Quando a ditadura perseguiu cientistas e interrompeu pesquisas: os 50 anos do 'Massacrebet 77 betManguinhos':bet 77 bet

Crédito, Acervo da Casabet 77 betOswaldo Cruz (COC)
Acesso bloqueado
Ao todo, faziam parte da "lista negra" publicada no Diário Oficial, além dos já citados Sebastião Josébet 77 betOliveira (1918-2005), Herman Lent (1911-2004) e Moacyr Vazbet 77 betAndrade (1920-2001), os pesquisadores Augusto Perissé (1917-2008), Domingos Arthur Machado Filho (1914-1990), Fernando Braga Ubatuba (1917-2003), Haity Moussatché (1910-1998), Hugobet 77 betSouza Lopes (1909-1991), Masao Goto (1919-1986) e Tito Arcoverdebet 77 betAlbuquerque Cavalcanti (1905-1990).
Todos tinham maisbet 77 bet30 anosbet 77 betcarreira, eram reconhecidos internacionalmente porbet 77 betprodução científica e coordenavam equipesbet 77 betjovens pesquisadoresbet 77 betseus laboratórios.
Apesarbet 77 betseus currículos invejáveis, tiveram que retirar seus pertences às pressas e, a partir do dia seguinte, foram proibidosbet 77 betcolocar os pés na instituição. Até o acesso à biblioteca foi vedado.

Crédito, Acervo da Casabet 77 betOswaldo Cruz (COC)
bet 77 bet 'Impacto terrível'
O episódio entrou para a história da Ciência brasileira como "O Massacrebet 77 betManguinhos".
O termo foi cunhado pelo entomologista Herman Lent numa alusão ao bairro da Zona Norte do Rio onde fica o Pavilhão Mourisco, prédio-símbolo da Fiocruz, e eternizado como títulobet 77 betseu livro, lançadobet 77 bet1978 e relançadobet 77 bet2019.
A capa da primeira edição, desenhada pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012), exibe a ilustração do Castelo Mourisco, com umabet 77 betsuas torres desmoronando.
Com a cassação dos dez cientistas, seus laboratórios foram fechados, suas pesquisas, interrompidas e suas equipes, desfeitas.
"A ditadura militar teve um impacto terrível sobre o desenvolvimento científico brasileiro", avalia a socióloga Wanda Hamilton, pesquisadora da Casabet 77 betOswaldo Cruz (COC).
"Não só sobre os dez cientistas cassados, mas sobre todo o Instituto Oswaldo Cruz. Tanto que,bet 77 bet1974, o ministro da Saúde, Paulobet 77 betAlmeida Machado, declarou que a Fiocruz era um 'cadáver insepulto' na Avenida Brasil."
Se cada um dos dez cientistas tivesse preparado um profissional por ano, teriam formado,bet 77 bet1970 a 1986, 160 novos cientistas. Um número grande, mas abaixo do real.
Só na Divisãobet 77 betFisiologia e Farmacodinâmica, onde atuava o médico turco Haity Moussatché, havia,bet 77 bet1970, 20 estudantes.
O biólogo Renato Cordeiro, pesquisador do IOC, era um deles. "Eu e outros estudantes fomos expulsos dos laboratórios e impedidosbet 77 betentrar na instituição", recorda o autor do posfácio Momentos sombrios para não serem esquecidos pelas novas gerações, do livrobet 77 betLent. "Pesquisas foram interrompidas e sonhos, destruídos."

Crédito, Acervo da Casabet 77 betOswaldo Cruz (COC)
Buscando sobrevivência
Impedidosbet 77 bettrabalharbet 77 betoutras instituiçõesbet 77 betensino e pesquisa com verbas públicas, os 10 cientistas trilharam os mais diferentes caminhos.
Domingos Machado permaneceu como professor da Faculdadebet 77 betMedicinabet 77 betValença, e Hugobet 77 betSouza Lopes continuou suas pesquisas no Museu Nacional, mas, sem poder ser contratado.
Sebastião Oliveira prestou serviços à iniciativa privada e Masao Goto dedicou-sebet 77 bettempo integral abet 77 betclínica particular. Até assumir a chefiabet 77 betcontrolebet 77 betqualidadebet 77 betprodutos farmacêuticos e alimentíciosbet 77 betuma empresa, Moacyr Vazbet 77 betAndrade ficou dois anos e meio desempregado.
"A maior preocupação do meu pai era: como sobreviver sem o salário perdido com a cassação? E sem poder trabalharbet 77 betqualquer entidade pública?", recorda o neurocientista Roberto Lent, pesquisador do Institutobet 77 betCiências Biomédicas da Universidade Federal do Riobet 77 betJaneiro (UFRJ) e filhobet 77 betHerman Lent.
"Felizmente, foi acolhido pelo presidente da Academia Brasileirabet 77 betCiências, Aristides Leão, que o convidou para ser editor das publicações da casa."

