizações internacionais como uma das principais fontesbet to goaladoções internacionais irregulares no mundo.

O país centro-americano foi palcobet to goalum conflito armado brutal (1960-1996), que deixou uma nação empobrecida, com instituições frágeis, 1 milhãobet to goaldeslocados e milharesbet to goalcrianças perdidas.

Ao longo das décadasbet to goal1980, 1990 e iníciobet to goal2000, os hotéis na Guatemala estavam cheiosbet to goalamericanos e europeus buscando crianças.

Muitas das adoções foram realizadasbet to goalcondições legais, mas o tráficobet to goalmenores tornou-se um grande negócio clandestino para o qual é muito difícil ter números exatos.

Segundo o Unicef, órgão das Nações Unidas responsável pela proteçãobet to goalcrianças, maisbet to goal30 mil crianças guatemaltecas foram entregues para adoção internacional entre 1997 e 2007 por um sistema "que não oferecia garantias sobre a origem ou idoneidade da família anfitriã".

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IV. Amor e solidão

Meus pais adotivos sempre me apoiaram e incentivaram.

Minha mãe me disse que viria comigo para a Guatemala se eu sentisse essa necessidade.

Quando mencionei a possibilidadebet to goaltráficobet to goalcrianças, meus pais ficaram muito surpresos e estiveram mais presentes do que nunca.

Eles estavam com medo por mim. Meus amigos e familiares me apoiaram muito.

A pessoa a quem devo tudo é meu marido.

Ele me viu desabar, me acolheu, cuidou da nossa família ebet to goalmuitas coisas do cotidiano quando mergulheibet to goaltodo o coração e segui os rastros dos traficantes.

Mariela Sifontes - Coline Fanon

Crédito, Cortesiabet to goalChokito Tanja

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A jovem guatemalteca usa seus dois nomes: Mariela e Coline

Mas apesarbet to goalter tanto amor e apoiobet to goalmeus entes queridos, me senti muito sozinha para enfrentar e entender essa toneladabet to goalinformações, para aprender espanhol etc.

Durante minha busca, senti que estava desconectada da vida real. As únicas ocasiõesbet to goalque me senti mais presente foram para meus filhos. Tive que continuar sendo a melhor mãe possível e acimabet to goaltudo não ser afetada pela minha situação.

Primeiro, encontrei maisbet to goal200 mulheres com o mesmo nome e sobrenomebet to goalminha mãe biológica. Na Guatemala, você deve pesquisar por organização administrativa e cidade.

Depoisbet to goalnoites e dias, descobri uma foto e imediatamente soube que era ela, "minha mãe". Não gostobet to goaldizer mãe biológica.

V. Como um fantasma

Eu me pareço com minha mãe. Pareço quase uma gêmeabet to goalminhas irmãs. É uma conexão visceral. Achei que meu coração fosse explodir quando vi seus perfis e fotos no Facebook.

Minha irmã mais velha no início pensou que fosse uma mentira. Umabet to goalminhas irmãzinhas me disse: "É impossível que você seja Mariela, ela está morta".

Então minha mãe, Lorena, me escreveu: "Olá, meu amor, acho que soubet to goalmãe. Meu coração vai parar, me disseram que você estava morta".

O relato do que aconteceu comigo foi muito diferente do que eu conhecia até então.

Nasci no Hospital Roosevelt na Cidade da Guatemala. Com 2 diasbet to goalvida, me roubaram.

Minha mãe, que era muito jovem, soube que eu havia sido levada para outro hospital.

Quando ela foi me procurar nesse hospital, disseram que eu não estava, que ela precisava voltar para o Roosevelt.

Na época, disseram a ela que eu havia morrido e que ela não podia ver meu corpo porque eles me enterrarambet to goaluma vala comum.

Ela tevebet to goalassinar um pedaçobet to goalpapel, mas não era o mesmo que fazia parte do meu arquivo.

A primeira conversa com minha mãe, por vídeo chamada, foi muito intensa.

Ela estava muito agitada, ela se mexia, chorava. Todo 7bet to goalnovembro, ela publicava uma oração parabet to goalfilha morta, e agora eu estava na frente dela.

Para ela, foi como ver um fantasma.

VI. Estresse pós-traumático

Eu não vou mentir. Estou sofrendobet to goalum choque pós-traumático.

Emocionalmente, estou arrasada porque ter me reunido com minha família depoisbet to goal30 anosbet to goalseparação e mentiras.

Tenho 13 irmãos biológicos que acabeibet to goalconhecer.

Hoje, presumo que fui vítimabet to goalum sequestro quando tinha 2 diasbet to goalidade, estive 11 mesesbet to goalcativeiro e depois fui vendida sob pretextobet to goaluma adoção internacional.

Mariela e seu irmão mais velho

Crédito, Cortesiabet to goalMariela Sifontes

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Mariela sentiu uma conexão quase imediata com seus irmãos e irmãs

Descobri uma foto minha com outras crianças amarradas com cordabet to goalum porão na Guatemala antesbet to goalser entregue a famílias adotivas.

