Brasil é competitivo porque exporta soja sem cobrar por água e biodiversidade perdidas, diz cientista:bet1000 sport

bet1000 sport Para o biólogo e pesquisador Reuber Brandão, o Cerrado brasileiro bet1000 sport vive um momento dramático: o desmatamento e o avanço descontrolado do agronegócio sobre o território estão matando nascentesbet1000 sportágua e pequenas lagoas extremamente importantes para o abastecimento da população e a geraçãobet1000 sportenergia elétrica.

Oito das 12 principais bacias hidrográficas brasileiras, como as dos rios São Francisco e Paraná, nascem nesse que é o segundo maior bioma do país, perdendo só para a Amazônia.

Segundo Brandão, o uso da água do Cerrado para irrigaçãobet1000 sportprodutos agrícolas, principalmente a soja, está diminuindo o volume do recurso nessas bacias, alémbet1000 sportdestruir boa parte da fauna e da flora que fazem do bioma a savana mais biodiversa do planeta.

"Quando você exporta uma commodity como a soja, o valor da água e da biodiversidade perdidas não está embutido no preço da semente. Por isso, o Brasil é competitivo", disse o pesquisadorbet1000 sportentrevista à BBC News Brasil.

Brandão aponta que boa parte do bioma já está perdido para sempre. Conservar o restante do Cerrado, diz, seria um movimento estratégico mais importante do que manter o país na posiçãobet1000 sportmaior exportadorbet1000 sportsoja do mundo.

Segundo o Sistemabet1000 sportDetecçãobet1000 sportDesmatamentobet1000 sportTempo Real (Deter), do Instituto Nacionalbet1000 sportPesquisas Espaciais (Inpe), o Cerrado perdeu 4.091,6 km² para o desmatamento entre janeiro e julho deste ano, uma altabet1000 sport28,2%bet1000 sportrelação ao mesmo período do ano passado.

Os dados mostram que os Estados que mais desmataram estão na região conhecida como Matopiba — principal fronteirabet1000 sportexpansão agrícola no país: Maranhão, Bahia, Tocantins e Piauí.

De acordo com o MapBiomas, plataforma que monitora o uso do solo no Brasil, 45,4% do Cerrado já foi destruído para dar lugar à agropecuária.

Reuber Brandão,bet1000 sport50 anos, conhece o Cerrado desde a infância, quando brincava e consumia as frutas típicas. Depois, estudou a biodiversidade da região até virar professorbet1000 sportmanejobet1000 sportfauna ebet1000 sportáreas silvestres da Universidadebet1000 sportBrasília (UnB), cidade onde nasceu. Ele também é membro da Redebet1000 sportEspecialistasbet1000 sportConservação da Natureza (RECN).

Neste ano, o biólogo liderou uma equipebet1000 sportpesquisadoresbet1000 sportuma expedição na reserva particular Serra do Tombador,bet1000 sportGoiás, área que pertence à Fundação Grupo Boticáriobet1000 sportProteção à Natureza desde 2007. Na áreabet1000 sport9 mil hectares, os cientistas encontraram 34 espéciesbet1000 sportanfíbios e 55 répteis, boa parte desconhecida naquela região.

Reservas particulares, diz Brandão, podem ser uma das soluções para conservar a parte do Cerrado que ainda resta. "Empresários que preservam a natureza devem ser valorizados e remunerados", diz.

Na entrevista a seguir, ele também fala sobre o consumo da água do Cerrado pelo agronegócio, o histórico da ocupação do território e como o bioma deveria ser conservado e utilizado para gerar riquezas ao Brasil.

bet1000 sport BBC News Brasil - Por que o Cerrado é importante?

bet1000 sport Reuber Brandão - O Cerrado é a savana mais diversa e úmida do planeta, com paisagens belíssimas como a Chapada dos Veadeiros. Quando a gente pensabet1000 sportsavana, pensa na África com elefantes ou na Austrália com os cangurus. Mas nenhuma dessas savanas tem a diversidade do Cerrado. Ele tem maisbet1000 sport12 mil espéciesbet1000 sportárvores.