Crédito, Acervo da Casabet 77 betOswaldo Cruz (COC)
Outros quatro cientistas seguiram para o exterior: Augusto Perissé passou a fazer pesquisa científica na França e na Alemanha, Fernando Ubatuba deu aulas na Inglaterra e na Escócia, e Haity Moussatché e Herman Lent foram contratados por universidades da Venezuela.
"As cartas trocadas entre os que partiram para o exílio e os que ficaram no Brasil revelam angústias, problemas e saudades", atesta o cientista político Gilberto Hochman, pesquisador da Casabet 77 betOswaldo Cruz e professor do Programabet 77 betPós-Graduaçãobet 77 betHistória das Ciências e da Saúde.
Pesquisadores responderam a três inquéritos
Muito antesbet 77 betserem cassados,bet 77 betabrilbet 77 bet1970, os dez cientistas já eram alvos do regime militar.
Entre 1964 e 1966, responderam a três inquéritos: civil, militar e administrativo. Quando eram chamados para depor, sob acusaçãobet 77 betserem "corruptos", "subversivos" e "conspiradores", tinhambet 77 betresponder a perguntas do tipo: "Você é comunista?", "Faz partebet 77 betalgum partido político?" ou "Exerce alguma atividade política no IOC?".
Em geral, quem respondia "não" a todas as perguntas era liberadobet 77 betpoucos minutos.
Em 1968, o bioquímico gaúcho Fernando Ubatuba,bet 77 bet51 anos, chegou a passar 14 dias incomunicável no paiolbet 77 betpólvora do Exército,bet 77 betParacambi, a 75 km do Rio, na Baixada Fluminense.
Nenhum dos inquéritos conseguiu provar nada contra qualquer um dos pesquisadores.
"Os relatórios produzidos pelos órgãosbet 77 betrepressão revelaram muitos aspectos nublados do período, como o fatobet 77 betnão existirem provas, suficientes, concretas e reais, sobre a suposta subversão ou inaptidão profissional dos cientistas cassados", afirma o historiador Daniel Elian, autor da dissertaçãobet 77 betmestrado Ciência, Política e Segurança Nacional: O 'Massacrebet 77 betMaguinhos' (1964-1970) e do livro Massacrebet 77 betManguinhos: Ciência Brasileira e o Regime Militar (1964-1970), que será lançadobet 77 betbreve pela Editora Hicitec.
Em depoimento ao documentário O Massacrebet 77 betManguinhos,bet 77 betLauro Escorel Filho, o médico paulista Tito Arcoverde confirma: "Respondemos a vários processos e ninguém foi indiciado".
Por essa razão, quando foi publicada a cassação no Diário Oficial do dia 2bet 77 betabrilbet 77 bet1970, a notícia surpreendeu a todos. Logo entenderam que a decisão fora tomada por motivações pessoais.
Para a maioria deles, o médico Franciscobet 77 betPaula da Rocha Lagoa, ex-diretor do instituto, teria usado o novo cargo,bet 77 betMinistro da Saúde, para concluir um projetobet 77 betvingança.
"Como nós tínhamos denunciado desviobet 77 betverba da malária, da peste bubônica e da meningite, estávamos muito visados", afirma Domingos Machado,bet 77 betentrevista ao mesmo documentário.

Crédito, Acervo da Casabet 77 betOswaldo Cruz (COC)
Os cientistas foram perseguidos, também, por divergir sobre o papel social do IOC.
Enquanto aqueles que detinham o poder, como Rocha Lagoa, nomeado diretorbet 77 bet1965, queriam que a instituição se limitasse a produzir soros e vacinas, os cientistas acreditavam que a produção científica era um importante instrumento para o desenvolvimento nacional.
Mais que isso, defendiam a criaçãobet 77 betum Ministério da Ciência e da Tecnologia, um sonho que só se tornaria realidadebet 77 bet1985, com a redemocratização do país.
"Víamos a ciência como algo fundamental para o desenvolvimento socioeconômico do país. Eu podia me aposentar. Já tinha maisbet 77 bet35 anosbet 77 betserviços. Mas, eu disse: 'Eu não. Eu não me aposento. Vou cair. Mas, vou cairbet 77 betpé'. E fiquei aqui até que me cassaram", relatou Haity Moussatché ao Acervobet 77 betHistória Oral da Casabet 77 betOswaldo Cruz.
Por essas e outras, os dez cientistas foram taxadosbet 77 betsubversivos e acusadosbet 77 betconspirar contra a administração pública. Em uma das visitas que fez ao laboratóriobet 77 betLent, logo que assumiu a direção, Rocha Lagoa chegou a comentar, ao discorrer sobre seus planos para a instituição, que se baseava na orientação do Pentágono, a sede do Departamentobet 77 betDefesa dos EUA. "Não pude deixarbet 77 betemitir uma sonora gargalhada", relata Lent, no livro O Massacrebet 77 betManguinhos.
Nem o filho do fundador da instituição, Walter Oswaldo Cruz, escapou ileso. Por recomendaçãobet 77 betRaymundobet 77 betBritto (1909-1988), ministro da Saúde do governo Castelo Branco, Rocha Lagoa ordenou que todo e qualquer recurso destinado ao IOC passasse pelo seu crivo.
Acusadobet 77 betpropaganda subversiva e proselitismo político, Oswaldo Cruz deixoubet 77 betreceber os repasses vindosbet 77 betinstituições americanas, como as fundações Ford e Rockefeller.
Seu laboratório chegou a ser fechado pela direção. Em 1967, teve um infarto fulminante e morreu aos 57 anos.
"Desde 1964, o filhobet 77 betOswaldo Cruz foi vítimabet 77 betperseguição política. Há quem atribua seu adoecimento ao estrangulamentobet 77 betsuas pesquisas", observa Hochman.

