Muros, pedintes e vendaprimeiro cassino do mundoágua: as descobertas da indígena que mudou para a cidade para 'entender a lei dos brancos':primeiro cassino do mundo

Quando alguém chama um guerreiro para caçar, ele pega a flecha e vai embora. A mulher, não. Ela tem que ver o que tem que levar para o filho, se vai ficar uma planta, um macaco, um papagaio, se alguém vai ficar com fome. As mulheres pensam no coletivo. Os homens são mais soltos. Nós fomos ensinar isso.

Ensino do branco

Vai fazer um ano que sou estudante. Me mudei para Santarém e entrei na faculdadeprimeiro cassino do mundodireito para entender a lei que os brancos criam, mas que nem eles mesmos respeitam.

Para nós, indígenas, o que vale é a nossa palavra, a palavra do cacique. Não precisa ter papel. Mas, com os grandes projetos na nossa região e a não demarcação das nossas terras, a gente precisa começar a pegar na caneta, escrever no papel e divulgar.

Mesmo sendo uma universidade dentro da Amazônia, ela é muito preconceituosa, muito racista. A universidade foi feita para o branco, não para os povos indígenas. Você nota isso nas falas, nos ensinamentos.

Por isso nós, indígenas, brigamos no Brasil por uma educação diferenciada. O sistema do branco diz que as aulas têm que acontecer na escola. Se uma pessoa que não é professora leva uma criança para a roça para ensinar a plantar, ou vai ao rio ensinar a pescar, o sistema diz que é perdaprimeiro cassino do mundotempo, que aquilo não serve como ensino.

Mas educação não se ensina só na salaprimeiro cassino do mundoaula. No rio tem matemática e ciência. Na floresta, também. O ensinamento não é só o que o branco traz no livro.

Mudança para a cidade

Quando fui morarprimeiro cassino do mundoSantarém com meus dois filhos e marido, levei algumas coisas da minha casa, como algumas galinhas. Eu logo estranhei o espaço, que era muito pequeno. Quem mora na aldeia tem a liberdadeprimeiro cassino do mundocorrer ou andar para onde quiser. Numa cidade, você não pode fazer isso, porque tem limite, ali tudo é muro.

Meu filho falou: "Mãe, eu quero comer banana". Lá na aldeia tem um monteprimeiro cassino do mundobanana estragando. Mas como iríamos trazer bananaprimeiro cassino do mundolá, a quase 400 kmprimeiro cassino do mundodistância? Então, a gente comprou.

Tínhamos um poucoprimeiro cassino do mundorecurso. Antesprimeiro cassino do mundome mudar para a cidade, fizemos um bingo para me manter lá. Com esse recurso a gente comprava peixe, pagava aluguel, comprava água. Na nossa cultura, a gente não compra água.

Se você for a qualquer casa indígena, tem água, eles te oferecem. Na cidade, não. Se você não tiver recurso para comprar, você não sobrevive.

A gente comeu todas as galinhas. Quando começou a acabar o recurso, comprávamos só ovo, que era barato, e conservas.

Era tão doído quando meus filhos pediam para comer peixe e você não sabiaprimeiro cassino do mundoonde tirar. Na aldeia, os filhos nem precisam pedir. Eles mesmos sabem pescar e assar. Essa dor que a gente sente quando mora na cidade, eu não quero para os meus parentes.

Luta pela terra

Em Santarém, conheci gente do povo warao, da Venezuela. Perguntei à parente — porque para nós eles são parentes — por qual motivo eles tinham saído daprimeiro cassino do mundoterra,primeiro cassino do mundoseu país, para viver na rua, pedindo esmola. Ela me disse que tinha sido obrigada a sair porque as terras deles foram tomadas. Para que os filhos não morressemprimeiro cassino do mundofome, tiveramprimeiro cassino do mundovir para cá pedir esmola.

É por esse motivo que lutamos para garantir nossas terras. Se não lutarmos, qual país vai dar terra para gente? Qual país vai botar munduruku, caiapó, yanomami no seu país?

Não fomos nós que invadimos outros países, os países é que estão nos invadindo. E o Brasil ainda está sendo colonizado, esse processo nunca parouprimeiro cassino do mundoacontecer.

Hoje o governo quer construir uma ferrovia, a Ferrogrão, para levar soja e milho do Mato Grosso até Santarém. Lá, vão encher os navios e mandar para a China e para a Europa.