Há uma pluviosidade (volumebet1000 sportchuvas) comparada àbet1000 sportregiões da Amazônia, mas a chuva é concentradabet1000 sportpoucos meses do ano. Oito das 12 bacias hidrográficas do Brasil nascem no Cerrado. E,bet1000 sportalgumas delas, 70%bet1000 sportsuas águas vêm do bioma, como a bacia do rio São Francisco. Pensandobet1000 sportgrandes projetos para o país, sem a conservação do Cerrado você inviabiliza inclusive a transposição do São Francisco.

As usinas hidrelétricas dependem da água do Cerrado para gerar energia. Os processos hidrológicos do Pantanal também, porque uma parte das águas que correm por ele nasce no Cerrado. Essa combinaçãobet1000 sportbiodiversidade com a quantidadebet1000 sportnascentes coloca o biomabet1000 sportuma posição estratégica para o Brasil.

bet1000 sport BBC News Brasil - O abastecimentobet1000 sportáguabet1000 sportoutras partes do país pode ser afetado pela destruição do Cerrado?

bet1000 sport Brandão - Sim, afeta do abastecimentobet1000 sportágua nas cidades à geraçãobet1000 sportenergia. Afeta a própria água necessária para a agricultura. Não faz muito sentido a agricultura brasileira tratar a água como um insumo infinito, quando todo mundo sabe que ela pode acabar.

O próprio agronegócio tem preocupação com isso, porque já sabe que maisbet1000 sport80% das bacias hidrográficas do Cerrado diminuírambet1000 sportquantidadebet1000 sportágua.

bet1000 sport BBC News Brasil - Como essa água está sendo afetada?

bet1000 sport Brandão - O maior reservatóriobet1000 sportágua do planeta é o solo, onde ela permanece por muito tempo. Isso permite o crescimento da vegetação e uma grande quantidadebet1000 sportágua nas nascentes.

Nas chapadas, as áreas mais altas cobertas pelo Cerrado, essa água é aparentebet1000 sportveredas, lagoas rasas e nascentes. Mas esse volume vem do afloramento do lençol freático. E esse lençol depende da água da chuva que entra no solo e da quantidade usada para outros fins.

Quando há um rebaixamento desse lençol, esses ambientes deixambet1000 sportcrescer. Os pequenos riachosbet1000 sportmontanha, as veredas e lagoasbet1000 sportalto chapadas são fortemente afetadas pela irrigação da agricultura.

bet1000 sport BBC News Brasil - Onde isso está acontecendo?

bet1000 sport Brandão - No oeste da Bahia, por exemplo, o aumento da demanda por água para irrigação no sistemabet1000 sportpivôs centrais ocasionou o desparecimentobet1000 sportlagoas e veredas dos rios das Éguas, Arrojado e Formoso. Conheço veredas cuja nascente recuou maisbet1000 sport10 quilômetrosbet1000 sportrelação à original. Essas áreas, que tinham a presençabet1000 sportcorpos aquáticos na paisagem, passaram a ser muito mais secas.

E isso tem um impacto muito grande sobre fauna e flora, porque as plantas que precisam ter contato com a água do solo sofrem um estresse hídrico e começam a morrer. Há um grande mortalidadebet1000 sportárvores. Já a fauna foge para procurar áreas com água.

bet1000 sport BBC News Brasil - Estamos retirando a água do Cerrado para irrigar o quê?

bet1000 sport Brandão - Principalmente soja. O único destinobet1000 sportocupação do território do Cerrado é o agronegócio. E ele tem uma demanda muito grande por água. Um único pivô central, aqueles círculosbet1000 sportirrigação com uma lançabet1000 sport150 metros, gasta por ano a mesma quantidadebet1000 sportágua que 4 mil famílias. Cada pivô central é uma pequena cidade — e há 1 milhão deles no Brasil.

Essa água é retirada do solo com autorização do Estado, por meiobet1000 sportoutorgas previstas na lei. Mas é bem possível que existam irrigações ilegais também. A expectativa é que o número áreas irrigadas aumente muito nos próximos anos.

