Por que é mais difícil para as mulheres lutar contra alcoolismo e dependência às drogas:fruletta slot
- Leticia Mori
- Da BBC Brasilfruletta slotSão Paulo

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fruletta slot Gabriela* percebeu que precisavafruletta slotajuda quando, depoisfruletta slotsair embriagadafruletta slotuma festa no interiorfruletta slotSão Paulo, bateu o carro, quebrou duas costelas e tomou maisfruletta slot40 pontos no rosto.
"Até então eu achava que estava no controle, que era só eu querer que parariafruletta slotbeber", diz a engenheira civil. "Precisei quase morrer pra perceber que tinha que parar. Só que não consegui."
Depois do acidente, ela começou a ir às reuniõesfruletta slotum grupo dos Alcoólicos Anônimos (AA). Entre os que participavam das reuniões havia apenas duas mulheres - ela e uma senhorafruletta slotmeia idade. Gabriela, que tinha 26 anos na época, conta que imediatamente se tornou um alvofruletta slotcantadas incômodas e avanços sexuais não solicitados.
"Porque compartilhei histórias envolvendo álcool e sexo, eles achavam que podiam me abordar sobre isso. Senti que estava sendo caçada, sabe? Tipo uma presa. Estou acostumada a ambientes masculinos, mas naquele momento eu precisavafruletta slotsinceridade e apoio", afirma.
De tão desconfortável, Gabriela acabou abandonando as reuniões e parou o tratamento.
Ainda lidando com o vício, ela se envolveu com um homem mais velho, que também havia frequentado o AA. "Eu estava frágil e sozinha. No início ele me ajudou a ficar sóbria, mas logo se tornou um relacionamento abusivo e eu passei a beber mais ainda", conta.
Gabriela só conseguiu ficar sóbria por mais tempo ao se internarfruletta slotuma clínicafruletta slotalto padrão no interior do Estado - um luxo inacessível para a maior parte das alcóolatras como ela.
Esse ambiente hostil e tóxico para mulheres que buscam combater seus vícios também foi constatado pela pesquisadora Kátia Varela Gomes - que acompanhou gruposfruletta slotapoio a dependentes químicos para um estudo que fez no Institutofruletta slotPsicologia da Universidadefruletta slotSão Paulo (USP) sobre dependência química e gênero.
"Falta um tratamento adequado. Fiquei chocada ao ver que as frases que os homens falavam eram exatamente as mesmas que eu havia encontrado na literatura (científica): 'mulher quando usa droga fica facinha', 'se é feio para homem beber, imagina para a mulher', etc", afirma a psicóloga.
"As mulheres se calavam e depoisfruletta slotalgumas semanas, desistiam do tratamento."
Tratamento adequado
Diversas pesquisas apontam que o consumofruletta slotálcool entre as mulheres brasileiras tem aumentado, segundo o observatório Cisa (Centrofruletta slotInformações sobre Saúde e Álcool).
De acordo com a Organização Panamericanafruletta slotSaúde, entre 2011 e 2016 a frequênciafruletta slotepisódiosfruletta slotuso abusivofruletta slotálcool (BPE - Beber Pesado Episódico) aumentou entre as mulheresfruletta slot4,6% para 13%. O último Levantamento Nacionalfruletta slotÁlcool e Drogas, feitofruletta slot2014, também indica o aumento desse tipofruletta slotepisódio no Brasil.
O problema é que, na prática, as mulheres acabam tendo menos sucesso nos tratamentos do que os homens.

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"Embora o uso abusivofruletta slotálcool venha aumentando entre as mulheres, o tratamento na maioria das vezes ainda é muito feitofruletta slotum pontofruletta slotvista masculino e voltado para os homens", diz o psiquiatra Cirilo Tissot, especialistafruletta slotdependência química e diretor da Clínica Greenwood,fruletta slotSão Paulo.
"Você precisa levarfruletta slotconsideração questões específicas das mulheres, que muitas vezes são negligenciadas: a questão hormonal, que é diferente, necessidadesfruletta slotcuidados pessoais diferentes", explica.