Estoubet to goaltratamentobet to goalum centrobet to goaltrauma. Tenho muitas ansiedades, mas isso não me impedebet to goalfalar.

Minha família adotiva me meu valores, educação e recursos para enfrentar esse horror. Eles estão devastados e destruídos. Entraram com ações na Justiça. São vítimas como eu.

Hoje estou cansadabet to goalviver duas vidasbet to goaluma.

As pessoas que fizeram isso me condenaram a viver longebet to goalmeus pais para sempre. Eles roubaram minha vida.

Um negócio coordenado

Em 2007, o Congresso da Guatemala ratificou a Convenção sobre Proteção e Cooperação Infantilbet to goalAdoções Internacionais. Também aprovou uma nova leibet to goaladoção que marcava "avanços positivos drásticos",bet to goalacordo com a ONU.

A extinta Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala elaborou então um relatório no qual denunciava as irregularidades cometidasbet to goalrelação às adoções, complexa rede da qual participavam representantesbet to goaldiferentes instâncias do Estado.

"Essas redes (ilegais) são constituídas, entre outras, por colaboradoras encarregadasbet to goalroubar ou 'comprar' criançasbet to goalsuas mães biológicas ou,bet to goaloutros casos, ameaçá-las, coagi-las ou enganá-las para que entreguem seus filhos para adoção. Essas colaboradoras são associadas aos cartórios que processam as adoções", explica o documento.

"Às vezes, usam crianças roubadas com documentação falsa e mulheres que se fazem passar pelas mães biológicas com documentosbet to goalidentidade falsificados. Para isso, tanto os notários quanto as colaboradoras, que geralmente são os núcleos dessas redes, recorrem a médicos, parteiras e cartóriosbet to goalvários municípios e laboratóriosbet to goalDNA onde também são falsificados os respectivos exames."

Em 2018, a Corte Interamericanabet to goalDireitos Humanos condenou a Guatemala por um dos casosbet to goaladoção irregular e ordenou que o país aprove as medidas necessárias para restabelecer os laços familiares das vítimas.

Ofeliabet to goalGamas faleceu na décadabet to goal2010. Edmond Mulet, que nunca foi processado e nega ter cometido qualquer crime, se tornou o secretário-geral adjunto das Nações Unidas para Operaçõesbet to goalPaz e concorreu às eleições presidenciais na Guatemalabet to goal2019.

Na Bélgica, o escândalo atingiu o Unicef. O diretor da filial belga, Bernard Sintobin, teve que renunciarbet to goalmaiobet to goal2019 por estar relacionado às adoções fraudulentas após ter sido tesoureiro da agênciabet to goaladoção Fazer Pontes.

Mariela Sifontes agora está focadabet to goalajudar outras pessoas a encontrar suas famílias biológicas, ebet to goalque a Justiça seja feita.

A luta deles foi registradabet to goalum documentário na rede Telemundo que recentemente ganhou um prêmio Emmy da Academiabet to goalTelevisão dos Estados Unidos.

VII. Futuro

Fundamos uma associação para apoiar a buscabet to goalpessoas adotadas na Bélgica. Chama-se Raízes Perdidas e representamos adotados guatemaltecosbet to goalmaisbet to goal20 países ao redor do mundo.

Fazemos as buscas administrativas e depois enviamos o arquivo para a Ligabet to goalHigiene Mental, organização que inclui um programabet to goalbuscabet to goaldesaparecidos na Guatemala.

Este prêmio Emmy não é só minha história, é um reconhecimentobet to goalum assunto pouco conhecido por todos aqueles que são adotados irregularmente naquele país.

As pessoas não devem ter medobet to goalfalar, mas na Guatemala não se pode dizer tudo porque ainda é perigoso.

Escrevi um livro que será publicadobet to goal2021 no qual conto minha história e as pesquisas que fiz na Guatemala, seguindo a trilha dos traficantes para a Europa, mas também as relações internacionais com o Canadá e os Estados Unidos.

É um dever,bet to goalnomebet to goaltodas as crianças desaparecidas da Guatemala, lembrar o que aconteceu.

Éramos considerados mercadoria e exportados para os quatro cantos do mundo. Somos a prova viva deste tráficobet to goalcrianças que gerou milhõesbet to goaldólares e se infiltroubet to goaltodos os níveisbet to goalgoverno, diplomacia e dentro das chamadas organizações humanitárias.

Como diz meu amigo Osmin Ricardo Tobar Ramírez, que aparece no documentário premiado: "Não somos mais bebês, somos adultos com direitos humanos: conhecer nossas mães e nossas verdadeiras identidades".

Sou filhabet to goalmeus pais biológicos e filhabet to goalcoraçãobet to goalmeus pais adotivos. O amor que tenho pelos quatro é forte e vou lutar para fazer justiça a eles e trazer este tráfico à luz.

Essa luta é o projeto da minha vida e vou defendê-la até fechar os olhos.

Vou terminar dizendo que somos milhares e que, quando a realidade vai além da ficção, não podemos simplesmente nos sentar e não dizer nada.

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