Quando você exporta uma commodity como a soja, o valor da água e da biodiversidade perdidas não está embutido no preço da semente. Por isso, o Brasil é competitivo. É uma visão reducionista e míope do país, porque a commodity não tem valor agregado e depende da oscilação do mercado. De repente, o preço cai e vira uma quebradeira geral. É diferente do produto industrial.

bet1000 sport BBC News Brasil - O que poderia ser feitobet1000 sportdiferente?

bet1000 sport Brandão - O Cerrado tem um potencialbet1000 sportbiodiversidade gigantesco. Seja para bioprodutos tecnológicos, como colas, ou para alimentícios, cosméticos e medicamentosos, como analgésicos. Há proteínas do veneno da jararaca, por exemplo, com valor econômico enorme. Ou a grande quantidadebet1000 sportpalmeiras que nunca foram estudadas. A mesma coisa com as castanhas do Cerrado, que poderiam ter um impactobet1000 sportuso global.

Veja o caso do açaí, que não é do Cerrado, mas é um produto brasileiro quebet1000 sportpouco tempo se tornou uma commodity. Hoje, há áreas na Amazônia que estão deixandobet1000 sportcriar búfalos para plantar açaí, o que ajuda na recomposição da floresta.

O Cerrado é único, e o Brasil ainda não acordou para o fatobet1000 sportque tratá-lo como mero campobet1000 sportexpansão da pecuária e da agricultura sem proteção garantida pela lei é colocar fogo no nosso futuro. Estamos apostandobet1000 sportum modelobet1000 sportprodução sem valor agregado que depende da ocupaçãobet1000 sportgrandes territórios para ser viável. Ninguém consegue ter uma produçãobet1000 sportsoja economicamente viável com menosbet1000 sport800 hectaresbet1000 sportterra.

bet1000 sport BBC News Brasil - Os programasbet1000 sportconservação do Cerrado ficaram para trásbet1000 sportrelação a outros biomas, como a Amazônia e a Mata Atlântica?

bet1000 sport Brandão - Por muito tempo, o Cerrado se manteve conservado por causabet1000 sportseu solo ácido. Poucas culturas agrícolas efetivamente davam certo. Outro ponto foi o isolamento geográfico. A maior parte da ocupação do Brasil estava no litoral e ao longobet1000 sportgrandes rios, como o Amazonas e o São Francisco.

Mas isso mudou bastante com a inauguraçãobet1000 sportBrasília,bet1000 sport1960, e com o avanço tecnológico da Embrapa (Empresa Brasileirabet1000 sportPesquisa Agropecuária) no campo da calagem do solo (técnicabet1000 sportpreparação que diminui a acidez do solo). Ele se tornou viável para ser ocupado pela agricultura, e isso aconteceubet1000 sportmaneira acelerada.

Quando o Brasil acordou, boa parte do Cerrado já estava destruída. Não houve a criaçãobet1000 sportgrandes áreasbet1000 sportconservação. No próprio imaginário do brasileiro, ele fica atrásbet1000 sportoutros biomas, como Amazônia, a Mata Atlântica, o Pantanal. As pessoas se perguntam: 'para que serve o Cerrado?'

bet1000 sport BBC News Brasil - Quais áreas já foram destruídas?

bet1000 sport Brandão - Existem Cerrados diferentes. Em cada lugar, há um ecossistema e uma biodiversidade diferentes, pois o Cerrado tem quase o tamanho da Argentina.

A parte sul do Cerrado, no Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas e São Paulo, praticamente não existe mais. Há apenas minúsculos fragmentos, muito alterados. As maiores áreas maiores ainda estão no norte,bet1000 sportTocantins, Maranhão e Piauí. Elas são muito valiosas. E conservá-las é uma questão urgente para o Brasil. É preciso criar grandes áreasbet1000 sportconservação.

bet1000 sport BBC News Brasil - É possível recuperar algumas áreas?

bet1000 sport Brandão - Quando ela está degradada, ainda é possível recompor grande parte do que foi perdido. Mas, se o solo é removido completamente, demoraria milhõesbet1000 sportanos para recuperar a biodiversidade. As pessoas precisam entender que, quando você destrói uma área dessas, não tem mais volta, ela está permanentemente perdida.

bet1000 sport BBC News Brasil - As chamadas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), que estãobet1000 sportexpansão, podem ser uma solução para o bioma?

bet1000 sport Brandão - O grande problema das reservas privadas é que muitos proprietários não têm condiçãobet1000 sportcontribuir com uma grande quantidadebet1000 sportterra para conservação. Para eles, é muito caro ceder o território.