"Nas clínicas, desodorantes e produtosfruletta slotcuidado pessoal são proibidos, porque a pessoa pode cheirar, ingerir. Para os homens, vir o barbeiro e cortar o cabelo uma vez durante uma internação longa é suficiente. Mas muitas mulheres querem pintar o cabelo, passar uma maquiagem. As pessoas tratam isso como futilidade, frescura. Dizem absurdos como: 'para que se maquiar, quer seduzir alguém?'. Negligenciam o que pode ser um elemento importante para trabalhar autoestima."
Segundo Kátia Gomes, o próprio planejamento dos horários do tratamento pode prejudicar as mulheres. "Se o encontro do grupofruletta slotapoio forfruletta slotum horário que impossibilite as mulheres que têm filhosfruletta slotlevá-los à escola, elas não vão se tratar. O homem quando tem filho deixa com a mãe. As mulheres com adicção, na maioria das vezes, não têm com quem deixar", diz.
"Você tem que lidar com preconceito. Os homens falam assim: eu quero sair porque faz muito tempo que eu não transo. Se não tem namorada, ele vai num prostíbulo, e isso é visto com a maior naturalidade. Você precisa ver a coisa catastrófica que foi quando a primeira mulher disse isso na clínica. Ela avisou ao pai que queria sair no fimfruletta slotsemana porque fazia tempo que não transava. Foi uma crise na família", conta Tissot, cuja clínica recebe pacientes para internamentos longos e curtos.
Segundo os especialistas, até profissionaisfruletta slotsaúde muitas vezes reproduzem preconceitos e julgamentos. "É uma luta constante para conscientizar as colegas profissionais a terem outro olhar", diz Gomes.
Abandono
A solidão à qual as mulheres que têm algum tipofruletta slotvício são expostas é outro fator a enfraquecer o tratamento, segundo os especialistas.
"Os homens que estão se tratando muitas vezes têm apoio das mulheres, da mãe e do pai, efruletta slotalguns casos até dos filhos. As mulheres, emfruletta slotmaioria, estão sozinhas enfrentando suas doenças", conta Katia.
Das cercafruletta slot50 mulheresfruletta slottratamento no Centrofruletta slotAtendimento Psicossocial (CAPS)fruletta slotGuarulhos, na grande São Paulo, só duas têm companheiros que as ajudam. O problema é o mesmo na Clínica Greenwood.
"É uma percepção que tenho desde que fazia residência. Uma mulher lutando conta a dependência muito raramente vai ter o apoio do companheiro. Até a família julga mais e apoia menos quando a paciente é mulher", explica Tissot.

Camila, que ficou internada na clínica durante quatro meses, é um exemplo da situação. Enquanto tentava ficar sóbria, os amigos se afastaram e a relação nunca mais foi a mesma.
"Eu comecei a beber no cursinho pré-vestibular para me enturmar. Sempre fui a baladeira, que não queria ir embora e insistia pro pessoal beber mais. Mas os homens sempre me viam como 'um dos caras' por eu beber muito. Servia para ser amiga, mas não para ter um relacionamento", diz ela.
"Depois, meus amigos sempre procuravam por essa antiga Camila e quando não a encontravam, rolava esse estranhamento", conta a administradorafruletta slotempresas.
Ela conta que os pais, embora a tenham apoiado, nunca a entenderam direito.
"Eu contava das dificuldades, e eles falavam que não, não era tão grave, que a gente conseguiria resolverfruletta slotfamília. Era uma negação mesmofruletta slotque a filhinha deles pudesse ter um vício. Tive que contar sobre as outras drogas que estava usando para eles entenderem que era sério", afirma.
Camila enfrentou a dependência química por maisfruletta slotdez anos e acabou, durante esse tempo, substituindo um vício pelo outro. Teve períodosfruletta slotcompulsão alimentar,fruletta slotconsumo compulsivo efruletta slotcompulsão por sexo.