Crédito, Acervo da Casabet 77 betOswaldo Cruz (COC)
Em 1969, Rocha Lagoa foi nomeado ministro da Saúde do governo Médici e a situação no instituto se tornou insustentável. Seis meses depoisbet 77 betsua nomeação, os dez cientistas que ele perseguira implacavelmente durantebet 77 betgestão foram defenestrados da instituição. Em 1978,bet 77 betdepoimento à revista IstoÉ, Rocha Lagoa se isentoubet 77 betqualquer responsabilidade.
Ao assumir o ministério, explicou ao repórter Maurício Dias, já havia duas comissõesbet 77 betinquérito, ambas instauradas na gestãobet 77 betseu antecessor, Raymundobet 77 betBritto, investigando os pesquisadores.
Em O Massacrebet 77 betManguinhos, Lent rebate essa versão. "Como diretor do instituto, o Lagoa pleiteou nossa saída junto a dois ministros, mas não conseguiu. Quando ele se tornou ministro, fez o que quis."
Cientistas reintegrados 16 anos depois
Em 1986, cinco anos depois da sanção da Leibet 77 betAnistia, os dez cientistas foram reintegrados à Fiocruz. Apenas Lent optou por não regressar à instituição. Preferiu continuar dando aulas na Universidade Santa Úrsula,bet 77 betBotafogo, na Zona Sul do Rio, que o acolherabet 77 bet1976.
"Ao voltar para o Brasil, meu pai foi acolhido pela Santa Úrsula e convidado a montar um laboratóriobet 77 betpesquisa. Ele achou que não seria correto abandoná-la para voltar à Fiocruz", relata seu filho, Roberto.
Os demais pesquisadores sugeriram nomes que consideravam importantes para o desenvolvimentobet 77 betsuas pesquisas. O então presidente da Fiocruz, o médico sanitarista Sérgio Arouca (1941-2003), autorizou todas as contratações.

Crédito, Acervo da Casabet 77 betOswaldo Cruz (COC)
A cerimôniabet 77 betreintegração aconteceu no dia 15bet 77 betagosto e contou com a presença, entre outros, do ator Mário Lago (1911-2002), presidente da Comissão Nacionalbet 77 betAnistia; do deputado federal Ulysses Guimarães (1916-1992), presidente da Câmara; e do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), então vice-governador do Rio.
"A dor que me dói, a lágrima que eu choro, é pelas pesquisas que foram interrompidas e nunca mais se farão. É pelos jovens cientistas que teríamos formado e que não se formarão nunca. A Ciência é a última profissão que não se aprende nos livros. É um cientista que cria outro. E vocês, os mais preparados para frutificar novas gerações, foram proibidosbet 77 betse multiplicar", discursou Darcy Ribeiro.
Os dez cientistas concederam uma sériebet 77 betentrevistas às pesquisadoras da Casabet 77 betOswaldo Cruz, Wanda Hamilton e Nara Azevedo. Por vezes, caíram na risada ao recordar o absurdo das investigações. Certa vez, foram acusadosbet 77 betpromover "feijoadas e vatapás subversivos" nas dependências da instituição.
Emocionados, lembraram, ainda, da solidariedade prestada por seus funcionários. Um deles disse a Sebastiãobet 77 betOliveira que, caso ele precisasse, poderia pegar o que quisessebet 77 betuma conta que mantinhabet 77 betum armazém das redondezas.
"Homenagear a memória dos cientistas cassados ebet 77 bettodos aqueles que sofreram perseguições políticas é uma advertência: não haverá desenvolvimento científico e tecnológico sem memória, liberdade e justiça. Defender a Ciência é defender a democracia", afirma Hochman.

bet 77 bet Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube bet 77 bet ? Inscreva-se no nosso canal!