Do pontobet1000 sportvista da conservação, não faz grande diferença, porque pequenos fragmentos não vão ajudar muito na preservaçãobet1000 sportmamíferos e predadoresbet1000 sportgrande porte, como onças e crocodilos, que precisambet1000 sportenormes áreas e muitas presas para sobreviver.

Mas esse modelo é muito importante porque, com as reservas particulares, dá para proteger áreas singulares ou pequenos remanescentes que sobraram. Dá para unir reservas e aumentar conectividade, principalmente se a propriedade for no entornobet1000 sportuma área pública protegida.

Já existem 1,5 mil reservas particulares no Brasil, então o modelo deu certo. Isso mostra que o proprietáriobet1000 sportterra não é uma pessoa insensível à conservação da biodiversidade, ele tem a percepção do valor do recurso natural. Donobet1000 sportterra que conserva a natureza precisa ser valorizado.

bet1000 sport BBC News Brasil - O senhor acredita há no agronegócio a preocupaçãobet1000 sportque a destruiçãobet1000 sportbiomas como Cerrado e Amazônia pode ser prejudicial aos negócios, como haver dificuldadebet1000 sportexportar produtos oriundosbet1000 sportáreas desmatadas?

bet1000 sport Brandão - Os empresários da agricultura não tem um modo únicobet1000 sportpensar. Existem grandes empresários que são instruídos, que sabem o impacto da perdabet1000 sportágua e das mudanças climáticas. Eles não são negacionistas e estão acompanhando o mercado internacional, que está cada vez mais preocupado com a questão ambiental.

Veja o caso da Europa... Você não acha que um alemão, ao ver um rio do país secar, não está pensando no efeito estufa e no desmatamento da Amazônia? Com certeza está.

A tendência é esses mercados colocarem cada vez mais barreiras para produtos vindos do desmatamento. Então existe sim uma preocupação real dos proprietários com o futuro da atividade agrícola, porque eles são pessoas que tem um vínculo com uma produção, e eles querem deixar a terra para os filhos.

bet1000 sport BBC News Brasil - Quais são as principais questões do Cerrado que o próximo presidente precisará enfrentar?

bet1000 sport Brandão - A primeira coisa é aumentar a redebet1000 sportáreas protegidasbet1000 sportpontos remanescentes importante. Outra é agilizar um projetobet1000 sportleibet1000 sportpagamentos aos proprietários que mantêm conservaçãobet1000 sportsuas áreas. Eles precisam ser remunerados por isso. É necessário que, do pontobet1000 sportvista econômico, seja interessante para o proprietário manter áreas naturaisbet1000 sportvezbet1000 sportdesmatar.

Um terceiro ponto é se aproximarbet1000 sportproprietários na região do sul do Cerrado para incrementar projetos importantesbet1000 sportrecomposição do bioma. Também seria muito importante valorizar e empoderar as universidades e instituiçõesbet1000 sportpesquisa, para que seja possível desenvolver projetosbet1000 sportbiotecnologia a partir do Cerrado.

Você pode criar startups do Cerrado. Por exemplo, uma empresa que desenvolva um novo produto a partir do baru (espéciebet1000 sportárvore), oubet1000 sportuma castanha, um novo tipobet1000 sportadesivo a partir do extratobet1000 sportuma proteínabet1000 sportalguma planta ou animal do Cerrado. Há um potencial imenso a ser explorado.

- Este texto foi publicado originalmentebet1000 sporthttp://www.mi-rob.com/brasil-62718299

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