Já Gabriela não teve o apoio da família para se internar. "Quando eu estava no fundo do poço meu namorado saiufruletta slotcasa e minha mãe disse que eu tinha me afundado porque quis. Não me deu um centavo para o tratamento. Tive que me demitir do emprego para ficar três meses na comunidade terapêutica e ainda não termineifruletta slotpagar a dívida enorme que fiz para pagar o tratamento."
Julgamento
"O estigma colocado sobre pessoas com dependência química sempre existiu, mas a gente percebe, tratando ambos os sexos, que no caso das mulheres isso é muito mais proeminente. O julgamento é muito maior", afirma Cirilo Tissot.
"O vício não é visto como uma doença, mas como uma falha moral, uma questãofruletta slotforçafruletta slotvontade. Ainda mais quando se tratafruletta slotum problema como compulsão sexual", explica Tissot. "Em vezfruletta slotser vista como uma pessoa que precisafruletta slottratamento e apoio, a mulher é vista como pervertida."
Camila fala tranquilamente sobre o problema com álcool efruletta slotdrogas, mas hesita quando o assunto é compulsão sexual.
Ela conta que seu atual namorado entendeu e apoiou quando ela revelou seu problema com drogas e álcool, mas não aceitou muito bem ao descobrir o víciofruletta slotsexo. "Até então ele entendia que eu estava doente, queria cuidarfruletta slotmim, me ajudar. Mas no aspecto do sexo ele não enxergou do mesmo jeito", conta.

Tissot diz que as descobertas científicasfruletta slotque vícios estão relacionados a desequilíbrios químicos do corpo foram mudando a visão sobre o tema ao longo do tempo, mas que o julgamento moral sobre as mulheres permanece até hoje.
"A repressão que existe sobre a mulher é tal que quando a pessoa fica desviante dessas expectativas, o quadro é considerado mais grave", diz ele.
Kátia Gomes diz que a dependência química feminina "configura-se como porta-voz do que é intolerável na feminilidade".
"Uma mulher que está grávida e tem uma adicção é vista como um monstro. Mas se é uma patologia ela não tem controle. Esse tipofruletta slotcondenação é um tiro pela culatra, porque só aumenta o nívelfruletta slotansiedade dessa mulher, que muitas vezes foi o que a levou a desenvolver o víciofruletta slotprimeiro lugar", explica Gomes.
Tissot afirma que mulheres que têm filhos se sentem muito mais culpadas que os homensfruletta slotse afastar por alguns meses para se tratar. "A gente explica que ela precisa estar bem. Não adianta estar aqui fora e não ter condiçõesfruletta slotcuidar dos filhos."
Centenas pesquisas feitas nos EUA apontam as diferenças entre os gêneros na questão da dependência química.
Segundo uma revisão da literatura científica publicada por pesquisadoras como Shelly F. Greenfield, da Escolafruletta slotMedicinafruletta slotHarvard, e Susan M. Gordon, da Universidade do Arizona, estudos feiros entre 1990 e 2005 já indicavam que as mulheres com a patologia têm menor chancefruletta slotobter tratamento adequado.
Já no Brasil, a pesquisafruletta slotKatia Varela Gomes, publicadafruletta slot2010, foi apenas a quinta a estudar as especificidades da dependência e do tratamentofruletta slotmulheres.
"A própria faltafruletta slotpesquisas na área por aqui mostra essa desigualdade", afirma a psicóloga, ressaltando que,fruletta slotcondições não preconceituosas e equânimes, as mulheres teriam tanta chancefruletta slotrecuperação quanto os homensfruletta slotum tratamento.
Hoje ela trabalha no CAPs (Centrofruletta slotAtendimento Psicossocial)fruletta slotGuarulhos com gruposfruletta slotapoio exclusivos que atendem as demandas específicas das mulheres. Ela afirma que a chancefruletta slotuma mulher se recuperar não é diferente dafruletta slotum homem se ela receber apoio e tratamento apropriado. "Eu vejo muitas históriasfruletta slotsucesso,fruletta slotmulheres que estão recuperadas e levando uma vida bem mais funcional e feliz."
* Sobrenomes ocultados a pedido das entrevistadas.