Onde essa soja vai ser guardada antesprimeiro cassino do mundoir para o navio? Em silos e portos na beira do Tapajós. Essa soja cheiaprimeiro cassino do mundoagrotóxico vai contaminar ainda mais o nosso rio. É por isso que eu digo que a Europa, a Ásia e outros países ainda estão massacrando os indígenas.

Contaminação por mercúrio

A mineração nas nossas terras é outra formaprimeiro cassino do mundocolonização. Ela traz prostituição, droga, doença. Ela contamina os rios e os peixes com mercúrio, e o povo temprimeiro cassino do mundosair da aldeia para ir se curar na cidade.

Sabe quando descobrimos que a gente estava com mercúrio no sangue? Sóprimeiro cassino do mundo2016, quando um amigo nosso adoeceu.

Ele tem 33 anos e nos ajudou bastante na autodemarcação da terra Sawre Muybu. Ele foi se tratarprimeiro cassino do mundoSão Paulo e recebeu o resultado: estava com alto índiceprimeiro cassino do mundometal no sangue. Agora ele já não anda mais, a fala dele é bem fraquinha. A última vez que falei com ele... (interrompe e chora)

A gente sabe que, daqui a uns tempos, ninguém mais vai conseguir chegar aos cem anos. A gente sabe que nossas crianças vão ficar doentes e vão morrer. Tem criança que não anda, que estáprimeiro cassino do mundocadeiraprimeiro cassino do mundoroda. Tem mulheres que não estão engravidando mais, não conseguem.

Os nossos parentes que estão envolvidos com o garimpo e estão defendendo a mineração estão matando seu próprio povo. Quando é só o governo, só os brancos, a gente tem como lutar. Mas, quando nossos próprios parentes estão envolvidos, é muito dolorido.

Já fui até ameaçadaprimeiro cassino do mundomorte por falar contra o garimpo. Mas eu vejo o sofrimento do nosso povo, eu sinto a dor das mulheres, e então eu continuo a falar.

Democracia para os indígenas

Em 2019, falei a 270 mil pessoasprimeiro cassino do mundoBerlim (em uma das Marchas Pelo Clima). Nunca vi tanta gente loira, branca,primeiro cassino do mundoolhos verdes e azuis. Eu disse a eles que, para nós, povos indígenas, nunca existiu democracia.

Belo Monte está aí, apesar dos gritos dos povos indígenas. As usinasprimeiro cassino do mundoTeles Pires e São Manoel, também. Existiu democracia?

Essas usinas saíram no governo do PT. Bolsonaro, a gente sabia que ele queria nos matar desde o começo. Mas também tem a morte que é silenciosa, por aquele que pega naprimeiro cassino do mundomão dizendo que é seu amigo.

Lutamos muito nesses últimos anos. Eu estava com os guerreiros e guerreiras munduruku que fecharam uma estrada e deixaram a cidadeprimeiro cassino do mundoItaituba sem combustível. Impedimos que o governo fizesse audiências sobre a exploraçãoprimeiro cassino do mundomadeira nas florestas nacionaisprimeiro cassino do mundoItaituba. Já barramos uma audiência sobre a Ferrogrão.

Resgate das urnas sagradas

Mas o momento mais especial que eu já vivi aconteceuprimeiro cassino do mundo24primeiro cassino do mundodezembroprimeiro cassino do mundo2019. Foi quando recuperamos urnas sagradas que os arqueólogos tiraramprimeiro cassino do mundoonde fizeram as hidrelétricasprimeiro cassino do mundoSão Manoel e Teles Pires. Eles levaram as urnas para um museuprimeiro cassino do mundoAlta Floresta (MT), e muitas delas foram vendidas.

Faz tempo que a gente vinha brigando para tentar recuperar as urnas. Elas são os espíritos dos nossos antepassados: a mãe dos peixes, a mãe das queixadas, a mãe da tartaruga, a mãe do jabuti, a mãe do tracajá.

Depois que elas foram para o museu, coisas ruins começaram a acontecer. Muitas crianças viviam doentes, com febre, diarreia. Meu tio, que é pajé, disse que tínhamosprimeiro cassino do mundoresolver o problema e atender o que os espíritos estavam pedindo, que era voltar para o local escolhido por eles.

Viajamos por seis dias até Alta Floresta, entramos no museu e conseguimos levar as urnas. Foi um momento histórico.

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